17 Março 2014
Na web, entendida como lugar antropológico, não há "profundidade" a explorar, mas sim "nós" a navegar e conectar entre si de maneira compacta. O que parece ser "superficial" é somente o proceder de modo talvez inesperado e não previsto de um nó a outro. A espiritualidade do homem contemporâneo é muito sensível a essas experiências.
A opinião é do jesuíta italiano Antonio Spadaro, diretor da revista La Civiltà Cattolica, em artigo publicado no jornal Europa, 12-03-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Spadaro pergunta: "Qual será, portanto, a espiritualidade dos bárbaros, a espiritualidade daqueles nativos digitais cujo modus cogitandi está em fase de "mutação" por causa do seu habitar no ambiente digital?"
Eis o texto.
Recordo um fato curioso, em certos aspectos: aquela espécie de canonização de Steve Jobs a que assistimos na sua morte. Antigamente nunca se imaginaria poder assistir à canonização em massa do CEO de uma empresa que produz máquinas. Se isso aconteceu, é porque essas "máquinas" estão assumindo cada vez mais um valor que toca as dimensões mais elevadas do homem: pensar, expressar-se, comunicar, entender o mundo.
Gostaria de retomar as palavras que, em 1964, Paulo VI proferiu dirigindo-se ao Centro de Automação do Aloisianum de Gallarate, dirigido pelos jesuítas. O Centro estava elaborando a análise eletrônica da Summa Theologica de São Tomás e do texto bíblico. São palavras de uma beleza desconcertante, a meu ver: "O que a nós é suficiente, para captar o íntimo significado desta audiência, é notar [...] como o cérebro mecânico vem em auxílio do cérebro espiritual; e quanto mais este se expressa na sua linguagem própria, que é o pensamento, aquele parece gozar do fato de estar à sua dependência". E Paulo VI continuava: "Não é esse esforço de infundir em instrumentos mecânicos o reflexo de funções espirituais, que é enobrecido e elevado a um serviço, que toca o sagrado? É o espírito que é feito prisioneiro da matéria, ou não é talvez a matéria, já domada e obrigada a executar leis do espírito, que oferece ao próprio espírito um sublime obséquio?".
Paulo VI afirma, portanto, que o "cérebro mecânico vem em auxílio do cérebro espiritual". Ele acrescenta que o homem faz um "esforço de infundir em instrumentos mecânicos o reflexo de funções espirituais". E continua afirmando que, graças à tecnologia, a matéria oferece "ao próprio espírito um sublime obséquio".
A tecnologia se torna um dos modos ordinários que o homem tem à disposição para expressar a sua espiritualidade. Se usadas sabiamente, portanto, as novas tecnologias "podem contribuir para satisfazer o desejo de sentido, de verdade e de unidade que continua sendo a aspiração mais profunda do ser humano" (Bento XVI). "Agindo na vida das pessoas, os processos midiáticos tornados possíveis por essas tecnologias chegam a transformar a própria realidade. Intervêm de modo incisivo na experiência das pessoas e permitem um alargamento das potencialidades humanas. Da influência que eles exercem depende a percepção de nós mesmos, dos outros e do mundo" (Instrumentum laboris do Sínodo sobre a Nova Evangelização, n. 60).
Aqui gostaria de me deter sobre dois pontos para mim particularmente significativos: a pesquisa motorizada e a interatividade. Michael Fuller, teólogo e químico orgânico, autor de Atoms and Icons, escreveu que os teólogos podem utilmente olhar para as evoluções científicas e tecnológicas para entender quais metáforas e analogias podem alimentar o pensamento teológico.
E eu gostaria de partir da tecnologia da bússola. Era uma vez a bússola. A bússola indica o norte. Se a bússola não indica o norte é porque ela não funciona e certamente não porque o norte não existe. E a bússola era uma boa metáfora tecnológica para o sentido da vida.
Assim, uma vez, o homem era solidamente atraído pelo religioso como por uma fonte de sentido fundamental. Como a agulha de uma bússola, ele sabia que era radicalmente atraído para uma direção precisa, única e natural: o norte.
Depois, especialmente com a Segunda Guerra Mundial, o homem começou a usar o radar, que serve para detectar e determinar a posição de objetos fixos ou móveis. O radar vai em busca do seu alvo e implica uma abertura indiscriminada também ao sinal mais fraco, não a indicação de uma direção precisa. E assim o homem também começou a ir em busca de um sentido para a vida e também de um Deus capaz de algum sinal de reconhecimento, capaz de fazer ouvir a sua voz. A expressão dessa lógica é a pergunta: "Deus, onde estás?".
Daí também a expectativa de Godot, de Samuel Beckett, e tantas páginas da grande literatura do século XX, por exemplo. O homem era entendido como um "ouvinte da palavra" – para usar uma célebre expressão do teólogo Karl Rahner, que implicitamente deu forma teológica à metáfora tecnológica do radar – em busca de uma mensagem da qual ele sentiu a necessidade profunda. E hoje? Essa imagem ainda vale? O homem ainda é ouvinte da palavra?
Na realidade, embora sempre viva e verdadeira, para os jovens, essa imagem se sustenta menos. Hoje, está mais presente a imagem do homem perdido se o seu celular não tem rede. Se, uma vez, o radar estava em busca de um sinal, hoje, ao invés, nós estamos buscando um canal de acesso através do qual os dados possam passar.
O homem, hoje, mais do que buscar sinais, se habituou a buscar estar sempre na possibilidade de recebê-los sem, porém, necessariamente buscá-los. A extrema consequência é a lógica introduzida pelo sistema push: quando um dado está disponível (um e-mail, por exemplo), eu o recebo automaticamente, porque tenho aberto um canal de recepção. O homem, de bússola antes e radar depois, está se transformando, portanto, em um decoder, ou seja, um sistema de acesso e de decodificação das perguntas com base em múltiplas respostas que o alcançam, sem que ele se preocupe em buscá-las. Vivemos bombardeados pelas mensagens, sofremos uma sobrecarga de informação, a chamada information overload. O problema não é encontrar a mensagem de sentido, mas sim decodificá-la, reconhecê-la na base das múltiplas respostas que eu recebo.
Antes vêm as respostas, e é a partir delas que o homem é chamado a reconhecer as suas perguntas mais radicais e autênticas. Então, hoje é importante não tanto dar respostas: todos dão respostas! "The teacher doesn’t need to give any answer because answers are everywhere" (Sugata Mitra, professor de Educational Technology da Newcastle University). Hoje, é importante reconhecer as perguntas importantes, as fundamentais.
De todo o lifestreaming da rede deixa rastros. Como todos bem sabemos, de fato, a rede já tem traços e memória de nós: as fotos marcadas, geolocalizadas, colocadas no momento exato em que foram compartilhadas são o álbum fotográfico “live” da nossa vida; os nossos tuítes ou os update do status no Facebook e os posts dos nossos blogs conservam os nossos pensamentos, mas também os nossos estados emotivos; as livrarias online e as outras lojas mantêm rastros dos nossos gostos, das nossas escolhas, das nossas compras e às vezes também comentários; os vídeos no YouTube constroem por fragmentos o filme da nossa vida feito dos nossos vídeos e daqueles que nos agradam. De fato, o streaming da nossa vida não é feito apenas do que inserimos na rede, mas também do que "gostamos", do que nos agrada, e que assinalamos aos outros também graças ao botão like aos nossos followers e aos nossos friends.
A experiência compartilhada nas redes sociais digitais é o oposto do que acontecia nos tempos de Robert Musil, quando escrevia: "A probabilidade de ficar sabendo por meio de um jornal sobre um fato extraordinário é muito maior do que a de vivê-la pessoalmente". Hoje, ao invés, as redes sociais digitais oferecem a oportunidade de tornar mais significativa a experiência vivida subjetivamente justamente graças à publicação e ao compartilhamento em uma rede de relacionamentos. As notícias dos jornais não estão relacionados comigo e, portanto, em certo sentido, acabam sendo percebidas como menos "extraordinárias", ou mesmo como menos interessantes.
A rede é uma oportunidade, porque narrar, em todo caso, é restituir os sujeitos do conhecimento à densidade simbólica e experiencial do mundo. E hoje é muito alimentada a necessidade de narração dentro de vínculos e relações. A narração de rede pode ser, sim, individualista e autorreferencial, mas também pode ser polifônica e aberta.
É interessante, a esse propósito, a possibilidade de agregar materiais compartilhados nas diferentes redes sociais digitais em uma plataforma como o Storify, que permite a interconexão com o Twitter, Facebook, Flickr, YouTube... e as abre ao compartilhamento. Na base, está a consciência de que cada um de nós é um living link. A interatividade é a figura radical desse lifestreaming.
Então, qual é o grande desafio? Eu o dizia antes: encontrar "um centro de gravidade permanente que não me faça nunca mudar de ideia sobre as coisas, sobre as pessoas", cantava Franco Battiato no distante 1982. Um grande desafio diz respeito à experiência da interioridade que o homem de hoje, especialmente se jovem, é capaz de fazer.
O homem que tem um certo hábito à experiência da internet parece mais pronto para a interação do que para a internalização. E, geralmente, "interioridade" é sinônimo de profundidade, enquanto "interatividade" é muitas vezes sinônimo de superficialidade. Estaremos condenados à superficialidade? É possível conjugar profundidade e interatividade? O desafio é de grande porte. Certamente, é preciso salvaguardar espaços que permitam que a interioridade se desenvolva sem interferências ou "ruídos" que distraiam o homem das suas perguntas radicais e da sua necessidade de silêncio e meditação. No entanto, podemos constatar que o homem de hoje, acostumado à interatividade, interioriza as experiências se for capaz de tecer com elas uma relação viva e não puramente passiva, receptiva. O homem de hoje considera válidas as experiências nas quais é exigida a sua "participação" e o seu envolvimento. Em geral, se o objeto de conhecimento não é traduzido em experiência de ação por parte do sujeito cognoscente, ele lhe permanece alheio, não significativo; torna-se banal.
Giambattista Vico tinha razão quando formulava a diretriz da "ciência nova": verum ipsum factum, "a verdade está no fazer o mesmo". Só é possível realmente conhecer um objeto por parte daqueles que contribuíram a construí-lo, para fazê-lo e nele reconheçam os efeitos e as marcas da sua própria ação.
Na web, entendida como lugar antropológico, não há "profundidade" a explorar, mas sim "nós" a navegar e conectar entre si de maneira compacta. O que parece ser "superficial" é somente o proceder de modo talvez inesperado e não previsto de um nó a outro. A espiritualidade do homem contemporâneo é muito sensível a essas experiências.
Alessandro Baricco descreveu essa mutação em curso na cultura do mundo ocidental em um livro de título significativo: I barbari. À imagem romântica do homem culto, debruçado sobre o livro na penumbra de um salão com as janelas fechadas, substitui-se a do surfista que patina sobre a superfície da água, em busca do sentido lá onde ele está vivo na superfície. Portanto: "A superfície no lugar da profundidade, a velocidade no lugar da reflexão, as sequências no lugar da análise, o surfe no lugar do aprofundamento, a comunicação no lugar da expressão, o multitasking no lugar da especialização".
Qual será, portanto, a espiritualidade dos bárbaros, a espiritualidade daqueles nativos digitais cujo modus cogitandi está em fase de "mutação" por causa do seu habitar no ambiente digital? Italo Calvino, em um livro intitulado Cibernetica e fantasmi, observava que o pensamento "até ontem nos parecia ser como algo de fluido, evocava em nós imagens lineares como um rio que corre ou um fio que se desenrola, ou imagens gasosas, como uma espécie de nuvem, tanto que muitas vezes era chamado de 'o espírito'". Assim, para Calvino, hoje, os cérebros eletrônicos já são capazes de "fornecer um modelo teórico convincente para os processos mais complexos da nossa memória, das nossas associações mentais, da nossa imaginação, da nossa consciência".
Calvino tem razão? A sua tese é sensata? Poder-se-ia discutir a respeito, talvez também à luz daquela que Ramon Llull chamava de ars magna e que depois Leibniz chamou de ars combinatoria. No entanto, o que distingue o homem da máquina ordenadora (ordinateur) é justamente a desordem. O que a máquina não produz é desordem. A máquina ordena. Portanto, devemos não lamentar demais da desordem, porque aqui está a exceção lógica do homem sobre a máquina. Ao contrário: o nativo digital espiritual talvez seja justamente uma espécie de hacker, aquele que vive a espiritualidade como hacking interior, isto é, como algo que rompe o sistema e que muda as suas regras, suas visões habituais, suas lógicas.
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Teologia hi-tech. Artigo de Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU