Por: André | 23 Outubro 2013
É certo que Yves-Marie Congar, Bernard Häring e Karl Rahner foram perseguidos, primeiro, pelo ex-Santo Ofício e, alguns deles, posteriormente, pela Congregação para a Doutrina da Fé. E também é certo que os três foram reabilitados, embora de maneiras diferentes. Plenamente, no caso de Congar; bem menos, no caso de Rahner; e, certamente, não, no caso de Häring.
O artigo é de Jesús Martínez Gordo e publicado no sítio Foro de Curas de Bizkaia, 17-10-2013. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
É certo que Yves-Marie Congar, Bernard Häring e Karl Rahner foram perseguidos, primeiro, pelo ex-Santo Ofício e, alguns deles, posteriormente, pela Congregação para a Doutrina da Fé.
E também é certo que os três foram reabilitados, embora de maneiras diferentes. Plenamente, no caso de Congar; bem menos, no caso de Rahner; e, certamente, não, no caso de Häring.
Yves-Marie Congar teve sua particular travessia do deserto antes do Concílio. A participação no mesmo como “perito” permitiu-lhe reabilitar-se e chegar a ser cardeal com João Paulo II.
Karl Rahner também teve dificuldades, mas não sofreu (como é o caso de Congar) exílio algum. O problema havido com o “imprimatur” de seu estudo sobre o dogma da Assunção de Maria foi resolvido discretamente, embora as suspeitas nunca desaparecessem completamente. Sua participação no Concílio Vaticano II o reabilitou, mas a involução pós-conciliar (que ele constata com particular surpresa e dor) leva-o a adotar posicionamentos cada vez mais “proféticos” ou “rebeldes”.
Finalmente, Bernard Häring também é perseguido pelo Santo Ofício, antes do Concílio. O traço singular da sua biografia teológica é que continuará a sê-lo depois por suas críticas considerações à Encíclica Humane Vitae, sobre o controle da natalidade (Paulo VI, 1968) e sobre a autoridade do magistério eclesial nestas questões. Toda uma preocupante antecipação dos problemas que muitos moralistas (embora não exclusivamente) terão ao longo do pontificado de João Paulo II (começando pela retirada da “missio docendi”).
Se tivesse que apontar o que é mais significativo em cada um destes percursos e nas complicadas relações institucionais que mantiveram, teria que indicar que é possível uma dupla e complementar reflexão: atendendo à singularidade que transparece na trajetória teológica de cada um deles e prestando atenção ao que têm em comum.
O singular de cada um deles
Quando se atende à sua singularidade, então é preciso destacar a coragem de Congar para padecer (sem perecer) três exílios.
Sua trajetória mostra como é capaz de enfrentar (e sofrer) as condenações (e as posteriores suspeitas) do ex-Santo Ofício e, sobretudo, os três exílios sem desfalecer. É certo que, sobretudo no terceiro deles (Cambridge), sua situação existencial é particularmente delicada. Mas também é verdade que, apesar de tudo, não baixa a guarda nem joga a toalha.
O “Diário” escrito durante estes anos é uma desabafo pessoal (e, frequentemente, uma dolorosa oração), um texto referencial para conhecer a situação da Igreja no tempo imediatamente anterior ao concílio e, de maneira particular, um documento no qual se informa sobre a maneira como se comportava a cúria romana com as pessoas que, anos depois, defenderiam a renovação eclesial (por sua coragem teológica e espiritual, posta desmedidamente à prova).
Hoje, assim como na época, também são muitas as pessoas e grupos nos quais se pode ver novamente algo da coragem mostrada por Congar em seu dia para padecer (sem perecer) o fustigamento teológico, espiritual e pastoral daqueles que, por exemplo, defendem uma leitura involucionista do Vaticano II.
A lista destas pessoas e grupos seria interminável. E talvez, por isso, sejam midiaticamente menos conhecidos. Mais notório é o elenco de teólogos que publicaram em castelhano: Juan A. Estrada, José María Castillo, Gustavo Gutiérrez, B. Forcano, Marciano Vidal, Jon Sobrino, Andrés Torres Queiruga e José Antonio Pagola.
Fica a esperança de que sejam abertos, mais cedo que tarde, os oportunos processos de reabilitação que devolvam a honorabilidade eclesial, injusta e improcedentemente arrancada, na grande maioria das vezes.
De Bernard Häring devemos destacar sua coragem para propor uma alternativa moral à oficial e enfrentar o autoritarismo eclesial.
O redentorista tem em comum com Congar a lucidez para propor, apesar de tudo, uma moral que ultrapasse a casuística imperante até então. Se o dominicano francês dá uma contribuição eclesiológica de indubitável nível, Häring formula uma impagável alternativa de teologia moral.
No entanto, e ao contrário do dominicano francês, mantém uma atitude mais beligerante com o Santo Ofício (e posteriormente com a Congregação para a Doutrina da Fé). Neste sentido, mostra-se menos propenso a padecer (como no caso do dominicano francês) as decisões que podem ser adotadas contra ele e a calar diante dos procedimentos empregados. Provavelmente, muito tem a ver com isso o fato de estar mais familiarizado que com Congar com a vida romana e com os “lobbies” vaticanos e também por ter sido reconhecido, naquela época, como uma autoridade teológica mundial.
O que é sofrida paciência em Congar converte-se, no caso de Häring, em denúncia pública, sem paliativos, do autoritarismo e da arbitrariedade. Esta maneira diferente de se relacionar com o ex-Santo Ofício mostra-se com toda a clareza quando se contrasta o livro-entrevista do redentorista com o Diário do eclesiólogo francês de 1946 até 1956.
Nunca é demais recordar que são modos de proceder que não desapareceram nem em nossos dias. Os casos mais recentes, entre outros, de Sobrino, Pagola ou de Torres Queiruga, testificam-no.
De Karl Rahner é preciso destacar, segundo se pode apreciar na biografia de H. Vorgrimler (o melhor biógrafo) sua coragem para colaborar na renovação conciliar e rebelar-se contra a involução eclesial.
O teólogo alemão compartilha com Congar e Häring a redação de uma proposta, neste caso de teologia fundamental, que é a que está na origem da sua problemática relação com o Santo Ofício. Também compartilha com eles um enorme interesse pela renovação da Igreja antes, durante e depois do Concílio Vaticano II.
Ao contrário de Congar, e em sintonia com Häring, não cala nem tolera a recepção involucionista e se rebela diante dela.
Diferencia-se do moralista pela “sorte” de poder rebelar-se sem ter que enfrentar os problemas que teve que padecer o redentorista com a Congregação para a Doutrina da Fé. O fato de ser um teólogo mundialmente consagrado (e, muito provavelmente, estar geograficamente mais afastado do Vaticano) concede-lhe algo como uma espécie de “patente de corso” para dizer o que estima mais oportuno e conveniente, mesmo que não seja do gosto da cúria vaticana.
Muitos dos grupos (de presbíteros, leigos, mulheres e religiosos) que afloraram nestes últimos anos e que ativam uma crítica, ao mesmo tempo, propositiva da comunhão eclesial desejável, da secularidade que teria que recuperar e da justiça que teria que resituar no coração da fé, do pensamento e da ação, estão prolongando, em grande medida, a atitude empregada por K. Rahner rebelde no pós-concílio.
O comum: a coragem, a “parresia”
Mas se a atenção se centra no que é comum, então devemos ressaltar, em primeiro lugar, a “parresia” ou a coragem.
A coragem para suportar os dissabores e o sofrimento que acarreta ser suspeito e, inclusive, condenado.
A audácia para propor e redigir uma alternativa, quer seja eclesiológica, moral ou fundamental e, sobretudo, para defendê-la em diálogo com a modernidade ilustrada.
E o arrojo ou “parresia” para dialogar (de maneira inaceitavelmente assimétrica) com as teologias romanas e vaticanas que então (assim como ainda hoje, ao menos com João Paulo II e Bento XVI) calaram qualquer contribuição que não sintonize com seus postulados metodológicos ou com a perspectiva por eles adotada.
Evidentemente, trata-se de uma audácia assentada no encontro com Deus que (presente na mediação eclesial) impulsiona a estar particularmente atento aos sinais dos tempos e ao clamor de justiça de nosso mundo. Isto, que é comum aos três, fica modulado, uma vez mais, em cada um deles com acentos próprios.
E em segundo lugar, uma coragem para não se calar e seguir defendendo, de maneira argumentada, seus posicionamentos, primeiro, diante do Santo Ofício e, posteriormente, diante da Congregação para a Doutrina da Fé.
Talvez, por isso, suas propostas teológicas seguem sendo em nossos dias tão vivas quanto eram interpelantes em seu tempo.
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Três teólogos perseguidos e reabilitados de maneira diferente: Congar, Häring e Rahner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU