Por: Jonas | 24 Abril 2014
Quais são as razões que impulsionaram o Papa Francisco a acolher o pedido da postulação da causa de João XXIII (foto), para chegar à proclamação de sua santidade sem passar pela verificação de um segundo milagre? A decisão do atual Pontífice foi amadurecendo desde os primeiros meses de seu Pontificado, pois, no dia 5 de julho de 2013, Francisco promulgou o decreto sobre o milagre pela intercessão do beato João e aprovou, ao mesmo tempo, os votos favoráveis expressos pela sessão ordinária dos cardeais e bispos da Congregação para as Causas dos Santos para a canonização “pro gratia” do beato João XXIII. Uma decisão que foi ratificada dois meses depois, no dia 30 de setembro, pelo Consistório.
Fonte: http://goo.gl/up33iy |
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 23-04-2014. A tradução é do Cepat.
Trata-se de um gesto muito significativo e de um procedimento excepcional, pois, como se sabe, a atual normativa canônica prevê que um beato possa ser inscrito na lista dos santos apenas após a aprovação de um milagre atribuído a sua intercessão e que se tenha realizado depois de sua beatificação. No entanto, não é uma novidade sem precedentes, dado que João Paulo II, em 2000, dispensou do segundo milagre os mártires chineses Agustín Zhao Rong e a seus 19 companheiros, proclamando-lhes santos.
Entre as razões que levaram Wojtyla a tomar esta decisão, destacaram-se a enorme fama dos sinais e milagres a eles atribuídos, após a beatificação, e a influência particular que sua memória exercia (e exerce) na perseverança da fé em contextos difíceis.
Os motivos que levaram a Bergoglio a dar o mesmo passo, em relação a João XXIII, encontram-se claramente expostos no livro de Stefania Falasca: “João XXIII, em uma carícia a revolução” (Rizzoli, 206 págs.), que foi citado ontem pelo postulador da causa como fonte indispensável para compreender a canonização do próximo domingo.
“Uma canonização ‘pro gratia’ não representa – escreve Falasca – nem um atalho, nem uma simplificação, nem uma decisão arbitrária”. Para poder proceder com a canonização sem um milagre formalmente reconhecido, “Bergoglio recebeu favoravelmente e fez suas as motivações apresentadas pela Congregação para as Causas dos Santos, a empenhos do postulador da causa de João XXIII”. Nesta súplica, reproduzida na “Positio super canonizatione”, lê-se: “A postulação pede humildemente e com confiança a Sua Santidade a canonização deste Sumo Pontífice, que com sua vida e seu exemplo marcou, de forma indelével, a história da Igreja”.
Os motivos. Primeiro: “O percurso normal da causa até a beatificação (aprovação dos escritos, meticulosa reconstrução da vida, decretos sobre as virtudes e sobre o milagre)”. Segundo: “A excepcional difusão do culto litúrgico (concedido pela Santa Sé a diferentes dioceses do mundo) e a fama “sanctitatis et signorum” que acompanha no povo de Deus a memória de João XXIII”. Terceiro: “A solicitação dos padres do Concílio Vaticano II, que, imediatamente após a morte do Papa, desejaram sua imediata canonização como ato do próprio Concílio”. Quarto: “A indiscutível atualidade da figura e da obra de João XXIII”.
“As principais razões da petição – escreve Falasca – são, pois, duas. A primeira é a excepcional difusão do culto litúrgico já dedicado ao beato, que a Santa Sé concedeu a diferentes dioceses do mundo e que, portanto, configurou a memória litúrgica de João XXIII como a de um santo canonizado. A este culto se soma, além disso, uma fama dos sinais e milagres que acompanha no povo de Deus a memória do beato, tanto que a partir do dia de sua beatificação a postulação pôde reunir numerosos casos de todo o mundo sobre graças e favores obtidos por intercessão do beato, muitas vezes acompanhadas de documentação médica”.
A segunda razão importante foi expressa na petição de um grupo de padres do Concílio Vaticano II, que, após a morte de Roncalli, pediram sua imediata canonização como ato do próprio Concílio. “Um pedido compartilhado por muitos outros padres conciliares e por multidões de fiéis, que desde então pediam para não se exigir os milagres rituais necessários para proclamar santo João XXIII. Nenhum dos candidatos à canonização – conclui Falasca – conta com uma excepcionalidade semelhante”.
Na “Positio” não faltam alusões à oportunidade pastoral da canonização, que “poderia contribuir para reforçar os vínculos do povo cristão com a Sé Apostólica, ao contemplar como o Senhor escolheu, mais uma vez, um homem santo; poderia contribuir para consolidar a vertente das relações ecumênicas com as Igrejas protestantes e com a Igreja ortodoxa, além de desenvolver ainda mais o diálogo com as demais religiões [...] poderia sublinhar com maior ênfase a mensagem da misericórdia, da ternura e da bondade evangélicas, aludindo à doçura do perdão cristão e ao abandono confiado à vontade do Pai celeste; seria outro sinal da atenção da Igreja pela fraternidade entre os povos, em um ardente anseio de paz entre as nações, de solução não-violenta dos conflitos, de uma maior distribuição e mais justa dos bens da terra [...] Favoreceria um discurso mais equânime sobre as formas de religiosidade popular, as quais o beato (João XXIII) se aproximou e das quais abeberou constantemente”.
Deve-se, além disso, considerar que no expediente para a canonização que os teólogos, bispos e cardeais da Congregação para as Causas dos Santos examinaram, em julho de 2013, há ao redor de 20 casos de curas consideradas particularmente interessantes. Em 2010, por exemplo, registrou-se o caso do reitor pároco da Saint Paul Cathedral de Pittsburgh, Pensilvânia, que atribui à intercessão do beato a cura do câncer de pâncreas que lhe haviam diagnosticado em 2006. Em 2007, também chegou à postulação a documentação do diácono Arthur C. Donart, de Chicago, que aponta a cura de uma “síndrome mieloblástica inicial com anemia refratária”. No dia 3 de agosto de 2008, um ancião de Sète, França, contou que se curou instantaneamente de sua cegueira. Em 2007, a família Morocho Sánchez, de Lima, Peru, enviou à postulação a documentação sobre uma cura de “linfoma não Hodgkin de quarto grau”.
Claro, nenhum destes casos foi verificado por meio do recurso canônico. Contudo, o elevado número de “constatadas curas”, de graças e favores obtidos pela intercessão do Papa João, após sua beatificação, tem em comum um valor significativo e atestam a contínua difusão da fama de sua santidade. Uma característica que, desde sempre, a Igreja considera necessária para elevar uma pessoa aos altares.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Por que Francisco canoniza João XXIII? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU