19 Novembro 2014
Jorge Nahuel, porta-voz da Confederação Mapuche de Neuquén, na Patagônia argentina, denuncia que os indígenas não foram consultados sobre a exploração de hidrocarbonos não convencionais em suas terras ancestrais. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
Os hidrocarbonos não convencionais reativaram os conflitos indígenas no sudoeste da Argentina. Sobre Vaca Muerta, a formação geológica que abriga essas reservas, vivem 22 comunidades mapuches que reclamam por não terem sido consultadas sobre a exploração de suas terras ancestrais, “em cima e embaixo”.
A reportagem é de Fabiana Frayssinet, publicada pela portal Envolverde/IPS, 17-11-2014.
O termo “superficiários” que nos contratos petroleiros denominam a contraparte com a qual negociam a exploração territorial, não convence Albino Campo, “logko” (chefe mapuche) da comunidade de Campo Maripe. “Somos donos da superfície e do que está acima e abaixo também. Essa é a “mapu” (terra). Abaixo não é oco. Abaixo há outro povo”, afirmou à IPS. Tampouco está oco para as companhias petroleiras, embora as duas concepções sejam muito diferentes.
Três mil metros abaixo da superfície de Campo Maripe está uma das maiores reservas mundiais de gás e petróleo de xisto (de rocha). As terras que a comunidade utilizava para pastoreio agora são parte da jazida Loma Campana, operada pela empresa estatal YPF, em associação com a norte-americana Chevron. “Aqui foram aberto 160 poços, mais ou menos. Quando chegarem a 500 poços não teremos lugar para nossos animais. Roubarão o que era nosso”, protestou o logko.
Diante da urgência de produção, a YPF começou há um ano a abrir estradas e poços na jazida Campo Campana, na província de Neuquén, na Patagônia. O chefe mapuche e sua irmã Mabel Campo mostraram à IPS em que se transformou sua terra, onde o barulho e a poeira causados pelos caminhões, que entram e saem continuamente da jazida, são intensos.
Transportam máquinas, tubos de perfuração e produtos para realizar a fratura hidráulica (fracking), uma questionada técnica que libera os hidrocarbonos em grande escala mediante a injeção a alta pressão de água, areia e aditivos químicos para romper grandes extensões das rochas subterrâneas onde estão incrustados. “Dizem que o fracking e tudo o que há acima não contamina, talvez passe muito tempo até começarmos a ver câncer, câncer de pele, pela quantidade de contaminação, e também vamos morrer de sede porque não haverá água para beber”, advertiu Mabel.
A YPF argumenta ter negociado com o governo da província a abertura do campo, porque é quem possui o título de propriedade das terras. Porém, “nós tentamos ter a melhor relação possível com qualquer superficiário ou pseudossuperficiário ou ocupante nas áreas onde trabalhamos, “sejam mapuches ou não”, declarou à IPS o gerente de relações institucionais da YPF-Neuquén, Federico Calífano.
As famílias de Campo Maripe ainda não obtiveram esse título, mas uma vitória importante. Após manifestações que incluíram se acorrentar às torres petroleiras, conseguiram em outubro que o governo provincial os reconheça legalmente como comunidade.
“O direito indígena legisla que a personalidade jurídica não é constitutiva – isto é, não cria a comunidade, porque a mesma existe independente da aceitação o não do Estado –, mas é uma ferramenta das instituições do Estado (desde órgãos de governo até tribunais), explicou Micaela Gomiz, do Observatório de Direitos Humanos de Povos Indígenas da Patagônia (ODHIP).
“Com a inscrição de personalidade jurídica, se deixa para trás a postura oficial de negar a identidade indígena mapuche, e agora terá que ser realizado o processo de consulta para qualquer ação que afete o território”, explicou o ODHIP em um comunicado. Segundo a entidade, em 2013 havia cerca de 347 mapuches acusados por crime de “usurpação”, contando os 80 processos judiciais abertos em Neuquén e outros 60 na vizinha província de Río Negro.
No caso de Vaca Muerta, Jorge Nahuel, porta-voz da Confederação Mapuche de Neuquén, pontuou à IPS que os indígenas não foram ouvidos como determina o Convênio 169 da Organização Internacional do trabalho, ratificado pela Argentina há 25 anos. “O que o Estado deveria fazer antes de conceder espaço é acordar com a comunidade se esta está disposta a aceitar semelhante mudança em sua vida”, acrescentou.
Além disso, segundo Nahuel, “a empresa deveria aplicar o direito que, por exemplo, temos reconhecido constitucionalmente de participar da gestão dos recursos naturais. Esses direitos estão totalmente violados pela chegada da indústria petroleira”. O dirigente mapuche acrescentou que violações semelhantes ocorrem nas indústrias da soja e da mineração. “Os indígenas são considerados um elemento a mais da natureza e como tal são arrasados”, denunciou.
Nesse país de 42 milhões de habitantes, aproximadamente um milhão se autorreconheceram como indígenas no último censo, de 2010. A maioria pertence aos povos mapuche e colla e vive em Neuquén e em outras duas províncias.
Nahuel recordou que, de quase 70 comunidades indígenas de Neuquén, somente 10% têm títulos. “A lógica do Estado é que, na medida em que haja debilidade quanto à posse da terra, há mais segurança jurídica para a empresa. É uma lógica perversa porque definitivamente eles acreditam que, se ficarmos por décadas sem títulos de propriedade, será mais fácil para a empresa invadir um território”, afirmou.
Mas alguns colocam em dúvida os verdadeiros interesses dos mapuches. Luis Sapag, deputado do Movimento Popular Neuquino, promoveu a polêmica quando no ano passado assegurou que “alguns deles fazem bons negócios” e que “a YPF não foi se instalar nas terras dos mapuches, mas que alguns mapuches foram colocar suas casas onde estava a YPF para gerar toda essa movimentação”.
“Até que se desenvolveu Loma Campana, nunca houve reclamação de uma comunidade mapuche”, afirmou o gerente de Não Convencionais da YPF Neuquén, Pablo Bizzotto, durante uma visita da IPS e de outros veículos de comunicação internacionais a Loma Campana.
Nahuel comparou essa lógica com a “utilizada pelo Estado quando invadiu o território mapuche, dizendo que era um deserto, nós chegamos e depois que chegamos apareceu um povo reclamando direitos”. E ironizou afirmando que “aqui utilizam a mesma lógica, primeiro arrasam um território e depois dizem: mas reclamam do que? Nós não os tínhamos contabilizado”.
Para Nahuel, a exploração de hidrocarbnonos não convencionais, da qual a Argentina passou a ser um de seus grandes atores, traz uma “ameaça muito mais forte” do que a tradicional, que, segundo garantiu, já “deixou uma contaminação profunda no solo e no organismo de todas as famílias mapuches da área”.
“É uma indústria que gera um forte impacto ambiental e social e, o que é pior para nós, cultural, porque quebra a vida comunitária, porque rompe tudo o que é relação coletiva que temos em relação a um território e porque começamos a ser superficiários para a indústria”, ressaltou Nahuel. E acrescentou que, na medida em que avançarem as perfurações, aumentarão os conflitos.
Nesse sentido, opinou que a nova Lei de Hidrocarbonos, em vigência desde 31 de outubro, agravará a situação porque “foi feita a serviço dos grupos econômicos, já que às empresas foi assegurada a exploração durante 50 anos. Quando a YPF partir, não deixará nenhum futuro para os mapuches. Aqui o que nos deixam é contaminação e morte, nada mais”, lamentou o logko Campo.
Assista ao vídeo “Torres petroleiras invadem a terra argentina dos mapuches”, pelo link original.
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Petróleo de xisto reativa conflito indígena na Argentina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU