20 Abril 2014
A festa da eterna alegria é preparada pela plenitude da de Deus e pelo júbilo de todas as criaturas. O riso do universo é o êxtase de Deus.
A reflexão é do teólogo alemão Jürgen Moltmann, professor emérito da Universidade de Tübingen, em artigo publicado no blog Teologi@Internet, da Editora Queriniana, 16-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A ressurreição de Cristo é vitória sobre o poder da morte e aparição da vida eterna, de uma vida que nunca passará. A primeira reação por parte dos homens é a da alegria espontânea que irrompe na manhã de Páscoa, quando essa vida divina se descerra e dela se participa. É aquilo que a Bíblia chama de cháris. A vida comunicada, divina também é vida eterna, vida de participação no viver divino, mas não só vida no além do "pós-morte", mas desde agora despertar, renascimento, vida vivida sobre esta terra, com energias novas.
A cháris se comunica em inúmeros charísmata, que não são apenas "dons" de graça, mas novas energias vitais. Seria unilateral demais entender essa cháris em termos puramente jurídicos, como a graça que é concedida ao pecador. Cháris vida é que se recebe da plenitude de Deus e que se expressa em uma vitalidade nova e na alegria irrefreável. À cháris se reage com a chára, justamente a alegria. E essa alegria é aquela que também se diz "fé verdadeira".
Para as criaturas humanas que querem viver, mas são forçadas a morrer, tudo gira em torno da morte. E. se a morte tivesse que representar o fim, toda a alegria de viver estaria destinada a desaparecer, assim como desaparece a nossa vida sobre a terra. Mas, se a vida vem da plenitude de Deus, ela será vida divina, que se manifestará em nós na vida como ressuscitados. Precisamente por isso, desde o início, para a cristandade, a ressurreição de Cristo significava plenitude de Deus, e aquela alegria que nós chamamos de "fé" se traduzia no júbilo pascal.
"Dia de ressurreição. Tornamo-nos também nós luz nesta festa. E nos abraçamos. Nós que nos odiamos recomeçamos a nos falar. É a ressurreição, perdoemo-nos tudo e gritemos: Cristo ressuscitou dentre os mortos" (Liturgia pascal ortodoxa).
Na alegria que essa plenitude de Deus nos infunde, da qual obtemos não apenas "graça sobre graça", mas também – como agora podemos dizer – "vida sobre vida", desde agora a nossa existência é "transfigurada" em uma vida festiva. E a alegria traz nela música e fantasia, em que não se trata apenas de viver a vida, mas também de organizá-la e exibi-la.
É uma vida não apenas restabelecida [her-gestellt], mas também representada [dar-gestellt]: diante de Deus e diante dos homens, e que se traduz ela mesma em um hino de louvor. Nos mesmos sofrimentos e angústias pelos quais ela é disseminada, a comunhão com Cristo crucificado faz jorrar centelhas de confiança e acende luzes de esperança.
E os fiéis podem reter para si essa alegria. em um mundo hostil a eles e hostil à própria vida? Não! A transfiguração da vida, como eles a experimentaram na alegria pascal, representa para eles apenas um pequeno começo da transfiguração do cosmos inteiro. O Cristo ressuscitado não vem apenas para os mortos, para lhes despertar e comunicar-lhes a sua vida eterna, mas também atrai todas as coisas ao seu futuro, para renová-las e torná-las partícipes da eterna alegria de Deus:
"Mediante a tua ressurreição, ó Senhor, o universo se ilumina... E toda a criação te louva, dia após dia a ti eleva o seu hino" (Liturgia pascal ortodoxa).
A alegria que brota da ressurreição de Cristo escancara sobre a redenção do cosmos as suas perspectivas cósmicas e escatológicas. Por que uma redenção? Na festa da alegria eterna, todas as criaturas e toda a comunidade criatural devem cantar os seus hinos e os seus louvores. E não entendamos isso somente em termos meramente antropomórficos: os hinos e os louvores que as criaturas humanas elevam a Deus pelo Cristo ressuscitado são, quão elas bem reconhecem, somente um fraco eco da liturgia cósmica, dos cânticos celestes e da alegria de viver que sobe de todos os outros seres vivos.
A festa da eterna alegria é preparada pela plenitude da de Deus e pelo júbilo de todas as criaturas. Não percebemos em profundidade tal plenitude quando nos limitamos a falar do ser e querer de Deus. Seria melhor, embora admitindo todos os limites que essa metáfora implica, falar de uma fantasia de Deus, a da sua imaginação criativa da qual tem origem a vida em toda a sua pitoresca variedade.
Uma criação que, como se viu, conhece uma transfiguração e glorificação próprias não pode ser simplesmente efeito de um querer de Deus e nem mesmo apenas um resultado do seu modo de se realizar, mas é como que um grandioso cântico, ou uma poderosa poesia, ou uma maravilhosa dança da sua fantasia, em que se expressa a sua vontade de comunicar a divina plenitude. O riso do universo é o êxtase de Deus.
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A festa da alegria eterna. Artigo de Jürgen Moltmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU