Por: Cesar Sanson | 11 Março 2015
Apesar da polícia trabalhar com a hipótese de latrocínio, roubo seguido de morte, lideranças Huni Kui afirmam que o brutal assassinato do professor Carlos Alberto Domingos Kaxinawá (na foto), de 34 anos, no último domingo, 8, em Santa Rosa do Purus (AC), teve como fatores de motivação o racismo e o preconceito. Quatro indivíduos, oriundos de Sena Madureira, foram presos em flagrante.
A reportagem é de Renato Santana e publicado pelo portal do Cimi, 10-01-2015.
“Por conhecer o comportamento dele, e pela forma que o mataram, eu não tenho dúvidas de que foi puro racismo e preconceito. Tem sido uma prática em Santa Rosa esse tipo de morte. São pessoas de fora, não indígenas, no geral de Sena Madureira que chegam com violência”, explica Ninawá Huni Kui. O indígena assassinado era filho do cacique Edivaldo Domingos Kaxinawá e estudava pedagogia.
Santa Rosa do Purus fica na microrregião de Sena Madureira, município onde indígenas, sobretudo os Jaminawa expulsos de suas terras tradicionais, vivem em situação de miséria, mendigando e sendo hostilizados pelas ruas. Os indígenas moram em um bairro exclusivamente indígena às margens do rio Iaco, afluente do Purus. Em época de cheia, só é possível chegar aos quintais das casas de barco. Em 2012, este repórter viu de perto a situação de intolerância contra os indígenas.
Numa rápida caminhada pela cidade, crianças eram enxotadas a pontapés enquanto tentavam resgatar bananas verdes caídas de cachos transportados por atravessadores. As mais lépidas se perdiam entre os becos do bairro Jaminawa com o único alimento do dia seguro entre as mãos, contra o peito. Comerciantes se negavam a ter na porta de seus estabelecimentos indígenas atrás de comida ou moedas.
“Cada vez mais pessoas com essa mentalidade racista chegam em Santa Rosa. Tratam os indígenas como se não fossem nada. Não era assim antigamente e só vem aumentando esse tipo de violência. Já é a quarta que acontece assim, com parente sendo morto como se fosse animal”, completa Ninawá. De acordo com matéria da Rádio Yandê, cuja programação é realizada por indígenas, Ventura Samora Kaxinawá, Sebastião Kaxinawá e Carlos Torres Peres Kaxinawá foram atingidos, em 24 de março de 2013, por tiros na virilha, abdômen e tórax após participarem como torcedores de uma partida de futebol de salão no ginásio de esportes da cidade. Os tiros foram de espingarda calibre 24 e o atirador foi preso em flagrante.
Conforme Ninawá, tais crimes trazem em si a ideia de que como seres inferiores os indígenas podem ser mortos. O racismo, portanto, motiva a ação criminosa e o grau da crueldade. Caso do professor Carlos Alberto, morto a tijoladas. “Se fosse apenas roubo, era só levar a carteira”, afirma Manoel Kaxinawá, tio do professor e liderança do Polo Base de Saúde de Santa Rosa do Purus. O indígena explica que na cidade e nas aldeias paira a insegurança. “Estamos todos muito tristes e revoltados. Queremos que se faça justiça”, diz. Como as aldeias ficam afastadas, os indígenas temem que a violência se alastre para fora da cidade.
O jornalista acreano Altino Machado comparou o assassinato do professor ao caso de Galdino Pataxó Hã-hã-hãe, queimado vivo numa parada de ônibus em Brasília. “Engana-se quem imagina que, pelo fato de vivermos na Amazônia, os indígenas contem com o respeito que merecem e não haja jovens como aqueles que, em Brasília, atearam fogo e mataram Galdino”, escreveu o influente colunista numa de suas redes públicas.
Povos do Alto Purus
Kaxinawá é a forma que os brancos passaram a chamar os Huni Kui, que habitam o Alto Rio Purus ao lado dos Madjae de povos em situação voluntária de isolamento – os livres. O rio nasce nos Andes e no Brasil inicia o trajeto em Santa Rosa do Purus, fronteira com o Peru, em sua parte alta. A cidade detém acentuada presença indígena entre seus 5.600 habitantes (IBGE, 2010), tendo a imagem de um indígena no brasão, e é referência para as atividades de saúde, educação e transporte, ao lado de Manoel Urbano, município também às margens do Purus, mas na fronteira com o estado do Amazonas.
Leia abaixo a carta de Ninawá Huni Kui ao professor assassinado:
Nunca saberemos o que vai acontecer com as nossas vidas
Deus nos criou e nos deu vida para cumprirmos uma missão aqui no Planeta Terra. A trajetória pode ser árdua para uns, e fácil para outros, mais nunca deixa de ser uma luta. Assim foi a trajetória do meu PRIMO IRMÃO (HUNI KUI SIÃ YNU BAKÊ) Carlos Alberto Domingos Kaxinawá, de 34 anos, pai de cinco filhos, com suas duas esposas. Professor exemplar, homem alegre e amigo, respeitador, responsável e cumpridor de suas obrigações, princípios herdados de seu pai o (Yukên ynu Bakê), o Cacique EDIVALDO DOMINGOS KAXINAWÁ. O Siã estava em Santa Rosa, realizando mais um de seus sonhos, fazendo uma faculdade na aérea pedagógica, durante suas férias, Siã nunca se envolveu na marginalidade, não é traficante, não é estuprador, Siã, homem que sempre terá o meu respeito e admiração, ao qual quero deixar aqui minhas poucas palavras de agradecimentos.
Gratidão Siã, meu primo, meu irmão e meu amigo, por ter sido uma pessoa muito exemplar em nossa família, tenho muito orgulho de você, esse orgulho ficará para sempre em meu coração e em minha mente, vou sentir muita saudade das nossas brincadeiras, das nossas conversas, quero poder contar para teus filhos os teus sonhos, os quais tive a honra de compartilhar com você. Desejo-te um bom descanso primo irmão, vá em paz!!!, que vou continuar aqui lutando por dias melhores para nossa família e para nosso povo, te prometo que farei o que for possível para que a justiça do homem seja feita, porque a de Deus é certa.
Com muita saudade de você...
Ninawá Ynu Bakê Huni Kui
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Indígenas atribuem a ato de racismo assassinato de professor Huni Kui em Santa Rosa do Purus (AC) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU