03 Março 2014
Três padres e um outro que já não mais exerce o sacerdócio – cujas acusações de má conduta feitas contra o cardeal e então arcebispo Keith O’Brien (da arquidiocese de Santo Andrews e Edimburgo, na Escócia) o levaram à renúncia um ano atrás – apelaram diretamente ao Papa Francisco por um encontro numa tentativa desesperada por justiça.
A informação é publicada pelo jornal inglês The Observer, 01-03-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Descrevendo a Igreja como uma “máquina formidável” que bloqueia qualquer investigação, um deles disse ao jornal The Observer: “O abuso que sofremos nas mãos de Keith O’Brien é ofuscado pelo abuso sistemático que recebemos de funcionários da Igreja. Eles passaram a culpa adiante, interpretaram erroneamente a verdade, engajaram-se no acobertamento dos fatos e, depois de ter pedido por nossa confiança e cooperação, procrastinaram-se descaradamente e se esconderam atrás de uma aparência de diplomacia e de charme. Quero perguntar ao papa se ele poderá resolver esta questão”.
Desde novembro negociações secretas vêm ocorrendo entre os acusadores e o sucessor do cardeal, Dom Leo Cushley. Dom Leo insiste no fato de que somente Roma pode iniciar uma investigação sobre o comportamento sexual de O’Brien. No entanto, concordou em realizar uma investigação relativa às transações financeiras de seu antecessor. Num email enviado no dezembro aos envolvidos no caso, Philip Kerr, vigário geral do atual arcebispo, confirmou: “Os auditores arquidiocesanos foram convidados a analisar as movimentações financeiras que Keith O’Brien realizou pessoalmente”.
Lenny, ex-padre que rejeitou as investidas de O’Brien num seminário, diz que a diocese é uma instituição de caridade e que teria contatado seu administrador caso Cushley tivesse se recusado a realizar a auditoria.
“Na prática, Keith O’Brien era o presidente em exercício de uma instituição que lidava com milhões de dólares. Queremos ter certeza de que esta instituição não é totalmente corrupta”.
O grupo sabe que o cardeal deu para um padre, amigo seu, um jet ski de aniversário. “Jet skis custam milhares de dólares. Como pode um arcebispo ter dinheiro para pagar um jet ski a um amigo? Os católicos não deveriam dar mais nenhuma moeda até o momento em que souberem que a Igreja está empregando as doações em algo decente”.
Os queixosos apresentaram um documento formal durante um encontro com Cushley, na cidade de Edimburgo, em novembro passado, ocasião em que lembraram da necessidade de se ter uma investigação formal e propuseram uma série de iniciativas. Estas incluíam um pedido público de desculpas para as “vítimas de O’Brien e a todos aqueles que sofreram abusos na Igreja”, mas também uma investigação sobre a governança na arquidiocese.
O mais prejudicial para a Igreja foi um pedido para se analisar o possível abuso sacramental feito por O’Brien. Os acusadores perguntaram se o cardeal teria buscado absolvição via confissão de alguém contra o qual tivesse cometido pecado sexual. Este delito é considerado tão grave que a pena é excomunhão automática. Do ponto de vista da Igreja, qualquer sacramento que o cardeal tivesse administrado após isso seria considerado ilícito.
Cushley, um ex-diplomata do Vaticano, insistiu dizendo que não pode agir de forma independente, mas que repassaria os pedidos ao Vaticano. Ele ofereceu um pedido privado de desculpas aos acusadores pelo sofrimento causado, mas disse que um pedido público exige a aprovação de Roma. Um porta-voz do arcebispo falou que “Dom Cushley ouviu as partes envolvidas e que transmitirá toda e qualquer informação à Santa Sé. Qualquer decisão sobre novas ações estará a cargo da Santa Sé, visto que a jurisdição da matéria recai sobre o papa”.
Para os quatro homens envolvidos, o último ano foi traumático. Foram acusados de estarem buscando vingança, enquanto Dom Stephen Robson, amigo próximo de O’Brien, pediu publicamente perdão ao cardeal. Para os envolvidos, tais ações são apenas outros mecanismos da Igreja para silenciá-los. “A negação é grande”, disse um deles. “Eles estão tão carentes de compaixão. Por que todo este tempo de espera?”
O Vaticano ordenou O’Brien a empreender um período não especificado de “oração e penitência”. Entretanto, nos últimos meses ele enviou alguns cartões postais com uma foto sua fazendo uso, ainda, de vestes vermelhas, específicas dos cardeais. Trata-se, dizem os quatro acusadores, de um sinal duplo: mostra sua incapacidade de se confrontar com suas ações, e a incapacidade da Igreja em ligar com ele. “Keith era alguém com fome de poder”, afirmaram. “Agora ele é um leão ferido, mas eu ainda gostaria de ver removerem seus dentes e garras. Isso quer dizer: remover seu solidéu”.
Lenny falou que o ano passado lhe custou muito em termos “físicos e emocionais”. Ver a elevação de O’Brien fez com que se decidisse deixar o sacerdócio, o que lhe custou também sua vocação e lhe rendeu uma crise de fé. Hoje ele se encontra casado.
Mas o fato de ele se manifestar sobre o assunto trouxe um efeito positivo. “Esta foi a decisão mais autêntica que fiz em minha vida e eu sei que minha motivação não foi de ódio. Senti a presença de Deus ao longo do ano passado que há muito eu não sentia. Senti um pouco de sua presença orientadora”.
Na semana passada Dom Cushley viajou a Roma, garantindo aos quatros envolvidos que seus pedidos seriam entregues pessoalmente. No entanto, deu a entender que a justiça teria melhores chances de ocorrer se “o debate público sobre o caso fosse evitado”.
“Eles sempre exigem silêncio”, diz Lenny, “o que é irônico, dado que a Igreja vem dando voltas durante o ano todo e não fala nada”.
Num email enviado a Lenny, o arcebispo escreveu: “Por favor, tenha certeza de que transmitirei seu pedido por uma audiência com o Santo Padre e com o secretário de Estado. Tal como acontece com todos os pedidos deste tipo, advirto-o para não ter grandes expectativas. Mas nunca se sabe o que pode acontecer”.
Lenny disse: “Se até mesmo o Papa Francisco não falar às vítimas de abuso por causa que o abusador é um cardeal, isso será decepcionante – e muito revelador”.
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Acusadores do cardeal Keith O’Brien apelam ao Papa Francisco por justiça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU