19 Setembro 2013
Preocupar-se com o meio ambiente é parte do dia-a-dia de muitas comunidades e associações que tem como visão auxiliar no desenvolvimento do páis, porém, visando a natureza. Por isso, nos dias 28 e 31 de agosto de 2013, ocorreu o V Encontro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. A partir da temática "Articulando resistências frente às injustiças ambientais do atual modelo energético", observou-se que as políticas desenvolvimentistas impõem um modo de vida urbano das sociedades industriais consumistas como modelo único para todas as populações.
Publicamos aqui a declaração do V Encontro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, publicada no portal Combate Racismo Ambiental, 17-09-2013.
Eis o texto.
Nós, representantes de quilombolas, indígenas, comunidades tradicionais, pequenas (os) produtoras (es) rurais, agricultoras (es) familiares, assentadas (os) de reforma agrária, ribeirinhas (os), comunidades pesqueiras, populações urbanas empobrecidas, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, pesquisadoras (es), movimentos urbanos de cicloativistas e artistas nos reunimos no V Encontro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, entre os dias 28 e 31 de agosto de 2013, no município de Serra, estado do Espírito Santo. Também estiveram presentes e colaboram nos debates, ativistas pela liberdade sexual e do movimento marcha da maconha, assim como movimentos sociais do Equador e Argentina.
A partir da temática “Articulando resistências frente às injustiças ambientais do atual modelo energético”, verificamos que as políticas desenvolvimentistas que priorizam e dependem da produção e consumo intensivos de energia, impõem o modo de vida urbano das sociedades industriais consumistas como modelo único para todas as populações.
Tal modelo que carrega as marcas colonialistas, racistas, patriarcalistas e imperialista é adotado pelo governo brasileiro, e com caráter exportador de produtos primários, transforma a natureza em mercadoria e privilegia as grandes corporações.
Esses privilégios se viabilizam, dentre outros, na flexibilização das legislações; no financiamento público via bancos estatais, principalmente o BNDES; no desmantelamento de órgãos públicos (tais como: IBAMA, INCRA, FUNAI e ICMBio) e dos procedimentos de licenciamento ambiental; no descumprimento de exigências legais; na falsa participação popular; na pressão sobre os direitos conquistados, como a PEC 215 que representa um dos maiores retrocessos nos direitos dos povos originários, quilombolas e tradicionais; e na inoperância do sistema de justiça para garantir os direitos das populações, e agilidade do mesmo para favorecer os agentes econômicos dominantes.
Vinculados a esse processo gerador de injustiças ambientais nos territórios e suas comunidades, estão os empreendimentos relacionados ao modelo energético brasileiro e à cadeia mínero-siderúrgica. Suas iniquidades se concretizam na privatização e degradação dos bens comuns, na violação de direitos, na criminalização e extermínio das populações, inviabilizando seus modos de vida e ameaçando a diversidade cultural e a soberania territorial.
Destacamos que não existe energia limpa nesse modelo, pois, mesmo as fontes consideradas “alternativas”, “limpas” e “sustentáveis”, como a energia eólica, nuclear, hidrelétrica e agrocombustível, têm causado tantas degradações quanto a indústria do petróleo, gás e carvão.
E que, não haverá transição de modelo energético nos marcos da expansão compensatória do modelo petroleiro. Denunciamos em especial os graves riscos que o governo brasileiro tem imposto à sociedade através da reativação do Programa Nuclear Brasileiro, marcado pela falta de transparência, ausência de participação da sociedade e vínculos com a indústria da guerra.
A produção de energia se dá em detrimento da produção de alimentos, provoca agravos à saúde pública, recrudescimento do racismo institucional e ambiental, do genocídio dos povos indígenas, do extermínio da população negra. Provoca ainda agravos nas desigualdades de gênero; exploração do trabalho e violência sexual contra mulheres; violação dos direitos de crianças, adolescentes e idosos; aumento do consumo abusivo de drogas industrializadas e a violência decorrente desse processo; e, contínua marginalização e empobrecimento da juventude. Além disso, agrava as mudanças no clima, provocando injustiça climática e riscos de desastres.
Os projetos de energia, como os outros grandes projetos econômicos, têm sido fator de explosão demográfica nos territórios por conta das migrações, produzindo espaços precarizados, sem as políticas públicas necessárias ao suprimento das necessidades coletivas. Nesses espaços aumentam todas as formas de violências contra mulheres, as iniqüidades nos equipamentos públicos e a segregação racial.
A despeito disso, corporações, Estado e governos impõem esses projetos como interesse público e nacional, mediante o discurso do progresso e o mito de desenvolvimento ilimitado. Para isso contam com o apoio da grande mídia e atuam mediante: omissão e intransparência da informação; promoção de conflitos internos nas comunidades; transformação dos direitos em mercadoria; e, pressão sobre as comunidades mediante perversas estratégias de cooptação, e violência contra os grupos de resistência.
Nos territórios sacrificados, os agentes de desenvolvimento implementam mecanismos de conciliação e “pacificação” de conflitos sociais e ambientais; de responsabilidade social corporativa; e, de compensação, que, sob o discurso de minimizar as perdas ambientais, precificam os territórios, a biodiversidade e os modos de vida, negligenciando os impactos efetivos no cotidiano das comunidades. Invisibilizar os territórios vividos, deslegitimar e desqualificar as culturas e os conhecimentos tradicionais, impor linguagem e procedimentos tecnicistas são outros perversos mecanismos utilizados por esses agentes.
Sob a falsa promessa do emprego, a implementação de empreendimentos degradadores inviabiliza o trabalho que garante os modos de vida comunitários, provocando o aumento das desigualdades, da pobreza e da dependência monetária e em relação às políticas sociais focalistas, num contexto de históricas ausências das políticas públicas de efetivação de direitos. Essas circunstancias também vulnerabilizam o exercício da autonomia comunitária em relação aos investidores e ao Estado.
Destacamos também que a política de Unidades de Conservação, precisa voltar-se para garantia dos direitos territoriais das comunidades, práticas e usos ancestrais dos territórios e da biodiversidade. Verificamos que essa política não tem garantido devidamente os direitos das populações tradicionais e nem mesmo a conservação dos ambientes, em muitos casos tem impedido que as comunidades continuem a exercer suas atividades tradicionais e permitido a implementação de atividades de altos impactos ambientais.
Nos solidarizamos com a população camponesa vítima de incontáveis perdas matérias e simbólicas frente ao agronegócio, que se baseia na privatização da terra, uso exaustivo dos solos e das águas e de trabalho escravo, na contaminação da biodiversidade, de trabalhadores e trabalhadoras e de comunidades por agrotóxicos. Também nos solidarizamos com as comunidades pesqueiras artesanais, gravemente ameaçadas com a política de privatização das águas para monocultivo aquícola , materializada na ação do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), que, dentre outras, vem concedendo, através de editais, as águas públicas para desenvolvimento de hidronegócio, tais como o cultivo de camarão, tilápia e beijupirá.
Os participantes do encontro rechaçam as políticas de desenvolvimento econômico, materializadas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC- Governo Federal), e, denunciam as violências, destruições e os riscos socioambientais causados pela União Montagem, terceirizada da Petrobras em Regência/ES; pelos projetos de exploração de petróleo no Maranhão; pela mineradora Vale em Minas Gerais, Pará e Maranhão; pelo Complexo Portuário de Suape em Pernambuco, pela Industrias Nucleares do Brasil (INB) e a mineração de urânio em Caetité/BA e Santa Quitéria/CE; pelo Complexo Industrial e Portuário do Pecém/CE; Pela construção do Porto de Açu/RJ; pela empresa CPFL e outras de energia eólica instaladas no Ceará, Bahia e Rio Grande do Norte.
Mas este encontro nos trouxe muitas inspirações, radicalizando a luta por Justiça Ambiental como a proposta, apoiada pelo povo equatoriano, de deixar o petróleo no subsolo em Yasuní na selva amazônica. Processo onde a Petrobras foi denunciada por violar direitos das comunidades e degradar os territórios, sendo assim, pressionada pela sociedade para se retirar do Equador. Rechaçamos a decisão do presidente Rafael Correa de retroceder essa conquista popular e liberar a exploração petroleira no blocos 31 e ITT no Parque Nacional de Yasuní.
Nos inspira também a campanha de Oilwatch, “Por nenhum poço a mais” e por “áreas livres de petróleo”, em defesa da utopia e dos territórios tradicionais.
Também no Equador, depois de 25 anos de lutas no território e judiciais, em âmbito nacional e internacional, as comunidades atingidas pela TEXACO-CHEVRON, conquistaram o direito de reparação dos danos causados aos povos e à sociedade, por essa empresa que foi, também, obrigada a formalizar um pedido público de desculpas. A medida judicial está sendo cumprida em outros países onde a TEXACO-CHEVRON tem bens, como o Brasil, sendo urgente que o Estado brasileiro se empenhe em garantir que a empresa pague pelos seus crimes ambientais no Equador.
No Brasil, a campanha “PARE TKCSA – Reparações Já”, nos mostra que é possível barrar a expansão dos grandes projetos de desenvolvimento. Também apoiamos a Campanha pela Vida e Contra o Uso de Agrotóxicos, bem como a Campanhas pela Regularização dos Territórios Pesqueiros e a luta de indígenas e quilombolas contra o retrocesso de seus direitos.
Para nós, as mobilizações recentes nas ruas do Brasil, evidenciam as contradições do desenvolvimentismo e reforçam a importância do poder popular de incidir nas políticas do Estado.
Denunciamos a criminalização das manifestações e a violência policial como prática de um Estado que viola direitos e militariza os territórios, defendendo o capital, o ciclo dos megaeventos e suas políticas fascistas e higienistas, expressadas, por exemplo, na comercialização das cidades para COPA e Olimpíadas. Essas iniciativas se instalam mediante segregação racial nos centros urbanos, já saturados pela especulação imobiliária; apropriação privada dos territórios; privilegio do uso privado de transporte individual, em detrimento das necessidades coletivas. Evidente está que, as políticas de uso e ocupação dos espaços urbanos estão fortemente amarradas às necessidades de “pagamento” aos empresários pelo financiamento de campanhas políticas dos poderes executivos e legislativos.
Saudamos os novos movimentos das Mobilizações de Junho, a juventude e o povo nas ruas, como oxigênio para os movimentos históricos. Rechaçamos as atitudes dos governos petistas e partidos de esquerda, que se aliam com conservadores e fundamentalistas e tentam cooptar os movimentos sociais, colocando em risco a autonomia da sociedade civil organizada.
Reconhecemos que a humanidade necessita de energia sim, porém esta deve se direcionar para a garantia de direitos e democratização das tecnologias e da riqueza social produzida, bem estar da coletividade e conservação dos bens comuns, alimentos sadios, terra, água, floresta, ventos etc. e exercício livre da diversidade étnica, racial e sexual.
Lembramos aos Governos, ao Estado e à sociedade que as comunidades e os movimentos sociais no Brasil e na América Latina, vêm demonstrando que é possível construir um mundo melhor e forma econômicas não predatórias, como o são os modos de vida comunitários e as novas experiências de produção, como a agroecologia. Também vimos que é possível construir pensamentos e práticas sociais coletivas e solidárias como nos ensinam os povos andinos e suas propostas de mundo, baseadas no bem-viver.
Compreendemos que só através do reconhecimento, legitimação e valorização dessas múltiplas vozes que ecoam das lutas populares é que se torna possível a realização do trabalho emancipado, a autonomia cultural, política e econômica dos povos, e a própria justiça ambiental.
Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Serra, 31 de Agosto de 2013
Assinam:
Acción Ecológica – Equador
Aticulação Antinuclear Brasileira
Articulação Popular do São Francisco Vivo
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul – ARPINSUL
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas da Região Nordeste – APOINME
Assentamento Ribeirinhos
Associação de Marisqueiras e Pescadores de Curral Velho – CE
Associação Comunitária dos Moradores de Piquiá – MA
Associação Homens e Mulheres do Mar – AHOMAR
Associação Regional de Produtores/as Agroecológicos – ARPA
Associação de Vitimas de Césio (AVCésio)- GO
Centro de Apoio de Pesquisa a Pescadores – CAPPAM/GEDMA
CESTEH/ENSP/FIOCRUZ
Comissão Justiça e Paz (CPP)
Comissão Pastoral da Terra
Comunidade areal/Conceição da Barra – ES
Comunidade do Cumbe – CE
Conselho Pastoral dos Pescadores
ETTERN/IPPUR/UFRJ
FASE
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social
Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará (FDZCC)
Fórum dos atingidos pela indústria do petróleo e petroquímica das cercanias da Baía de Guanabara (FAPP)
Fórum Suape
GEPPDES/UFES
Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente – GEDMMA -UFMA
Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais – GESTA-UFMG
Internacional Anarko Punk
Instituto Gambá
Instituto Terramar
Justiça Global
Laboratório Socioambiental – CEM/UFPR
Movimento Ciclo Ativista
Movimento dos Atingidos pela Mineração – MAM
Movimento Nacional de Pescadores e Pescadoras
Movimento Paulso Jackson
Movimento Wangari Maathai
Marcha da Maconha/ES
Núcleo Amigos da Terra
Núcleo Tramas/UFC
OILWATCH
ORGANON/UFES
Povo Kaingang
Rede de pesquisa em Nanotecnologia, sociedade e meio ambiente – REDENANOSOMA
Rede Justiça nos Trilhos
RUMA/RBJA
SINDIMINA-SE
Sindpesca/RJ
UDAPT\ Equador
Universidad Nacional de Córdoba
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Declaração do V Encontro Nacional da Rede Brasileira de Justiça Ambiental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU