Por: Jonas | 16 Setembro 2014
Que a figura de “Papa emérito” seja uma novidade sem precedentes na história da Igreja, “instituída” por Bento XVI com seu ato de renúncia, é algo reconhecido pelo próprio Papa Francisco, na coletiva de imprensa no avião que o levava de volta da Coreia para Roma, no último dia 18 de agosto.
Fonte: http://goo.gl/FPabbp |
A reportagem é de Sandro Magister, publicada por Chiesa.it, 15-09-2014. A tradução é do Cepat.
Isto não isenta que, do ponto de vista jurídico e doutrinal, não esteja assegurado, em absoluto, que esta nova figura surgida na hierarquia católica tenha um fundamento real.
“Os séculos dirão se é assim ou não. Veremos”, disse com prudência Francisco, embora pessoalmente esteja entusiasmado com a inovação.
De fato, entre os teólogos e canonistas, as avaliações continuam sendo muito desarmônicas. Após dois dias do anúncio da abdicação, Manuel Jesús Arroba, docente de direito canônico da Pontifícia Universidade Lateranense, pôs em guarda o uso deste título: “Juridicamente, há apenas um Papa. Um ‘Papa emérito’ não pode existir”.
Porém, sobretudo, é uma primeira figura do direito canônico como o jesuíta Gianfranco Ghirlanda, antes reitor da Pontifícia Universidade Gregoriana, quem refuta a validade da figura do “Papa emérito”, em um longo ensaio, cheio de argumentações, publicado no dia 2 de março de 2013, pela “La Civiltà Cattolica” e, por conseguinte, - como acontece com o que diz respeito a todos os artigos desta revista - impresso com o controle e a autorização prévios da Secretaria de Estado vaticana.
Ao final de seu ensaio, o padre Ghirlanda tirava esta conclusão:
“É necessário se deter longamente sobre a questão da relação entre a aceitação da legítima escolha e a consagração episcopal; ou seja, sobre a origem da potestade do romano pontífice, para compreender concretamente, com maior profundidade, que quem cessa no ministério pontifício não por decesso, ainda que continue sendo evidentemente bispo, já não é Papa, na medida em que perde toda a potestade da primazia ao não provir esta da consagração episcopal, mas, sim, diretamente de Cristo por meio da aceitação da legítima escolha”.
E, portanto, excluía que o renunciante pudesse seguir acompanhado com o nome de “Papa”, ainda que “emérito”:
“É evidente que o Papa que renunciou já não é Papa, razão pela qual não possui nenhuma potestade na Igreja e não pode se intrometer em nenhum assunto de governo. Podemos nos perguntar que título conservará Bento XVI. Pensamos que deveria se atribuir o título de bispo emérito de Roma, como qualquer outro bispo diocesano que cessa”.
No entanto, posteriormente, foi o próprio Ratzinger quem se atribuiu o qualificativo de “Papa emérito” e ao levar, em certo sentido, seu sinal distintivo ao continuar vestindo o hábito branco.
Antecipou enigmaticamente o sentido desta sua decisão na última de suas audiências gerais como Papa, no dia 27 de fevereiro de 2013, vigília de sua efetiva abdicação:
“Quem assume o ministério petrino já não tem nenhuma dimensão privada. [...] Minha decisão de renunciar ao exercício ativo do ministério não revoga isto. Não volto à vida privada, a uma vida de viagens, encontros, recepções, conferências, etc. Não abandono a cruz, mas, sim, permaneço de um jeito novo junto ao Senhor Crucificado. Já não tenho a potestade do ofício para o governo da Igreja, mas permaneço no serviço da oração, por assim dizer, no recinto de São Pedro”.
Há quem recorde que Pio XII, quando preparou a carta de renúncia que se tornaria efetiva caso os alemães o prendessem, dizia aos seus mais estreitos colaboradores: “Quando os alemães cruzarem esta linha, já não encontrarão o Papa, mas, sim, o cardeal Pacelli”.
Porém, para Bento XVI não foi assim. Ao renunciar não pensava em absoluto poder voltar a ser “o cardeal Ratzinger”. Era e continua sendo sua firme convicção que da sua eleição como Papa há algo que permanece “para sempre”.
E é isto o que alguns estudiosos tentaram identificar e justificar.
Como é o caso de Valerio Gigliotti, docente de história do direito europeu, na Universidade de Turim, no volume “A tiara deposta”, que o sítio www.chiesa divulgou no último mês de abril.
Ou como Stefano Violi, professor de direito canônico, na Faculdade Teológica de Emilia Romaña, em seu ensaio publicado na “Rivista teológica di Lugano”, intitulado: “La rinuncia di Benedetto XVI tra diritto, storia e coscienza”.
Segundo Violi, ao renunciar, Bento XVI deixou efetivamente o exercício ativo do ministério petrino, mas não o ofício, o “múnus” do papado, irrenunciável precisamente porque lhe foi confiado para sempre com a eleição como bispo de Roma e sucessor de Pedro.
Quem conhece o Ratzinger teólogo sabe que ele jamais subscreveria um desdobramento tal do ofício papal, que em sua avaliação apenas se pode aceitar ou rejeitar em bloco.
No entanto, nunca disse nada para esclarecer, então, seu ser “Papa emérito”, mesmo depois da sua abdicação.
O adjetivo “emérito”, tomado emprestado dos bispos que renunciam, não ajuda a entender.
Um bispo continuará sendo bispo sempre, por força do caráter indelével do sacramento da ordem, ainda que já não governe nenhuma diocese.
E também um sucessor de Pedro continua sendo bispo para sempre, também depois de sua renúncia. Porém, como pode continuar sendo “Papa” após renunciar a tudo, não apenas uma parte do que constitui o especificamente petrino?
Este silêncio de Ratzinger deixa espaço aberto não só para conjecturas de doutrina, que ele, certamente, não compartilha – como a invenção de um “caráter” indelével impresso pela eleição como Papa –, como também para a desorientação de não poucos fiéis, que sentem a tentação de considerar que na Igreja católica pode haver dois Papa – talvez de grau distinto, mas sempre mais de um – e assim tomar partido por um ou pelo outro.
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Reinante e “emérito”. O enigma dos dois Papas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU