23 Março 2015
Encontrar Deus é uma experiência mística para uns, religiosa para outros, científica para tantos mais. Porém há um tipo de teologia que transborda crenças e ciências, nos penetra pela audição e faz até os mais insensíveis corpos reagirem: a música. Assim foi a audição do Te Deum in C major, de Anton Bruckner, comentada por Yara Caznok, graduada em música e doutora em Psicologia Social, e pelo compositor Pe. Ney Brasil Pereira, mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. O evento, realizado na manhã do dia 20-03-2015, integra a programação da 12ª Páscoa IHU - Ética, Mística e Transcendência, que ocorre até o dia 26 de março.
A reportagem é de Ricardo Machado.
Composição
Ao apresentar o Te Deum in C major, Yara explicou que a composição é dividida em cinco movimentos musicais, sendo que o primeiro e o quinto são em Dó maior, o segundo e o quarto em Fá menor, sendo que o terceiro movimento, que é o eixo axial da música (e da cruz, na simbologia cristã) é em Ré menor.
No final, quando Bruckner explora todo o preenchimento sonoro do Dó maior, chega-se a uma espécie de epifania sinfônica e de vozes. “Por exemplo, a escala mais alta de Dó no piano é a terceira, no final desta composição chega-se à quinta escala de dó. É intenso, é lindo!”, descreve a professora.
Teologia
Ney Pereira, que abriu o evento comentando a composição do ponto de vista teológico e complementou várias explicações durante a fala de Yara, ressaltou que o Te Deum é uma espécie da oração do Creio em tom laudatório, que era comum no final do século IV e início do século V. Além disso, destacou alguns trechos da composição, explicando os significados. “Quando no texto se refere a ‘o branco exército dos Mártires’, não estava se referindo ao branco da pureza, mas da conquista como se vê no livro do Apocalipse”, esclarece.
Movimentos
A paisagem sonora do primeiro movimento é densa, começa com uma intensidade de sons e vozes típicos de uma escala musical tocada e cantada em altos volumes, que são retomados na última parte. “É interessante perceber como o Bruckner recupera os movimentos espelhados ao final da composição e como a temporalidade nesses movimentos têm a ideia de circularidade. É notável seu conhecimento a respeito da tradição católica”, frisa Yara.
As transições de um movimento a outro também são marcantes. “Musicalmente não tem fim, mas em relação ao texto tem. Bruckner não cede à ideia de um concerto porque ora ocorre um movimento intenso, mas ora parece que o texto acabou”, descreve Yara. A segunda parte segue em tom de súplica, em Fá menor, o que também ocorre no quarto movimento. A terceira etapa, no entanto, é executada e cantada em Ré menor, por uma razão muito específica, de acordo com a comentadora. “Os grandes discursos são feitos em ré menor.”
Ecos
O evento reuniu um público seleto, mas não houve quem saísse da audição sem uma transformação. “A música clássica nos aproxima de uma experiência transcendental com Deus”, relata Fabio da Silva Oliveira, 35 anos, aluno do 10º semestre do curso de Direito da Unisinos, que pelo primeiro ano participa da Páscoa IHU e que havia comparecido na audição do dia anterior.
Já Cornélia Gassen, 60 anos, moradora de Dois Irmãos, no Vale do Sinos, participa pela terceira vez das audições comentadas de Páscoa. “Cada ano que participamos, aprendemos um pouco mais e sem dúvida a música, por sua energia, nos ajuda a perceber Deus”, conta.
Por fim, a composição foi executada novamente, desta vez sem interrupções entre os movimentos, sendo resumida por Yara da seguinte forma. “Te Deum em Dó maior é assim, uma coisa tão iluminada, tão gloriosa”, disse e logo silenciou-se e recolheu-se à contemplação de uma canção musicalmente e teologicamente muito rica.
Anton Bruckner
Anton Bruckner foi um compositor austríaco do século XIX, que morreu aos 72 anos. Foi reconhecido por suas sinfonias e missas que compunha. “Bruckner, na década de 1860, produziu três grandes missas e sofreu críticas fortes porque não ‘eram litúrgicas’. Daí ele parou de compor missas-sinfonias e passou a compor sinfonias-missas”, ponderou o Pe. Ney Pereira, fazendo uma brincadeira às críticas da época.
Além disso, Bruckner foi professor e organista, razão pela qual trabalhou na cidade de Linz até se mudar, em 1868, para Viena. O seu sucesso como compositor não foi constante ao longo da sua vida. Ele continuou a tradição austríaco-germânica de composição em grande escala, sendo a sua técnica de composição influenciada pela sua destreza como organista e consequentemente a improvisação formal. Conforme seu desejo, foi sepultado na cripta da Abadia de Saint-Florian, na Áustria, debaixo do órgão.
Yara Caznok
É graduada em Letras Franco-Portuguesas pela Fundação Faculdade Estadual de Filosofia Ciências Letras Cornélio Procópio - FAFI e em Música pela Faculdade Paulista de Arte – FPA. Especialista em Educação pela Universidade de São Paulo – USP, cursou mestrado em Psicologia da Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP e doutorado em Psicologia Social pela USP com a tese Música: entre o audível e o visível (São Paulo: Edunesp, 2004). É autora, entre outros, de Ouvir Wagner – Ecos nietzschianos (São Paulo: Editora Musa, 2000) e O desafio musical (São Paulo: Irmãos Vitale, 2004). Leciona na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, no Departamento de Música.
Ney Brasil Pereira
É mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, licenciado em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma e especialista em Musicologia pela Duquesne University, Pittsburgh. É compositor de uma enorme obras musicais sacras. É regente do Coral “Santa Cecília”, da Catedral Metropolitana de Florianópolis. Foi membro da Pontifícia Comissão Bíblica e professor no Instituto Teológico/Faculdade Católica de Santa Catarina. É capelão, por mais de 40 anos, das Instituições Penais de Florianópolis.
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A experiência divina mediada por Bruckner no Te Deum in C major - Instituto Humanitas Unisinos - IHU