04 Fevereiro 2015
O diretor da revista La Civiltà Cattolica, Antonio Spadaro, tenta explicar o Mattarella católico, as semelhanças com o Papa Bergoglio e as raízes de uma cultura que dará uma nova vida para a Itália.
A reportagem é de Annachiara Valle, publicada no sítio da revista Famiglia Cristiana, 03-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Não é um retorno ao passado, não é uma velha classe dominante que retorna. Sergio Mattarella é herdeiro de uma tradição, mas é uma tradição que é capaz de trazer elementos de grande novidade e também de descontinuidade à percepção da vivência dos católicos presentes na política, na Itália."
Eis a entrevista.
Martinazzoli diria que é a semente de uma história que volta a germinar. Uma semente antiga, mas que sempre dá frutos novos.
Certamente, pode-se dizer isso. Ele é o herdeiro dessa tradição do catolicismo democrático e a encarna no nosso contexto histórico: não é um ideólogo. Ele disse isso explicitamente, além isso: não é óbvio que o passado seja melhor do que o presente. E, depois, devemos considerar o fato de que, embora no passado recente, ao longo da chamada "Segunda República", Mattarella tenha tido um papel político não de primeiro plano e o desempenhou com discrição, isso, hoje, lhe dá frescor.
Que tipo de católico é Mattarella?
Um católico que sente a política como vocação. Portanto, não um político católico, mas um católico que desposa a política, que foi percebida por ele como uma urgência física. Devemos lembrar que o seu ingresso na política ocorreu após a morte do irmão, a partir dessa ferida na carne. E, portanto, impulsionado pela atitude de Piersanti – de mudança e de ruptura em relação a uma democracia cristã em conluio com a máfia –, Sergio Mattarella continuou o seu caminho de compromisso contra a corrupção.
Estes são dois pontos importantes. O primeiro: é um político que se tornou tal, se poderia dizer, para além das suas previsões e da sua inclinação natural, por necessidade "moral". O segundo: o seu ingresso na política foi motivado por uma necessidade de honestidade e de luta contra a corrupção. Acho que se entende bem que tipo de católico Mattarella é, olhando de novo um vídeo com uma entrevista sua ao movimento de estudantes dos jovens da Ação Católica, que eu logo quis compartilhar no Twitter. Nesse vídeo, emerge a sua formação remota, desde os tempos do colégio e da universidade. Ela ocorreu plenamente nos anos do Concílio, extremamente significativos para a Igreja. No vídeo, ele fala dos anos do Concílio como anos de "entusiasmo, de esperança e de inovação". Três palavras que, para mim, são paradigmáticas neste momento. Sobretudo a esperança.
Quais são os traços de semelhança com o Papa Bergoglio?
Falar do Concílio significa falar de fé que abraça a história. Mattarella valorizou esse laço com a história. Ele lembra os anos de formação como de um tempo de sonhos e de ideais. Chama a atenção, porém, que, falando desses ideais, ele afirma que eles estavam enraizados em um compromisso fundamentado na história do país. Portanto, não é um compromisso utópico-ideológico, mas é feito de sonhos e de ideais que estão fundamentados e enraizadas na história. Essa é a exatamente a concepção da utopia não ideológica que, muitas vezes, o Papa Francisco expressou.
Ele disse isso de modo muito forte aos jovens no Brasil, dizendo que, sem utopia, um jovem não é realmente jovem. E que, no entanto, a utopia não é aquela que um certo utopismo ideológico nos deu a conhecer, mas é aquele impulso ideal que se fundamenta em valores que se encarnam na história. Existe uma relação positiva com a história, portanto, que, depois – repito –, é um dos cernes do Concílio. A relação entre fé e história é uma relação que vê a fé abraçar a história e reconhecer o Senhor que atua na própria história.
Você disse que o cristianismo de Mattarella não é muscular. Em que sentido?
No sentido de que não é ostentativo ou impositivo. É um cristianismo que vive com desconforto os conflitos laicos-católicos. Ao contrário, ele concebe um compromisso na política como a busca do bem comum sobre uma base laica. Esse também é um forte ponto de convergência com Bergoglio. A laicidade do Estado faz com qu todas as forças vivas de uma sociedade possam convergir na construção do bem comum. Entre estas, devem estar os crentes. Portanto, não há tanto o chamado à colheita de políticos católicos, mas a vontade de que a fé permita trabalhar junto com os outros pelo bem comum.
O que mais o une a Francisco?
Certamente, a confiança no diálogo. Vivendo a experiência do Concílio, ele foi tocado por algumas coisas. Uma delas é a universalidade da Igreja. Porque, na universalidade, ele vê a convergência de diferenças que, no entanto, são vividas dentro de um quadro comum. A sua formação na Ação Católica, com os jesuítas, com os rosminianos, com a Pro Civitate Cristiana, os anos do Concílio o levaram a refletir.
Também naquele vídeo que eu mencionei, ele afirma que estudar juntos, viver junto com os outros o ajudou a compreender as exigências, os problemas e as expectativas de quem estava ao seu lado. Se crescemos, diz ele, crescemos juntos. Palavras praticamente idênticas foram usadas várias vezes pelo Papa Francisco. Essa visão de diálogo entendido como encontro e escuta do outro é um valor que ele viveu concretamente naqueles anos de formação. É uma visão que tem a sua raiz remota justamente na experiência do Concílio: a experiência que essa universalidade da Igreja se conjugava dentro de um encontro de diversidades.
E depois, também, o estilo de sobriedade.
Certamente, há esses detalhes que, agora, são elementos exteriores, mas que fazem refletir muito. Há uma sobriedade nos gestos, nas declarações e no estilo de vida. Nesse sentido, vê-se que a sobriedade não é apenas um elemento exterior, mas fala de uma vivência profunda. Notamos também que tanto Mattarella quanto Bergoglio não eram "midiáticos": o seu perfil sempre foi baixo.
Um católico laico e livre?
Chama a atenção, nas palavras de Mattarella, a sua recordação de que, dentro de um quadro de referência compartilhado, ele tenha tido espaços de busca pessoal para construir os próprios itinerários. Mattarella fez referência ao mesmo tempo a Epíteto e ao Evangelho, recordando a frase do filósofo que diz que "a cultura vos fará livres" e a das Escrituras: "A verdade vos fará livres". A cultura e o Evangelho, portanto, são convergentes no objetivo de tornar a pessoa livre. Mattarella vem de uma cultura para a qual o Evangelho é uma mensagem que liberta, isto é, que leva o homem à sua estatura mais alta. E, à luz disso, ele também lê o valor da cultura que, como valor espiritual, liberta a pessoa e a ajuda a crescer e a encontrar o seu próprio caminho.
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Mattarella, um presidente fundamentado no Concílio. Entrevista com Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU