Por: André | 10 Julho 2014
“O Espírito Santo, em tempo oportuno, nos deu o Concílio Vaticano II; é hora de vivê-lo. O Papa Francisco disse-o com clareza, não podemos esperar mais tempo, devemos nos comprometer com esta tarefa, e a maneira de fazê-lo está claramente indicada no Documento de Aparecida e na Evangelii Gaudium.” A reflexão é de Carlos Aguiar Retes, arcebispo de Tlalnepantla, México, e presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM).
A entrevista é de Susana Nuin Núñez e publicada no sítio Noticelam, 12-06-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
A Presidência do CELAM visita com frequência a cúria romana. Qual é o objetivo da visita? E quais foram alguns dos frutos destes encontros entre o CELAM e os dicastérios? Ou trata-se de reuniões de ordinária administração?
O Conselho da Presidência do CELAM, há vários quadriênios, visita a cúria romana e tem um encontro com o Papa. O CELAM é uma instância eclesial a serviço das 22 Conferências Episcopais da América Latina e Caribe. Muitos dos serviços que oferece às Conferências são realizados de maneira conjunta com dicastérios da Santa Sé, ou por recomendação dos mesmos. Esta convergência de serviços é fruto das conversas que a Presidência tem com os dicastérios.
Em nossa recente visita ao Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais tratamos com satisfação o programa conjunto que se desenvolveu, de Seminários para os Bispos neste campo da Comunicação. Na avaliação, viu-se ser conveniente realizar os restantes já programados e inclusive oferecer algo semelhante aos Seminários, onde se formam os futuros sacerdotes. Também informamos, tanto à Secretaria do Sínodo como ao Pontifício Conselho para a Família, sobre o projeto do Congresso Latino-Americano de Agentes de Pastoral Familiar, que se realizará no Panamá no mês de agosto próximo em preparação ao Sínodo da Família.
A visita tem seu ponto máximo no encontro do CELAM com o Papa. Poderia nos dizer nestes anos o que significaram para o CELAM estes encontros?
Efetivamente, o encontro com o Santo Padre foi o ápice das visitas. Com o Papa Bento XVI, em outubro de 2011, apresentamos a ele o projeto da tradução da Bíblia que intitulamos BIA (Bíblia da Igreja na América); foi de grande interesse para ele conhecer os critérios assumidos nesta tradução e saber que é um projeto conjunto com a Conferência Episcopal dos Estados Unidos. Nessa visita nos adiantou que faria, possivelmente, uma viagem ao México e Cuba, como de fato fez em março de 2012.
Em abril do ano passado, tivemos o encontro com o Papa Francisco apenas um mês e meio depois da sua eleição. Nesse encontro, confirmei-lhe que faríamos o nosso Encontro Anual da Coordenação Geral do CELAM no Rio de Janeiro por ocasião da Jornada Mundial da Juventude, e então, comentou que desejava encontrar-se conosco e dirigir-nos uma mensagem para orientar e animar os nossos trabalhos; foi o que aconteceu no dia 28 de julho do ano passado.
Além disso, esta foi a segunda visita que fazem ao Papa Francisco, um papa de origem latino-americana e que participou do CELAM. Sem dúvida, trata-se de um encontro especial. É interessante saber em profundidade o significado deste encontro, em suas várias dimensões. Poderia nos falar a respeito?
Neste último encontro que tivemos em 27 de maio passado, nos convidou para compartilhar a mesa. O tema espontâneo que surgiu foi a recente visita à Jordânia, Palestina e Israel onde se sentiu bem recebido e muito contente com a aceitação manifestada pelos presidentes de Israel e da Palestina para reunir-se com o Papa no Vaticano e rezar juntos pela paz; além de comentar sobre variados temas de interesse eclesial e social da América Latina e Caribe. Mas, os temas que concentraram mais a conversa foram o fenômeno da migração e suas dramáticas características que assumiu em nossos povos, e a necessidade de divulgar e aprofundar a recente Exortação Apostólica Evangelii Gaudium.
O Papa deu alguma palavra de ordem para este ano a partir da reunião que tiveram?
Fundamentalmente, continuar impulsionando a missão continental, à luz de Aparecida e da Evangelii Gaudium.
Como o Papa espera que o discurso que fez no Rio de Janeiro ao CELAM se concretize?
O Papa espera que impulsionemos a missão paradigmática, assim como a apresentou em seu discurso, ou seja, a renovação pastoral das dioceses e paróquias. Igualmente, enfrentar e superar as tentações assinaladas sobre a ideologização do Evangelho, o funcionalismo e o clericalismo; e caminhar à luz das pautas eclesiológicas do discipulado missionário, da Igreja como Misterium lunae e da revolução da ternura iniciada na Encarnação, promovendo as duas categorias da proximidade e do encontro.
A Igreja imagina, ou melhor dito, concebe que o CELAM tem por vocação a capacidade de acompanhar, articular, conter a diversidade da Igreja latino-americana, em diferentes dimensões e, em particular, na dimensão teológica, e ali estaria na realidade uma das novidades do CELAM, quando, em Aparecida, o CELAM caminhou em diálogo com a Amerindia com benefícios para todos. Como avançou esse diálogo neste quadriênio?
O CELAM é uma instância servidora das Conferências Episcopais e um dos aspectos que a caracterizou é a reflexão teológico-pastoral. Esta tarefa é desenvolvida especialmente pelo seu instituto, agora chamado de CEBITEPAL, com suas três escolas: a Bíblico-pastoral, a Teológico-pastoral e a Social. Também com a Equipe Teológico-Pastoral de especialistas do continente. Concretamente com o diálogo com a Amerindia houve contatos de diferente nível em alguns encontros, sejam promovidos pelo CELAM ou por eles.
O Papa Francisco conversou com Gustavo Gutiérrez em um encontro de alto significado; o CELAM está pensando algum espaço onde conversar com as diferentes expressões das teologias do continente?
Uma das recomendações, que há anos o CELAM recebeu, tanto da Santa Sé como das Conferências Episcopais e das Diretorias ao renovar os cargos, é acompanhar a reflexão teológica no continente. Por exemplo, sempre esteve presente na sua preparação e participação nos Congressos Latino-americanos sobre a Cultura e a Sabedoria Indígena.
A Teologia da Libertação nasce na América Latina, onde se desenvolve e se purifica no crisol da provação, mas hoje é forte na Europa, na Índia, na Ásia e na África. O CELAM pode valorizar o processo vivido e que se continuará vivendo da Teologia da Libertação e seu significado para a América Latina, já que está se desenvolvendo diariamente?
Graças a Deus e aos esforços de muitos teólogos, bispos, pastoralistas e diversos atores eclesiais que recolheram com fidelidade a Eclesiologia da Comunhão, proposta pelo Concílio Vaticano II, especialmente na Lumen Gentium, contribuiu enormemente para direcionar a Teologia da Libertação, surgida nos anos 70 e 80 do século passado. Tarefa assinalada em seu tempo pelo magistério pontifício de João Paulo II.
Nessa época houve uma corrente que se desenvolveu, colocando como base a análise sociológica marxista que levou a uma ideologização da mensagem evangélica. Foi o momento mais crítico da Teologia da Libertação. Atualmente, inclusive alguns expoentes, como Gustavo Gutiérrez, desenvolveram uma Teologia da Libertação com uma base bíblico-espiritual que, sem dúvida, ajudou muito nessa reorientação; e considero que, por isso, é, atualmente, uma contribuição para a vida eclesial.
Há expoentes da Teologia da Libertação que são anciãos e alguns já morreram. Na verdade, isto seria, por um lado, um indicador de algo sólido que no mundo atual oferece o peso da sabedoria dos anciãos e dos que a viveram até o compromisso dos seus últimos dias. Por sua vez, o desafio é que os jovens possam continuar com o aprofundamento que esta requer. Há em todo o continente gente que a pratica, que a leva às consequências da vida nas periferias, nos lugares mais castigados da sociedade e também na academia, no estudo. Estas pessoas que trabalham nessas frentes na Teologia da Libertação estão encontrando diálogo com o CELAM?
A Teologia da Libertação nasceu em consequência do desejo da aplicação do Concílio Vaticano II e da busca de respostas evangélicas para a superação das inquietações que, lamentavelmente, caracterizaram a nossa região. Nisto estamos muito comprometidos em todas as nossas atividades como CELAM.
Hoje, fala-se da Teologia da Libertação e da Teologia do Povo que foi a que se fundou na Argentina nos tempos do teólogo Lucio Gera e que acompanhou a pastoral do Papa Francisco; são duas dimensões teológicas que não se contrapõem, que encontram convergências e expressam a pluralidade teológica do continente... Considera que o CELAM está interessado em valorizar as especificidades destas correntes teológicas? O fato de poder reconhecê-las e valorizá-las em diálogo permanente dá ao CELAM uma maior profundidade em seu olhar teológico. Acredita que está dentro dos interesses da presidência do CELAM levar adiante instâncias de diálogo emancipador?
A sensibilidade e o compromisso que o Papa Francisco mostra com os pobres é, sem dúvida, fruto da experiência de reflexão e de ação que desenvolveu em muitos âmbitos da Igreja na América Latina. Como disse antes, o CELAM tem no CEBITEPAL e em seus projetos sempre esta preocupação. No espírito de todos os que colaboram no CELAM está manifesta a nossa vontade de impulsionar e aplicar o Documento de Aparecida e, agora, a Evangelii Gaudium, exortação que, com força e vigor, expressa a indispensável tarefa de promover a dimensão social da fé.
Quais são os grandes desafios do CELAM para os próximos anos estando em diálogo com um Papa Latino-Americano?
Corresponder à ação do Espírito Santo, que nos deu um papa latino-americano com o carisma e a qualidade próprios de um Homem de Deus que quer servir o Povo de Deus, apoiado em sua valiosa experiência da Igreja latino-americana. O Espírito Santo, em tempo oportuno, nos deu o Concílio Vaticano II; é hora de vivê-lo. O Papa Francisco disse-o com clareza, não podemos esperar mais tempo, devemos nos comprometer com esta tarefa, e a maneira de fazê-lo está claramente indicada no Documento de Aparecida e na Evangelii Gaudium.
Os diferentes movimentos econômico-culturais que atravessaram o continente nestas últimas décadas deixaram um forte acento individualista na sociedade e, sem dúvida, a Igreja não sai ilesa dessas ameaças culturais. Como o CELAM pode ter, hoje, a profecia que teve em décadas anteriores?
Este é, sem dúvida, o grande desafio diante do fenômeno da globalização, não perder a expressão comunitária da fé, e desenvolvê-la na família e nos diferentes âmbitos da vida: social, cultural, econômica, política e eclesial.
Uma última palavra sobre o balanço da visita a Roma do CELAM.
Voltamos de Roma fortalecidos espiritual e pastoralmente na comunhão com Pedro. Nossa convicção é seguir em frente com o Plano Global do quadriênio 2011-2015, que está animado pela segunda parte do tema de Aparecida: para que os nossos povos tenham vida n’Ele.
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“A Teologia da Libertação nasceu do desejo de aplicar o Concílio Vaticano II”, diz o presidente do CELAM - Instituto Humanitas Unisinos - IHU