18 Dezembro 2014
"A história contemporânea da política e da economia não pode mais omitir narrativas sobre as drogas, em especial a cocaína. A análise de Saviano é penetrante e conclusiva. Não autoriza ilusões", escreve Luiz Eduardo Soares, antropólogo e escritor, em artigo publicado pelo jornal O Globo, 13-12-2014.
Eis o artigo.
A leitura de “Zero zero zero” será indispensável para quem tiver coragem de olhar nos olhos a barbárie contemporânea e repensar o que supomos saber sobre nosso tempo. Com o risco da própria vida, atravessando cenários da mais assombrosa crueldade, Roberto Saviano nos oferece um mapa detalhado das redes políticas e econômicas que fazem da cocaína o segundo negócio mais lucrativo do planeta, abaixo apenas do petróleo. Considerando-se a escala e a complexidade dos fluxos financeiros provenientes do narcotráfico e sua infiltração nos ramos legais da economia, tornou-se impossível separar o joio do trigo, mesmo quando há interesse em fazê-lo por parte de agentes financeiros.
Um exemplo: em 2009, como sabemos, o mundo entrou em colapso. A bolha financeira explodiu: o débito sem lastro chegava a US$ 1 trilhão. Só um setor da economia continuava a girar sem problema de liquidez: o tráfico de cocaína, que lavou de imediato US$ 352 bilhões, injetando-os nas instituições financeiras desidratadas. Cerca de um terço da liquidez mundial era dinheiro sujo de sangue. A dinâmica do capitalismo financeiro globalizado e a agilidade dos narconegócios, turbinados pela instantânea liquidez de suas operações, gestaram um novelo inextricável. A legalização das drogas tornou-se um imperativo da racionalidade.
Liquide imediata e disponível
São produzidas, anualmente, entre 788 e 1060 toneladas de cocaína, segundo dados do World Drug Report, de 2012. A maior fonte de exportação continua sendo a Colômbia, responsável por cerca de 60% da coca que circula no mundo. A crise colombiana não eliminou a produção, mas deslocou para o México as disputas por mediações comerciais, onde a violência explodiu. Aproximadamente 20 milhões de cidadãos cruzam todo ano os três mil quilômetros de fronteiras que separam o país dos Estados Unidos, principal consumidor. Entretanto, o problema não é regional. Os negócios do pó têm prosperado em escala global. O Brasil é o segundo maior consumidor. Passam por aqui, anualmente, entre 80 e 110 toneladas de pó. Metade cheirase aqui mesmo, o resto segue para a Europa e outros destinos.
Essa economia gira velozmente porque seu combustível é a liquidez imediata e sempre disponível. Se a demanda aumenta, nenhum problema: a oferta é elástica. Um quilo pode facilmente converter-se em cinco ou seis. A mágica está na mistura. Cheira-se pouquíssima cocaína no pó que se inala. A pureza média da cocaína na Europa varia entre 25% e 43%. A história contemporânea da política e da economia não pode mais omitir narrativas sobre as drogas, em especial a cocaína. A análise de Saviano é penetrante e conclusiva. Não autoriza ilusões.
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Visão penetrante, conclusiva, e que não autoriza ilusões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU