Por: Jonas | 07 Setembro 2013
Na opinião do teólogo da libertação Juan José Tamayo, “uma teologia que faz da opção pelos pobres seu imperativo categórico, dificilmente é assumida pela instituição eclesiástica, por várias razões: pelo lugar social na qual se localiza – os pobres, os movimentos sociais -, pela radicalidade de suas opções – interculturalidade, pluralismo e diálogo inter-religioso, diversidade sexual, luta contra a pobreza estrutural -, pela revolução metodológica que implica, por partir da análise da realidade da práxis revolucionária; pela crítica do poder eclesiástico e de suas instituições”. Seu artigo é publicado no sítio Redes Cristianas, 06-09-2013. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Nestes dias, está ocorrendo, em Madri, o 33º Congresso de Teologia que, convocado pela Associação de Teólogos e Teólogas João XXIII e administrado por numerosos movimentos cristãos de base, tem como tema “A teologia da libertação, hoje”.
O pensamento político conservador, a teologia católica tradicional e a instituição eclesiástica coincidem na sentença sobre a teologia da libertação: deve ser condenada. Mais ainda, já diagnosticaram em uníssono sua morte, e inclusive seu enterro e seus funerais. Entretanto, sua sentença e seu diagnóstico respondem aos interesses que o neoliberalismo político e econômico e o neoconservadorismo religioso respondem, que estão nas antípodas da Teologia da Libertação.
Esta se move no horizonte do pensamento crítico e utópico, enquanto que o conservadorismo político se assenta sobre o pensamento único e acomodado no sistema. Realiza uma revolução na metodologia teológica, que parte da análise da realidade, iluminada pela fé, e faz uma interpretação libertadora do cristianismo, ao passo que a teologia tradicional parte do dogma e tende a uma leitura fundamentalista dos textos sagrados. Guia-se pelo princípio ético-evangélico da opção pelos pobres e está comprometida na construção da Igreja dos pobres, enquanto que a instituição eclesiástica defende o universalismo abstrato do amor, que se traduz em práticas “caritativas” de caráter benéfico-assistencial e reproduz a organização hierárquico-piramidal.
No entanto, imediatamente, descobre-se a armadilha: o conservadorismo político e o tradicionalismo católico tendem a confundir o desejo com a realidade e buscam por todos os meios uma maneira de destruir a Teologia da Libertação, porque ela os incomoda. Apesar disto, não conseguem. Quarenta anos depois de seu nascimento, a Teologia da Libertação continua viva e ativa. E hoje mais do nunca, quando se alargam as faixas da pobreza estrutural da miséria intercontinental, da marginalização social, da exclusão cultural, da discriminação sexista e do neocolonialismo. Novamente, Davi venceu Golias.
A Teologia da Libertação é cultivada em todos os continentes, atendendo seus sinais de identidade religiosa e cultural: na América Latina, seu berço, em sintonia com o novo cenário político e religioso e com o socialismo do século XXI; na Ásia, no diálogo com as religiões e culturas orientais, descobrindo nelas sua dimensão libertadora; na África, relacionada com as religiões e culturas ancestrais, em busca das fontes da vida na natureza; na Europa, em convergência com os movimentos alter-globalização que lutam por outro mundo possível.
A atual teologia da libertação não se estagna nos anos 1970. É teologia histórica, contextual, processual, não do céu. E, assim, reformula-se nos novos processos de libertação, em sintonia com os sujeitos emergentes de transformação social: mulheres discriminadas que se empoderam e tomam consciência de seu potencial revolucionário; culturas outrora destruídas que reivindicam sua identidade aberta a outras identidades; comunidades indígenas que reivindicam suas cosmovisões autóctones, não submetidas à colonização ocidental; coletivos que reivindicam seu direito ao livre exercício de sua sexualidade, sem a pressão e condenação da moral homofóbica; comunidades camponesas que se mobilizam contra os Tratados de Livre Comércio; jovens indignados, a quem é negado o presente e roubado o futuro; natureza depredada que sofre, grita e se rebela; comunidades afrodescendentes que se rebelam contra o regime de apartheid que o Ocidente continua lhes impondo, etc.
A Igreja institucional, com o Pontífice à cabeça, pode assumir a Teologia da Libertação como orientação ideológica? Parece que sim, caso haja entendimento dos gestos, discursos, atitudes e opções que o papa Francisco adotou, em pouco menos de meio ano, à frente da Igreja católica: renúncia a morar no Vaticano, convite aos jovens para se rebelar e se indignar, defesa dos direitos dos imigrantes indocumentados, visita às favelas em sua viagem ao Brasil, crítica aos sacerdotes e bispos instalados no conformismo, denúncia do capitalismo, defesa de uma Igreja pobre e para os pobres, austeridade de vida, etc. Assim, acreditam importantes setores religiosos e leigos, incluindo os progressistas e até alguns teólogos – não tanto as teólogas – da libertação. Nessa direção, o texto de Gustavo Gutiérrez, publicado em “L’Osservatore Romano”, parece ir, algo impensável durante os pontificados de João Paulo II e Bento XVI.
Eu acredito, no entanto, que uma teologia que faz da opção pelos pobres seu imperativo categórico, dificilmente é assumida pela instituição eclesiástica, por várias razões: pelo lugar social na qual se localiza – os pobres, os movimentos sociais -, pela radicalidade de suas opções – interculturalidade, pluralismo e diálogo inter-religioso, diversidade sexual, luta contra a pobreza estrutural -, pela revolução metodológica que implica, por partir da análise da realidade da práxis revolucionária; pela crítica do poder eclesiástico e de suas instituições.
Dois exemplos. Nos discursos pronunciados durante sua visita ao Brasil, Francisco nem sequer citou a Teologia da Libertação, sendo este país o lugar onde mais se cultiva e onde mais teólogos e teólogas da libertação há. Nem se encontrou com estes, sendo que teve encontros com outros coletivos cristãos e sociais. Numa entrevista de agosto deste ano, com o recém-nomeado secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, quando era núncio na Venezuela, perguntado pela teologia da libertação e a opção pelos pobres, respondeu nesta linha: “É verdade que a Igreja tem uma opção preferencial pelos pobres... Entretanto, a Igreja sempre esclareceu, também, que a opção pelos pobres não é uma opção excludente, nem exclusiva... A Igreja é de todos. A Igreja oferece o Evangelho a todos com uma atenção especial aos pobres, porque eles são os preferidos do Senhor, sabendo que o Evangelho só pode ser recebido com uma atitude pobre”.
A máxima atitude na qual a instituição eclesiástica pode chegar é respeitar esta teologia, estabelecer uma moratória, não condená-la, não punir seus cultivadores e cultivadoras. Inclusive, supondo que o papado a reconheceu e a assumiu como própria, haveria condições e controles que colocaria em sérias dificuldades seus cultivadores, pois seriam obrigados a revisar sua orientação ideológica, a rebaixar a radicalidade de suas propostas, a revisar sua metodologia indutiva até adaptá-la com a oficial. Em cuja situação não estaríamos diante de uma autêntica teologia da libertação, mas diante de uma imagem deformada da mesma.
No 33º Congresso de Teologia, que realizamos de 5 a 8 de setembro, em Madri, sobre “A teologia da libertação, hoje”, pretende-se mostrar que:
a) A Teologia da Libertação continua viva e ativa, e é cultivada em todos os continentes;
b) Se alguém pretende enterrá-la, encerrar-lhe-á viva;
c) Merece respeito dentro do pluralismo religioso;
d) Requer reconhecimento por seu rigor metodológico;
e) É uma teologia profética, em que se retorna a escutar o grito dos hebreus submetidos à escravidão e o compromisso de Deus por sua libertação, a voz dos profetas em defesa dos empobrecidos; o discurso de Bartolomeu contra a destruição das Índias, etc.;
f) Não deve ser condenada porque é a reescrita do Evangelho como boa notícia de libertação dos empobrecidos e má notícia para os responsáveis pelo empobrecimento das maiorias populares.
“A teologia – afirma Pedro Casaldáliga, na mensagem dirigida ao Congresso de Teologia – é Teologia da Libertação ou não é teologia, certamente, não seria a do Deus de Jesus”. No 33º Congresso de Teologia caminha nessa direção. Essa foi sua orientação desde o princípio, em 1981.
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A teologia da libertação e o papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU