Por: Jonas | 17 Março 2015
O colapso econômico e social dos países periféricos da União Europeia deu lugar ao surgimento e ascensão de novos movimentos políticos, que chegaram para disputar o poder com os partidos tradicionais, com propostas que fogem das políticas de austeridade. O embaixador argentino em Portugal, Jorge Argüello, abordou esta questão em seu livro ‘Diálogos sobre Europa: crisis del euro y recuperación del pensamiento crítico’, que reúne mais de 20 entrevistas com políticos e pensadores, nas quais tentou rastrear as causas da crise e analisar a atualidade política do Velho Continente, entre eles o presidente grego Alexis Tsipras, o ex-primeiro-ministro português Mario Soares e o ideólogo espanhol Juan Carlos Monedero.
A reportagem é publicada por Página/12, 16-03-2015. A tradução é do Cepat.
Soares afirmou que o fato do Banco Central Europeu não colocar em circulação a quantidade necessária de euros fez com que os países mais pobres caíssem nas medidas de austeridade. “Se nós na Europa fabricássemos euros como os americanos fabricam dólares, não teríamos nenhum problema agora, teríamos pagado tudo o que era necessário. Porém, a Alemanha, para continuar sendo o principal país da União Europeia, evitou que o euro aumentasse e por isso não há euros”. Embora a escassez da moeda única seja uma das causas que fez com que os países adotassem medidas de austeridade, Soares apontou que estas medidas não garantem a saída da crise. “A maneira de superar a crise é, justamente, evitar a austeridade que nos querem impor e que impede de nos desenvolvermos economicamente. O neoliberalismo estadunidense contagiou a União Europeia e esse contágio determinou a crise europeia. Tudo graças à liderança da senhora Angela Merkel. Ela procedeu exatamente como os mercados agiotas queriam”, explicou o ex-primeiro-ministro no livro.
Neste sentido, a entrevista com o principal ideólogo do Podemos, Juan Carlos Monedero, permite fazer uma leitura sobre a ascensão e a popularidade dos novos movimentos Podemos, na Espanha, e Syriza, na Grécia, para além de um voto de protesto circunstancial diante da crise e a gestão dos partidos tradicionais. “Por trás do êxito eleitoral de uma força como o Podemos está o esgotamento do regime de 1978, o nascido da Constituição aprovada naquele mesmo ano, na Espanha. Os consensos que sustentavam o regime foram rompidos, da mesma forma que os principais atores políticos perderam sua capacidade de sustentar a legitimidade do governo”, opinou Monedero.
Em um novo contexto de dívida e desemprego, os novos movimentos vêm disputar o poder com os partidos políticos tradicionais, mudando o eixo das propostas. “Podemos, dando continuidade ao recurso apresentado em marcha pelo movimento indignado (15M), mudou o relato e ao invés de falar em crise, falou de cansaço; ao invés de reprovar os cidadãos, apontou os banqueiros e os políticos assimilados ao poder financeiro, acusando-os de ser uma ‘casta’ alheia à democracia e inimiga do povo. Ao invés de assumir acriticamente tudo o que vinha da Europa, acertou em entender que a Europa, nesse momento, está nas mãos de grupos que velam pelos seus próprios interesses e os das grandes corporações”, afirmou Monedero.
Apesar das novas propostas, os países europeus necessitam do retorno da primazia da solidariedade que regia a União Europeia desde o seu início. O presidente grego, Alexis Tsipras, afirma no livro que a crise e o estancamento tiveram como efeito o crescimento do euroceticismo e o fortalecimento da extrema direita. “Temos que nos diferenciar. A essa Europa é preciso opor nossa própria proposta alternativa: a de uma Europa solidária, com coesão social, equidade e democracia, uma Europa de seus povos. Portanto, necessitamos de um novo modelo econômico e político que coloque no centro as pessoas e a democracia, que redistribua a riqueza com justiça. Há apenas alguns anos, descartavam-nos ‘por sermos utópicos’, agora, esta saída é a única alternativa realista para Europa”, sentenciou o líder do partido de esquerda grego Syriza.
A experiência da União Europeia pode ser útil para os blocos regionais latino-americanos, disse o economista estadunidense Barry Eichengreen, outro dos entrevistados. “A integração econômica, como oposta à integração monetária, é algo que a América Latina deveria tomar para si. São muitas as condições econômicas, financeiras e políticas prévias para se assegurar o bom funcionamento de uma união monetária. E é perigoso se mover prematuramente nessa direção”, advertiu Eichengreen. Neste sentido, Argüello expressou que a Europa deve servir como exemplo, mas não como modelo. “Não haverá lugar no mundo globalizado sem integração da própria região que potencialize nossa presença”, opinou. No entanto, cada processo de integração é singular. Não há receitas que garantam o êxito.
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O rompimento dos consensos políticos na Europa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU