Por: Jonas | 15 Agosto 2013
O espanhol Adolfo Nicolás (foto) era, até março deste ano, o ‘chefe’ do hoje papa Francisco. Desde 2008 é o Prepósito Geral da Companhia de Jesus, a qual pertence o Pontífice. Nicolás, de 77 anos, cabeça máxima de uma das ordens religiosas mais importantes e influentes do mundo - formada por cerda de 18.000 sacerdotes -, está numa visita à Colômbia. Em entrevista com José Alberto Mojica, em EL TIEMPO, falou sobre seu amigo, o papa Francisco, a quem considera um homem autêntico e corajoso, capaz de conseguir a renovação que, segundo ele, a Igreja católica tanto necessita.
Fonte: http://goo.gl/xvRQPX |
A entrevista é publicada no sítio Religión Digital, 14-08-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O carisma do papa Francisco obedece a sua personalidade ou a sua formação como jesuíta?
São as duas coisas. Já se sabe que quando era arcebispo em Buenos Aires era muito próximo das pessoas e usava meios de transporte públicos. Ele é coerente com o que sempre foi. Entretanto, isso é apenas uma parte, pois é jesuíta e está envolvido profundamente na espiritualidade de Santo Inácio, e isso se nota em seus discursos e homilias, na maneira como enfoca os problemas; aí se nota muito profundamente a espiritualidade jesuíta.
Pode se dizer, talvez, que este pontificado terá uma linha jesuítica?
Eu não diria isso. Ele irá seguir a linha que acredita que seja melhor para a Igreja. Nisso é um homem de grande liberdade e não seguirá os ditames de ninguém. Porém, em sua maneira de ver os problemas, ou de buscar soluções, evidentemente a sua formação jesuítica influenciará. Até que ponto influenciará? Isto nós não sabemos.
Escolheram Bergoglio porque precisavam de um jesuíta como papa?
Não acredito que o fator jesuíta tenha sido muito influente. De fato, há muitas brincadeiras que correm em Roma.
Por exemplo...
Por exemplo - é perigoso dar um exemplo para um jornal -, perguntaram para um cardeal: ‘Como você escolheu um jesuíta?’. E respondeu, brincando: ‘Se soubesse que era jesuíta, não tinha votado nele’.
O que buscavam, então?
Um cardeal que viesse de fora da Cúria. Acredito que o sentimento de reformar a Cúria era muito claro, e o próprio Francisco disse que tudo o que está fazendo é responder ao que surgiu nas congregações gerais, que são essas reuniões de cardeais no conclave. Queriam alguém de fora, que pudesse estudar os problemas com mais liberdade, sem nenhuma ligação.
Um papa revolucionário...
Foi um grande arcebispo, muito próximo das pessoas, muito tradicional em sua doutrina, mas com a coragem e a criatividade de responder de maneira nova às necessidades destes tempos.
O que representa para os jesuítas ter um papa, levando em consideração todos os problemas que tiveram, durante séculos, com a Cúria?
Para mim, é muito mais fácil ter agora um papa que me entenda, não precisar medir as palavras porque as entende ao estilo jesuíta. Quando nós nos encontramos, existe uma tranquilidade em poder falar. E isso é muito bom, muito refrescante.
Você acredita que o papa Francisco realmente pode transformar a Igreja?
Acredito que sim. Por sua responsabilidade: é um homem muito corajoso, é consciente dos problemas e agora está procurando consultar, ver os diferentes aspectos dos problemas e tomar decisões. Não tem medo das decisões, ou seja, tomará decisões e fará mudanças que nunca podem ser totais, porque é preciso preparar a mente da comunidade para fazer essas mudanças. Uma pessoa não pode mudar o mundo. Acredito que após uma reunião com os cardeais, em outubro, haverá decisões.
Que tipo de decisões?
Há uma coisa muito clara que surgiu do conclave: a reforma da Cúria. A Cúria vaticana está organizada para ajudar o papa no governo da Igreja. Entretanto, às vezes, pelo fato do papa estar ocupado com outras coisas, as congregações (os escritórios vaticanos) têm uma tendência a certa autonomia. Esta autonomia não é boa para a Igreja. Os próprios cardeais se queixam de que não há comunicação nas congregações.
Modificar as congregações vaticanas?
É algo que o Papa já está tomando em suas mãos, e está atuando diretamente. Antes, tudo tinha que passar pela Secretaria de Estado, agora não. Esta é uma das coisas que está mudando.
Quais outras coisas podem mudar no Vaticano?
Será preciso estudar e discernir, por exemplo, questões sobre bioética, de vida cristã, pastoral, de matrimônios e divórcios. Acredito que nisto ele irá atuar de uma maneira muito pastoral a serviço das pessoas e acredito que será uma baforada de ar fresco.
Contudo, por mais livre que ele seja, não se pode esperar grandes mudanças, como a retirada do celibato ou o sacerdócio para as mulheres...
É verdade. Não se pode esperar o ouro e o mouro. Pelo fato de termos um novo papa, não podemos esperar que faça tudo o que nós gostamos. Ele será muito fiel ao que considera importante na tradição da Igreja e, ao mesmo tempo, estará aberto para estudar assuntos novos. Contudo, estudar não significa tomar decisões.
Quais você acredita que são os problemas da Igreja?
São os mesmos da humanidade: a fome, a pobreza, a violência, a guerra, a paz; a falta de sentido, de alegria e esperança.
E quais são os desafios?
São os desafios do homem da rua, que quer viver humanamente, mas as situações de injustiça, de desigualdade, de falta de atenção aos fracos fazem com que nossas sociedades estejam estruturadas de uma maneira muito difícil para os fracos. Acreditamos que estes desafios tocam diretamente nossa vocação cristã e, portanto, estes nos preocupam.
O superior dos jesuítas é conhecido como o ‘papa negro’. Como é carregar esse título?
Não é muito bom. É chamado de ‘papa’ porque supostamente tem muito poder, e o poder não tem valor evangélico, nem religioso; e negro, porque se vestia de preto. Contudo, a cor não tem nenhum valor religioso. A primeira vez que fui à África, em Costa do Marfim, um negro aproximou-se de mim e disse: ‘Estou um pouco desiludido porque nos disseram que vinha o papa negro, mas você não é negro’.
Por seu estilo liberal e de mente aberta, os jesuítas foram considerados como a ala rebelde da Igreja católica. Vocês são rebeldes?
Sei que na percepção de muitos se vê como se fôssemos rebeldes, porém o mais interessante em nossa vida não é a rebeldia, mas não ter medo dos problemas. Se há uma situação nova e um problema novo, é preciso estudá-los. Esta capacidade de se abrir aos problemas novos e estudá-los, para muitos, já é rebeldia.
Quais problemas novos?
A forma como a civilização e a cultura estão mudando, por exemplo.
Você reconhece que os jesuítas foram incômodos para alguns setores?
Que nós sejamos incômodos, sim, eu reconheço. Todo intelectual é incômodo. É incômodo aquele que é honesto e que está aberto à mudança, aquele que analisa problemas novos e faz pensar, porque pensar não é a moeda que todos gostam, porque pensar traz dificuldades. Contudo, se você é jesuíta, espero que seja um pensador. E nossa formação segue diretamente isto: o aprofundamento em teologia, filosofia, em todas as ciências, nas artes, em qualquer tema moderno ou antigo. Isto é parte da vida humana, e acreditamos que a Igreja precisa estar aberta para tudo.
O Papa é consciente dessa incomodidade?
Sim, e nesse sentido é muito jesuíta. Disse: ‘Prefiro uma Igreja com problemas a uma Igreja sonolenta', na qual nada acontece. Aquele que dorme não cria problemas. O que está acordado e faz perguntas, sim.
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“Francisco não seguirá os ditames de ninguém”, afirma Adolfo Nicolás - Instituto Humanitas Unisinos - IHU