02 Dezembro 2013
As homilias, na liturgia católica, são uma explicação, um comentário às passagens das Sagradas Escrituras. O pregador se dirige aos fiéis durante a celebração da missa. Elas podem ser consideradas como um ponto de contato, talvez um abraço ideal, entre quem exerce o sacrifício ou celebra o ofício e o povo através das palavras da Revelação. Elas têm uma história mais do que milenar e, depois do século VII, quando a maioria da população no Ocidente não compreendia mais o latim, começaram a ser proferidas no vernáculo.
A reportagem é de Armando Torno, publicada no jornal Corriere della Sera, 30-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No início do século IX, a Igreja carolíngia recomendava que os bispos traduzissem em linguagem compreensível a todos as admoestações e as instruções necessárias para professar a fé. Na época de Dante – que chicoteou no canto XX do Paraíso os pregadores "cheios de vento" –, elas já eram um gênero literário, como provam os cerca de 200 textos de Giordano da Pisa ou dos dois dominicanos Jacopo Passavanti e Domenico Cavalca.
Tomás de Aquino deixa algumas regras no seu Comentário a Mateus: "Os pregadores devem iluminar a respeito do que se deve crer, dirigir o agir, indicar o que se deve evitar e, ora ameaçando, ora exortando, pregar aos homens". Sim, praedicare: o verbo se rege no dicare, anunciar mais do que proferir.
Esses valores semânticos, não simples detalhes de um repertório retórico, constituíram matéria para diversas considerações no Concílio de Trento, durante os trabalhos da célebre cúpula do século XVI que dedicou ao gênero muitas reflexões. Havia uma (Sessão V, cânone 2), entre tantas, que convidava os pregadores, com relação aos fiéis, a "anunciar-lhes os vícios que devem evitar e as virtudes que devem praticar".
E hoje como são as homilias ou pregações? Ainda conseguem tornar concreto o anúncio do Evangelho? Antes de responder a tais perguntas, convém abrir o último livro de Vincenzo Paglia, presidente do Pontifício Conselho para a Família, por muitos anos ativo na Comunidade de Santo Egídio em Roma: La Parola di Dio ogni giorno - 2014 (Francesco Mondadori Editore, 608 páginas).
Sem se deter com lamentos na "crise da pregação", um tema caro a alguns nostálgicos dos quaresmais veementes, o autor oferece um exemplo prático de como é possível reencontrar uma harmonia da comunicação das Escrituras. A homilia hoje não deve ser uma lição de teologia, nem um discurso político, muito menos uma lista de coisas lícitas ou desaconselháveis: na concepção de Dom Vincenzo, pode até ser isso, mas, acima de tudo, deve mudar os ânimos, não simplesmente surpreendê-los.
Parece paradoxal, mas cada homilia meditada conserva um fragmento de Revelação. E isso sabe falar. Karl Barth, se bem me lembro, a considerava semelhante a um artigo de jornal que nasce da Escritura e informa a alma sobre o que está acontecendo no âmbito das crônicas que lhe dizem respeito.
Paglia coloca esse livro no rastro do Ano da Fé, aberto pelo Papa Bento XVI e concluído pelo atual pontífice com uma mensagem densa de reflexões sobre a nova evangelização. Francisco, na recentíssima exortação Evangelii Gaudium, coloca justamente no coração da evangelização a importância da homilia. O Vaticano II já a definia como "parte da ação litúrgica", e o autor lembra o seu desejo de "ajudar as palavras do Evangelho a chegar até o limiar do nosso coração, para que possamos, depois, falar pessoalmente com o Senhor".
Falando de "nova evangelização", não se deve esquecer um percurso singular que ela evoca continuamente: a Palavra deve "descer aos corações" para fazer "brotar uma história". Dom Vincenzo lembra quem lhe sugeriu a ideia, ou seja, o atual pontífice, que crê nas renovadas possibilidades da homilia. "O Papa Francisco – escreve – dá o exemplo disso por primeiro. Desde o início do seu pontificado, ele quis comentar o Evangelho que se proclama na celebração eucarística cotidiana".
O livro, além disso, não é simplesmente um conjunto de pregações ou de comentários para uma utilização prática: essas páginas são um percurso para obter socorro para a fé e para melhor compreender aquele escândalo da razão que é o Deus disposto a se revelar, a falar.
Dom Vincenzo segue fielmente a liturgia e sabe que nela está escondida uma antiga força, útil para compreender a mensagem da Escritura. Além disso, não se deve esquecer que justamente o termo contém na sua etimologia a motivação: leitourgia, em grego – como atestam os léxicos de Platão e Aristóteles –, é um serviço prestado à coisa pública, ou em público, antes de ser a ciência que trata das cerimônias dos ritos da Igreja.
Paglia salienta: "O ano inteiro é estruturado de tal maneira que nos faz percorrer o mistério de Jesus ligado à história humana e à nossa vida pessoal". E o ritmo da semana, elemento basilar do ano litúrgico, também orienta os seus dias na direção do domingo, que representa a Páscoa.
Sim, liturgia. Quem a conhece sabe que através dela cada detalhe assume um significado. As horas, os minutos, os segundos que correm impassíveis podem se transformar em fragmentos de infinito, mudando em nós a percepção do tempo que passa. Afinal, a nossa vida só tem sentido se não dissipa as ocasiões, se não naufraga entre os fluxos das coisas. Ou, melhor, se descobre um sentido. Talvez uma Palavra. Para se renovar. Continuamente.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A boa pregação não impressiona, mas deve mudar quem a escuta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU