26 Agosto 2013
Antes dos princípios, o kerygma, isto é, o anúncio do Evangelho. É o coração da teologia de Timothy Radcliffe, mestre geral da ordem dominicana entre 1992 e 2001. Inglês, vive em Oxford na Blackfriars Hall, instituição dos dominicanos, onde é professor visitante o filósofo Roger Scruton. E, não obstante leve em frente teses audaciosas – por exemplo, a possibilidade de matrimônio para os sacerdotes – quando no giro do mundo não é acolhido como o clássico “teólogo do dissenso”. Antes, como um estudioso que, do coração do cristianismo ocidental, sabe cutucar a Igreja para que se abra à contemporaneidade de modo inteligente.
A entrevista é de Paolo Rodari e publicada pelo jornal La Repubblica, 23-08-2013. A tradução é de Benno Dischinger.
‘Prendi il largo’ [Sai andando] é, não por nada, o título de seu último trabalho, publicado na Itália pela Queriniana. Mas, recém publicou também, por exemplo, ‘Olhares sobre o cristianismo’ com Armando Matteo, e nos próximos meses sairá, pela Editora Missionária Italiana, um ensaio sobre a atualidade da palavra de Deus “que é também para os manager da City”.
Eis a entrevista.
O senhor convida a Igreja a “sair andando”. Até onde?
Antes de decidir até onde, é preciso perguntar-se de onde partir. Com frequência, quem renovou a Igreja, não era sacerdote: São Bento, São Francisco, Santa Catarina de Sena. A Igreja só pode encontrar novas energias quando se reconhece como comunidade de batizados. “Sair andando” significa reconhecer que basta o batismo para participar da morte e ressurreição de Cristo. Quando foi perguntado a Wojtyla qual foi o dia mais belo de sua vida, respondeu: “O dia em que fui batizado”.
Com frequência a gente sente a Igreja distante, demasiadas regras, demasiados preceitos. E então?
Todos deveriam sentir-se em casa na Igreja. Jesus acolhe todos, cobradores dos impostos – os nossos banqueiros de hoje – as prostitutas. Mas, como pode a Igreja acolher todos e simultaneamente oferecer uma visão moral para todos? O Papa Francisco diz que o pastor “deve sentir o cheiro das ovelhas”. Significa que a Igreja deve conhecer as perguntas do povo a partir de dentro, como se fossem suas. Por exemplo, estamos em condições de oferecer uma autêntica palavra sobre a homossexualidade somente se estamos próximos às pessoas gays. O ensinamento moral deve ser oferecido no interior de uma amizade. Caso contrário é moralismo.
O senhor defende a possibilidade que os padres se casem. É uma estrada que pode ser percorrida em Roma?
Já há muitos sacerdotes católicos casados, por exemplo, muitos padres anglicanos convertidos ao catolicismo. Se o celibato é vivido com generosidade, é o sinal de uma bela vocação, é um sinal profundo de uma vida dedicada a Deus e ao seu povo. Se, portanto, o celibato deixasse de ser a norma para os sacerdotes, perderia, sim algo de maravilhoso. Mas, ao mesmo tempo, também um clero casado saberia dar algo de belo de um modo novo: sacerdotes que vivem o matrimônio e uma experiência de paternidade. Os padres existem para servir o povo de Deus e portanto seria oportuno perguntar-lhes que tipo de sacerdote pretendem ser.
Diversos bispos, em audiência do Papa, lhe falam do problema dos divorciados recasados. É possível repensar a proibição de receber a eucaristia?
O matrimônio é um sinal da fidelidade de Deus ao seu povo em Cristo. Devemos fazer de tudo para mantê-lo como um empenho para a vida. Mas, vivemos numa sociedade fluida e de relações de breve termo. As pessoas se deslocam, mudam de casa, de trabalho. Vivem em contínuas mudanças. Com frequência fica difícil manter o matrimônio. Não se pode julgar ninguém. Necessitam da graça do sacramento, como todos. Na Igreja tantas pessoas foram excluídas da comunhão porque não permaneceram fiéis em tempo de perseguição. Mas, assim foram tantos os marginalizados que a disciplina precisou mudar. Creio que também hoje deveria mudar.
Em outubro chegarão a Roma oito cardeais, presididos por Oscar Maradiaga, seu grande amigo, que apoiarão o Papa no exercício do governo. É uma virada epocal no signo da colegialidade?
Por séculos a Igreja precisou combater contra os monarcas e os Estados poderosos para preservar a própria liberdade, de Constantino até Napoleão e, mais recentemente, com as grandes ideologias. Por isso, o papado se tornou também ele um pouco uma monarquia. Mas, não podemos permanecer prisioneiros das batalhas passadas. Francisco se apresentou como um condiscípulo e como o bispo de Roma. Quer que o Papa trabalhe no interior do colégio dos bispos. Os oito cardeais podem ajudá-lo a fazer isto. Bento XVI escreveu páginas esplêndidas sobre como a Igreja pode tornar-se mais trinitária. Francisco está procurando encaminhar a Igreja naquela direção, libertando-a de uma estrutura monárquica que não é mais adequada.
A cúria romana transcorreu meses não fáceis. O “caso Vatileaks” mostrou uma crise evidente de governabilidade. Serve uma reforma?
Temos necessidade de uma Igreja menos centralizada, com mais liberdade de iniciativa para as Igrejas locais. O cardeal Basile Hume, ex-arcebispo de Westminster, dizia que temos necessidade de uma mudança fundamental nas estruturas da Igreja. E um Vaticano servidor do Papa e dos bispos, e não o contrário.
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“Padres casados e gays, a Igreja é de todos”. Entrevista com Timothy Radcliffe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU