Por: André | 27 Setembro 2013
O cardeal Piacenza é a vítima mais ilustre das primeiras mudanças efetuadas pelo Papa Francisco na cúria romana. Avançam os diplomatas. Os italianos resistem. Ficam fora de jogo os “ratzingerianos”.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada no sítio Chiesa.it, 25-09-2013. A tradução é de André Langer.
Com o anúncio da nomeação do novo secretário de Estado e com as medidas dispostas há quatro dias, o Papa Francisco lançou mão de uma primeira série de mudanças significativas na cúria romana.
Fê-lo em tempo relativamente breve, como, por outro lado, pediram-lhe os cardeais que o apoiaram na eleição que o levou ao posto de sucessor de Pedro.
Esta série de nomeações, confirmações e falta de confirmações – que foram precedidas por pequenos, mas significativos retoques em outras oficinas vaticanas – já permite perceber algumas indicações sobre as linhas de governo de um Papa que gosta de se definir como bispo de Roma, mas que no interior dos muros leoninos age 100% como sumo pontífice da Igreja universal.
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Em primeiro lugar, pode-se dizer que, se seu antecessor Bento XVI alimentava certa antipatia em relação à “casta” dos núncios apostólicos, o Papa Jorge Mario Bergoglio não mostra nenhum preconceito em relação a isso. Mais ainda. Ao denunciar que os clérigos que desempenham o serviço diplomático são mais ameaçados que os outros pela lepra da carreira eclesiástica, quando encontra entre eles alguém que considera valioso e competente – ou lhe é apresentado como tal por conselheiros que ele considera confiáveis – não mostra nenhuma reticência em promovê-lo a cargos elevados e delicados.
Este é seguramente o caso do novo secretário de Estado, Pietro Parolin, e do novo prefeito da Congregação para o Clero, Beniamino Stella. Apreciados pelo Papa Bergoglio também por seu perfil discreto e afastado de qualquer extremismo.
Núncio apostólico também é o mais exuberante arcebispo Lorenzo Baldisseri, que foi promovido a secretário-geral do Sínodo dos Bispos, no lugar de Nikola Eterovic, nomeado núncio de Berlim. Baldisseri é o prelado que, como secretário do conclave, foi criado “cardeal pela metade” pelo neo-eleito Papa, que lhe confiou o solidéu de cor púrpura. Agora se pode presumir que vai convertê-lo plenamente em cardeal e que receberá o barrete cardinalício – junto com Parolin e Stella – no primeiro consistório que será consagrado a esta questão.
No que se refere à transferência de Eterovic para Berlim, pode-se notar que seus três predecessores no posto de secretário-geral do Sínodo (Wladyslaw Rubin, Josef Tomko e Jan P. Schotte) foram feitos cardeais enquanto estiveram nesse cargo ou imediatamente depois. O arcebispo croata não recebe a púrpura cardinalícia, mas como núncio na Alemanha, deverá ocupar-se das nomeações de algumas das mais importantes dioceses do país: Colônia, Magúncia e Friburgo.
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Não se sabe se Francisco manter a tradição que consiste em conferir a púrpura também aos titulares de sedes italianas de consolidada tradição cardinalícia – neste momento estão desprovidas Turim e Veneza –, mas o fato de que já haja três italianos na cúria a caminho do cardenalato significa, talvez, que o Papa não tem em mente “castigar” por preconceito a presença italiana na cúria e no colégio cardinalício.
No máximo, pode-se constatar que com um Papa de origem piemontês e ligúrio se está passando de um predomínio de eclesiásticos provenientes do norte da Itália (Tarcísio Bertone, Mauro Piacenza) ao de clérigos provenientes da antiga República de Veneza, como Parolin (da província de Vicenza) e Stella (da província de Treviso), aos quais se pode acrescentar o neo-arcebispo e neo-presidente da Pontifícia Academia Eclesiástica, a escola diplomática da Santa Sé, Giampiero Gloder, originário de Asiago, na província de Vicenza.
Um pequeno sinal indicando uma tendência geográfica contrária à precedente foi percebido na Administração do Patrimônio da Sé Apostólica, onde no posto do veronês Massimo Boarotto foi nomeado como delegado da seção ordinária o piemontês Mauro Rivella. Se dermos confiança aos “rumores” curiais, a nomeação deste último aparece também como uma pequena camuflagem para a presidência da Conferência Episcopal Italiana que, no ano passado, não havia prorrogado o quinquênio completado por Rivella como subsecretário e o havia reenviado a Turim.
Em todo caso, não há nenhum sinal indicando que o Papa vai excluir os italianos, desde que demonstrem um perfil humilde e não sejam tagarelas, tanto em público como no privado. O Papa Francisco disse e repetiu que não gosta de tagarelices. Como cardeal, nas raras vezes que vinha a Roma, não desdenhava escutar esses “velhos curiais” que agora elogia. Mas agora é Papa, e o contexto é outro.
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Talvez seja em função desta chave de leitura que devemos interpretar as transferências que baixaram de categoria alguns eclesiásticos considerados entre os mais conservadores e “ratzingerianos” da cúria romana. Movimentos que alegraram o mundo midiático progressista e que entristeceram o mundo midiático mais tradicionalista.
Três transferências, em particular, suscitaram discussões:
- a do arcebispo Guido Pozzo, de esmoleiro pontifício a secretário da Pontifícia Comissão “Ecclesia Dei”, cargo que havia sido abolido há alguns anos;
- a do bispo Giuseppe Sciacca, de secretário-geral do Governadorado do Estado da Cidade do Vaticano a secretário adjunto da Assinatura Apostólica, cargo até agora inexistente;
- e, sobretudo, a do cardeal Mauro Piacenza, da influente Congregação para o Clero à mais marginal Penitenciária Apostólica, onde em geral eram mandados os cardeais de idade muito avançada ou – com a única clamorosa exceção de Luigi De Magistris – os arcebispos em final de carreira, para dar-lhes a púrpura cardinalícia.
No passado, não foram muitos os cardeais de cúria rebaixados de categoria para funções inferiores. Mas houve.
Com João Paulo II, por exemplo, em 1984, sofreram uma clamorosa “diminutio” curial – por problemas de “linha” eclesiástica – dois cardeais de primeiríssimo plano:
- o argentino Eduardo Pironio, cujo secretário particular Fernando Vérgez Alzaga, dos Legionários de Cristo, é agora premiado pelo Papa Bergoglio, que o promoveu ao posto que era do bispo Sciacca, no Governadorado;
- e o italiano Sebastiano Baggio, conterrâneo de Parolin.
Foi também o Papa Karol Wojtyla que transferiu o cardeal estadunidense James F. Stafford para dar lugar ao seu conterrâneo Stanislaw Rylko.
No caso de Piacenza é evidente que o Papa Bergoglio quis imprimir uma mudança em relação à maneira – dinâmica, mas tradicional – de dirigir a Congregação que o purpurado genovês, discípulo do cardeal Giuseppe Siri, havia adotado com o pleno consentimento de Bento XVI.
Esta mudança ficou ainda mais evidente pelo fato de que o Papa Francisco quis nomear para este dicastério um secretário adjunto, o bispo mexicano Jorge Carlos Patrón Wong, que agora trabalha ao lado do espanhol Celso Morga Iruzubieta, da Fraternidade Sacerdotal da Santa Cruz, vinculada à Opus Dei.
A mudança de rumo se evidencia mais ainda pelo fato de que o Papa não quis confirmar os membros e os consultores da Congregação para o Clero, cuja permanência nos seus cargos tem o caráter de provisório do “donec aliter provideatur”.
Caráter provisório que, pelo contrário, o Papa eliminou para os dirigentes, os membros e os consultores das Congregações para a Doutrina da Fé e da Propaganda Fidei. Efetivamente, foram confirmados em seus cargos tanto o alemão Gerhard Ludwig Müller como prefeito do ex-Santo Ofício, como o cardeal italiano Fernando Filoni, proveniente também ele do serviço diplomático, como prefeito para a Evangelização dos Povos.
O cardeal Piacenza sempre foi um firme apoiador da disciplina do celibato eclesiástico. Sua saída da Congregação para o Clero, associada às declarações do próximo secretário de Estado, Parolin, que foram interpretadas como uma abertura à superação desta norma eclesiástica na Igreja latina, fez pensar que, entre as novidades do atual pontificado, possa haver precisamente uma mudança neste âmbito delicado. Mas, como cardeal, Bergoglio afirmou que compartilhava o pensamento de Bento XVI sobre este tema, ou seja, que a questão não deve ser considerada hoje em discussão.
No máximo, poderia ocorrer que o Papa Francisco aprove ou promova um debate intra-eclesial para verificar se existem as condições históricas para uma mudança. Mas é fácil prever que mesmo uma abertura tão limitada provocaria discussões inflamadas, com a possibilidade de produzir rachaduras profundas inclusive dentro do colégio episcopal.
Entretanto, será interessante verificar o pensamento do novo secretário da Congregação para o Clero, Patrón Wong, que terá competência justamente no que diz respeito aos seminários. O prelado – que foi o primeiro bispo mexicano a criar sua própria conta no Twitter – deu a conhecer até agora declarações não inovadoras sobre o tema, embora o seu pensamento profundo sobre a questão possa ser encontrada em sua tese sobre teologia espiritual na Pontifícia Universidade Gregoriana, dedicada precisamente ao significado do celibato no mundo atual.
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No momento, muitas esperas na cúria, mas não exclusivamente, concentram-se na Congregação para os Bispos e na dos Sacramentos e do Culto Divino.
Na primeira, onde se prevê a confirmação do cardeal prefeito Marc Ouellet, a transferência de Baldisseri deixou vacante o cargo de secretário.
Na segunda, considera-se como muito provável o retorno do cardeal prefeito Antonio Cañizares Llovera à Espanha, onde sucederá Antonio Rouco Varela como arcebispo de Madri.
Além disso, na Congregação que “fabrica” os bispos será interessante ver se e como serão mudados os membros do dicastério. Atualmente, a composição é um conjunto bastante equilibrado entre as diversas tendências eclesiais. Mas vistas as últimas nomeações, alguns temem – outros desejam – uma espécie de depuração dos membros mais conservadores, a começar pelo cardeal Piacenza.
Na Congregação para o Culto Divino, por sua vez, será interessante ver quem ocupará o lugar de Cañizares, definido por alguns como o “pequeno Ratzinger” em razão de sua presumida afinidade teológica com Bento XVI. Nos círculos tradicionalistas, circula, como um pesadelo, o rumor de que seu posto poderia ser ocupado pelo arcebispo Piero Marini, o diretor das cerimônias pontifícias de João Paulo II, mas posto na suplência pelo Papa Joseph Ratzinger.
Piero Marino foi o primeiro co-consagrante do novo arcebispo esmoleiro pontifício, o polonês Konrad Krajewski, pupilo de Bergoglio.
Parece inverossímil que seja justamente ele que seja elevado à cabeça do dicastério responsável pela liturgia, mas, com o Papa Francisco, as surpresas são sempre possíveis.
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Além disso, na terça-feira, 24 de setembro, o Papa confirmou as cúpulas de dois Pontifícios Conselhos “até a conclusão dos seus respectivos quinquênios que estão em andamento”.
No Pontifício Conselho para os Leigos, então, foram confirmados até o próximo dia 24 de janeiro o cardeal presidente, o polonês Stanislaw Rylko, e o bispo secretário, o alemão Josef Clemens.
Ao passo que no Conselho da Justiça e Paz, o cardeal presidente, o africano Peter K. Appiah Turkson, e o bispo secretário, o salesiano Mario Toso, foram confirmados até outubro de 2014.
Estes dois Pontifícios Conselhos poderiam, portanto, sobreviver à programada reforma que deverá eliminar ou fundir vários serviços da cúria, mas não está dito que será sob a direção dos atuais titulares.
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