28 Abril 2014
Depois de mais de um milênio, foi posto fim à monarquia pontifícia. A mensagem de Francisco é a recusa de aparecer como um chefe de Estado: a missão do papa não é de ordem temporal.
Publicamos aqui um trecho do livro de Vannino Chiti, intitulado Tra terra e cielo. Credenti e non credenti nella società globale (Giunti Editore, 192 páginas), nas livrarias a partir do dia 7 de maio.
Chiti é membro do Partido Democrático italiano, foi vice-presidente do Senado da Itália (2008-2013), ministro para as Relações com o Parlamento (2006-2008) e presidente da região da Toscana (1992-2000).
O texto foi publicado no jornal Europa, 25-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Nos últimos dois-três anos, houve acontecimentos de extraordinário relevo que constituem uma referência importante para o diálogo entre política e religião: certamente não podem deixar indiferente uma esquerda plural europeia.
Bento XVI renunciou: eram quase 600 anos que não se verificava um fato desses. A renúncia foi vivida pelos fiéis com preocupação e angústia: ao mesmo tempo como um sinal de grandeza na humildade. O reconhecimento da própria fraqueza por parte do papa teólogo, tão oposta à reação que João Paulo II teve diante da velhice e da doença, do mesmo modo encontrou a participação dos fiéis, o respeito mesmo daqueles que não tinham compartilhado as escolhas do seu magistério.
Na queda dos valores que parecem nos submergir, o gesto de Bento XVI pareceu cada vez mais como uma lição de vida e de fé.
O conclave deu à Igreja um papa que marcou uma reviravolta impressionante, reacendendo a esperança nos fiéis e afirmando-se no mundo como único líder moral, expressado por aquela mesma Igreja que parecia a muitos em crise irreversível.
A reviravolta já se anunciou no seu apresentar-se na Praça de São Pedro: o nome, inédito, Francisco, que já alude a um projeto; a ênfase do seu papel de pontífice da Igreja universal, como bispo de Roma; o seu recolhimento, com a cabeça inclinada diante do povo, ao qual pedira para rezar a Deus para que abençoasse o bispo antes da bênção do bispo aos fiéis.
Confirma-se a possibilidade de entendimentos – respeitosas às recíprocas autonomias – entre forças progressistas e Igreja. O diálogo diz respeito aos desafios abertos diante de nós: o futuro das nossas sociedades; a afirmação da dignidade de cada pessoa, não óbvia diante da revolução tecnológico-científica, da globalização, da vacilação da democracia ainda encerrada nas fronteiras dos Estados-nação; um desenvolvimento social e ambientalmente sustentável, sem o qual fraternidade e paz seriam uma ilusão.
Na definição da missão da Igreja, para o papa, está a distinção de papéis e a recíproca autonomia com a política: a esta última cabe a tarefa de contribuir para tornar a vida das sociedades cada vez mais humana, ancorando-a nos valores da solidariedade, da justiça, do direito e da paz.
A oposição à guerra, ao menos a partir dos papas que guiaram a Igreja no século XX, representa um aspecto constante. Nem sempre foi assim: durante muito tempo, a referência à possibilidade de uma guerra justa teve cidadania na Igreja. A entrada em cena da história do risco de uma catástrofe nuclear varreu toda ambiguidade.
Há uma continuidade no magistério dos últimos papas em condenar a guerra e invocar a paz: de João XXIII, com aquela extraordinária encíclica que foi a Pacem in terris, a Paulo VI, com a Populorum Progressio e com o grito, no discurso à ONU, "nunca mais, nunca mais a guerra!", de João Paulo II, com a sua tenaz, desesperada e infelizmente vã tentativa de impedir a intervenção militar no Iraque, à lição de Bento XVI, para afirmar a não violência entre os homens e com a Criação.
O que impressionou no papel do Papa Francisco contra uma intervenção militar exterior na Síria não foi, portanto, o "não" ao uso das armas, mas sim a força das suas palavras, a capacidade de congregar, em uma grande ação política, cristãos, crentes de outras religiões, não crentes. O povo da paz, desta vez, prevaleceu: não era óbvio.
Palavras, gestos, decisões do novo papa permitiram entrever um projeto de renovação da Igreja.
Depois de mais de um milênio, foi posto fim à monarquia pontifícia. A mensagem de Francisco é a recusa de aparecer como um chefe de Estado: a missão do papa não é de ordem temporal.
É preciso captar a configuração que guia este primeiro ano de pontificado: de um lado, a prioridade que a solidariedade deve voltar a representar; de outro, a escolha do diálogo com todos, não só com os fiéis, mas com os homens e as mulheres que vivem a difícil cotidianidade deste início de século.
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Com Francisco, acaba a monarquia pontifícia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU