30 Novembro 2013
Agora que a perestroika do Papa Francisco está posta claramente com a publicação da Exortação Apostólica Evangelii gaudium, crentes e mundo laico podem medir a amplitude do projeto de reforma que o novo pontífice tem em mente. Desta vez não se trata de entrevistas ou de reflexões coloquiais, mas daquilo que, na linguagem eclesiástica, se chama de um "ato de magistério". Isto é, de uma intervenção que emana diretamente da autoridade suprema da Igreja Católica. Com relação a isso, poderão ser medidos, nos meses e nos anos vindouros, sucessos, resistências, conflitos (como João XXIII e Paulo VI conheceram) e possíveis derrotas do pontificado argentino.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 28-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Francisco quer remodelar a Igreja na sua estrutura, no seu estilo de cura das almas e na sua abordagem com relação à sociedade contemporânea. Ao mesmo tempo, o novo papa desenvolve ainda mais robustamente a doutrina social da Igreja, levando a consequências mais claras a insatisfação de João Paulo II e de Bento XVI contra as políticas liberais sem restrições, que agravam a miséria, a precariedade e a marginalização social, chegando ao ponto de lançar um grito de alarme não retórico: "Enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível erradicar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um caldo de cultivo que, mais cedo ou mais tarde, provocará a sua explosão".
Muito clara nos seus argumentos, a parte social do documento rapidamente será arquivada pelas atuais elites governamentais (começando na Itália tanto pelos partidos de centro e de centro-direita que se referem à tradição democrata-cristã e pelo Partido Popular Europeu, seja pelo atual governo e pelo galopante aspirante à secretaria do Partido Democrático, Renzi), porque o papa pede uma refundação da economia social de mercado, e nenhum dos políticos em questão tem a coragem de enfrentar a questão.
No plano interno – a fisionomia da comunidade eclesial e o modo de se relacionar dos "pastores" com os fiéis e os seus problemas existenciais –, a Igreja de Bergoglio volta a pensar grande como nos tempos do Concílio Vaticano II, ao qual ela evidentemente se vincula. Não porque João Paulo II e o Papa Ratzinger não pensassem grande. Mas o papa polonês se movia grande no seu dinamismo geopolítico, mas mantendo inalterada a doutrina e a estrutura da Igreja. Enquanto Bento XVI pensava grande no plano filosófico, mas deixava que a Igreja se fechasse em uma trincheira contrária a toda inovação.
Francisco pretende trabalhar por uma reestruturação do poder na Igreja. Quer fechar com o centralismo exasperado, chegar a uma razoável descentralização, rever o modo de exercício do primado papal, retomando a ideia de um debate com as outras Igrejas cristãs como desejado por João Paulo II na encíclica Ut unum sint. Quer arquivar o clericalismo exasperado e envolver, nos processos decisionais, os leigos e particularmente as mulheres, que – ressalta – devem estar presentes nos "vários lugares onde se tomam as decisões importantes" (embora o sacerdócio permaneça masculino).
O seu programa postula especialmente um papel ativo e próprio das conferências episcopais. Aqui, a ruptura com a linha de Ratzinger é clara. Para Ratzinger, as conferências episcopais não tinham nenhuma autoridade eclesial, nem podiam envolver o bispo individual. Francisco diz o contrário: que as conferências episcopais tenham um estatuto preciso próprio, "atribuições concretas, incluindo alguma autêntica autoridade doutrinal". É o fim (ao menos como projeto) do absolutismo herdado do Concílio de Trento e da obsessão de um poder papal quase divino, como desejara Pio IX.
Quanto à pastoral, o papa chicoteia os padres que se abandonam à mundanidade, à preguiça, ao egocentrismo, à resignação, à mania de falar do púlpito em vestes de "peritos em diagnósticos apocalípticos ou juízes sombrios que se ufanam em detectar todo perigo ou desvio". Francisco quer uma Igreja alegre na evangelização. O aborto continua sendo um mal; que o matrimônio continue unido; mas não é a tarefa dos padres agir como uma barreira de uma "alfândega", porque "a Eucaristia (...) não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos". Aqui também é palpável a inversão de rota com relação à linha de Wojtyla e Ratzinger.