01 Setembro 2014
Nascia no dia 30 de agosto de 100 anos atrás o religioso que dedicou a vida ao serviço dos mais pobres na sua França natal, assim como na Terra Santa.
A reportagem é de Filippo Rizzi, publicada no jornal Avvenire, 29-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O "profeta da Igreja dos pobres", o padre operário que se tornou carpinteiro e marceneiro na Terra Santa para estar no "seguimento de Jesus" ou ainda, como afirmou uma vez Leonardo Boff, o "pai da teologia da libertação".
São muitos os adjetivos, epítetos, apelidos que tentaram contar a vida, mas principalmente o apostolado poliédrico, sempre em favor dos últimos de Paul Gauthier (1914-2002), do qual se celebra o centenário do nascimento no dia 30 de agosto.
Um personagem que, com a sua ação de "profeta com a espátula", segundo uma feliz definição de Teresio Bosco, incidiu mais do que se imagina na abertura do Concílio Vaticano II à modernidade, ao diálogo com os distantes e com o direcionamento do catolicismo rumo às fronteiras mais "à frente" da sua missão ao lado dos pobres da terra.
Paul Gauthier nasceu na França em La Flèche, para depois entrar no seminário em Dijon (do qual também seria mais tarde diretor) em 1929. Os primeiros anos da vida sacerdotal de Gauthier foram dedicados ao apostolado intelectual, à escrita, entre outras coisas, de alguns roteiros de cinema. Não é por acaso que o terreno fértil em que se formou a personalidade de Gauthier é constituído por exemplos de vida como Charles de Foucauld, Henri Bergson, Teresa de Ávila e João da Cruz.
A academia ideal do futuro ministério em favor dos pobres, em meados dos anos 1940, foi a frequentação em Marselha do dominicano Jacques Loew, fundador dos padres operários da França. Mas foi com o ano de 1954 que o jovem sacerdote de Dijon pediu ao seu bispo, Guillaume-Marius Sembel, a exoneração do seu ministério ordinário de padre diocesano para "dedicar-se à evangelização dos pobres".
Desde então, floresceram as grandes intuições de Paul Gauthier: com um grupo de jovens, ele se estabeleceria em Nazaré para fundar uma pequena família religiosa, de alcance internacional, "Os companheiros e as companheiras de Jesus carpinteiro" (1957-1958). Menor entre os menores, ele tomou consciência, nessa martirizada faixa de terra do Oriente Médio, do drama palestino; boa parte do seu ministério de padre foi gasta em favor da construção de "casas para muitos sem-teto" (em sua maioria, refugiados das zonas de guerra).
Foi fundamental nesses anos o encontro com o bispo desses territórios, George Hakim, que quis o jovem padre francês ao seu lado a partir de 1962, no Concílio Vaticano II. Uma ocasião, a do Concílio, que permitiu que o jovem Gauthier conhecesse os grandes da teologia em voga naqueles anos, debatesse com homens do calibre de Yves-Marie Congar e Henri-Marie de Lubac (que permaneceria sempre cético em relação às reivindicações apresentadas pelo sacerdote de Dijon).
E foi justamente o evento Vaticano II que colocou o padre Gauthier sob os holofotes: aqui ele lança as bases do movimento da "Igreja dos pobres". Um manifesto programático que envolve e não deixa indiferentes muitos dos padres conciliares (cerca de 300), incluindo o cardeal de Bolonha, Giacomo Lercaro.
Foi essa, segundo muitos estudiosos, a pedra fundamental da teologia da libertação. A bússola principal de referência desde então para o sacerdote carpinteiro de Belém era a constituição pastoral Gaudium et spes. E é precisamente daqueles anos (1963) a escrita de um livro que deixou o sinal mais importante do seu apostolado: Jésus, l'Eglise et les pauvres.
O ano de 1964 representa, na biografia de Gauthier, um capítulo central: com o jornalista Ettore Masina (conhecido na época do Concílio), fundou a Rede Radié Resch, uma associação de solidariedade internacional chamada assim em homenagem a uma menina palestina morta de pneumonia em um casebre. Desde então, a marca em favor dos mais fracos para Gauthier é ainda mais radical. É desses anos é a sua frequentação com o filósofo da libertação Enrique Dussel, mas também o seu distanciamento, em 1967, do drama da Guerra dos Seis Dias.
"Desde que eu vi as crianças morrendo debaixo das bombas, nenhuma pedra para mim tem mais importância: nem a do Santo Sepulcro, nem a do Muro das Lamentações, nem a de todas as mesquitas. Importa apenas o imenso sofrimento dos pequenos da terra, sejam eles judeus, muçulmanos, cristãos, budistas ou comunistas, negros ou brancos ou amarelos. Todos aqueles por quem Cristo morreu."
Uma reviravolta que o levou primeiro a emigrar para o Líbano e depois para a América Latina, para se gastar ainda mais em favor dos últimos e dos mais deserdados. Um impulso tão radical que levou Gauthier a tomar distância da "Igreja Católica oficial" e a deixar o sacerdócio.
Também foi igualmente forte a decisão de se casar com o seu histórico braço direito desde os tempos do seu apostolado na Palestina, Marie Thérèse Lacaze, para poder assim adotar e dar um teto e uma família a dois pequenos órfãos, conhecidos em uma viagem para a Índia. A opção preferencial pelos pobres continua sendo sempre a estrela-guia da sua vida. É memorável a sua peregrinação, no fim dos anos 1970, a Abruzzo, ao túmulo de Ignazio Silone e a sua admiração pelo escritor de L’avventura di un povero cristiano.
Certamente singular dessa complexa personalidade é, segundo o testemunho de um amigo íntimo seu, Pasquale Iannamorelli, a sua devoção a Celestino V, o papa da "grande recusa", capaz de ser uma síntese saudável, sob "a insígnia da pobreza evangélica", entre "o monaquismo beneditino e o franciscanismo".
Já prejudicado pelas doenças da idade e da doença, morreu no dia 25 de dezembro de 2002, no dia de Natal, aos 88 anos, em um pequeno apartamento de Marselha, permanecendo fiel a si mesmo e ao estilo de vida que havia decidido levar por toda a sua longa existência.
A 100 anos do seu nascimento, talvez continuem atuais hoje algumas de suas palavras proferidas pouco antes de morrer: "Quero chegar ao último dia da minha vida com a alegria do testemunho e poder dizer: vivi, falei e salvei a minha alma".
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Paul Gauthier (1914-2002), o padre operário conciliar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU