10 Agosto 2013
A decisão do papa de comissionar os Franciscanos da Imaculada os Franciscanos da Imaculada, como solicitado pela Congregação para os Religiosos ao término de uma visita apostólica iniciada no ano passado, com a regulamentação anexa do uso da missa antiga, desencadeou uma avalanche de reações midiáticas provenientes de ambientes tradicionalistas ou até críticos contra o atual pontificado, caracterizadas por uma tese de fundo: Francisco estaria dando marcha à ré com relação ao motu proprio de Bento XVI que, em 2007, liberalizou o uso do missal pré-conciliar. Tese prontamente desmentida pelo porta-voz vaticano, padre Federico Lombardi.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 08-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quem publicou o texto do decreto de comissionamento com a cláusula anexa referente à missa antiga foi o site tradicionalista norte-americano Rorate Coeli. No dia 29 de julho, o blog tradicionalista Messainlatino também publicou o original da carta enviada enviada pelo comissário aos religiosos e às religiosas do Instituto.
A notícia, depois, foi circunstanciada, no mesmo dia, pelo vaticanista Sandro Magister, que a apresentava como a primeira "contradição" aberta com relação ao pontificado ratzingeriano. Depois, entrava em campo o site Corrispondenza Romana, agência de informação que é dirigida pelo professor Roberto De Mattei, próximo do mundo tradicionalista, autor de uma história do Vaticano II em que o último Concílio é apresentado como um evento de ruptura com a tradição anterior. O Corrispondenza Romana também se encarregou de uma coleta de assinaturas em apoio ao uso da missa antiga para os Franciscanos da Imaculada a ser enviado à Congregação para os Religiosos.
Finalmente, no dia 7 de agosto, Mario Palmaro e Alessandro Gnocchi, dois jornalistas próximos do mundo tradicionalista, intervieram no jornal italiano Il Foglio, com um artigo de título significativo: "Aquele tapa nos Franciscanos na Igreja de Francisco".
No texto, define-se a carta do comissário nomeado pela Santa Sé, padre Fidenzio Volpi, "modelada" no estilo dos "burocratas de Ceausescu" e zomba-se da mensagem de Francisco aos muçulmanos pelo fim do Ramadã, assim como da visita papal a Lampedusa. E se contrapõem os Franciscanos da Imaculada, "que são pobres e humildes sem ostentações", àqueles que se colocam "em favor da câmera e da lente fotográgica, como está na moda sob o novo pontificado".
"Procedimento draconiano"
O comissionamento é definido por Gnocchi e Palmaro como procedimento "draconiano", que visaria a destruir a força dos freis voltados a redescobrir e conservar "a missa de sempre" (expressão já codificada, usada como sinônimo para a missa pré-conciliar, que subentende duas tácitas consequências: a primeira é que o missal de 1962 corresponda à missa celebrada por dois milênios; a segunda é que a liturgia pós-conciliar não seja mais ligada à tradição).
Respondendo a uma pergunta específica do Vatican Insider a respeito do papel desempenhado pelos freis e pelas freiras do Instituto na difusão da tese do "repúdio de Bento XVI" que repercutiu nos sites e nos blogs, o agora ex-procurador-geral dos Franciscanos da Imaculada, padre Alessandro Apollonio, havia desmentido secamente qualquer envolvimento.
Mas permanece mais do que uma dúvida diante da evidente tentativa de transformar os problemas e as tensões internas ao Instituto acerca da fidelidade ao carisma original em uma batalha pública sobre a missa antiga e sobre o motu proprio "traído". Levando a entender, talvez, que o procedimento da Santa Sé foi tomado despreocupadamente ou com base em informações "falsas", como declarou o próprio padre Apollonio.
Vale a pena lembrar que os Franciscanos da Imaculada, um Instituto com uma forte marca mariano e missionária, nascido nos anos 1970, que se remete ao Pobrezinho de Assis e particularmente a São Maximiliano Kolbe, não nasceram no âmbito tradicionalista. Uma mutação, nesse sentido, por vontade do fundador, o padre Stefano Manelli, ocorreu depois da promulgação do motu proprio de Bento XVI que, em 2007, liberalizou a missa antiga.
Ao longo do Capítulo Geral de 2008, o padre Manelli havia tentado introduzir uma revisão das Constituições do Instituto para tornar obrigatório o velho rito nas missas conventuais. A iniciativa havia despertado uma oposição tal que havia sido retirada sem ser submetida a votação.
Nos três anos seguintes, no entanto, o uso do missal pré-conciliar tinha sido sugerido e, às vezes, de alguma forma, imposto. Em uma entrevista em 2010 em um blog francês, o próprio padre Apollonio admitia que o velho rito "é a forma da nossa missa conventual recomendado pelo nosso fundador". E o rito antigo também era promovido para as ordenações sacerdotais.
Sem normas escritas nem decisões assumidas pelo Capítulo Geral, o uso "preferido" da liturgia antiga foi fortemente recomendado nos conventos dos Franciscanos da Imaculada, e em alguns países foram adquiridos breviários bilíngues latim-inglês, a fim de favorecer a introdução da oração segundo o uso antigo.
Queixas internas
Isso fez com que um grupo de freis, os padres Antonio Santoro, Michele Iorio, Pierdamiano Fehlner, Massimiliano Zangheratti, Angelo Geiger, membros da comunidade histórica das origens e já envolvidos em papéis de responsabilidade no governo e na formação do Instituto (depois "punidos" pelas suas posições pouco tradicionalistas com várias transferências), em 2012, tenham recorrido à Congregação vaticana para os Religiosos pedindo que fosse recuperado o carisma original e não se impusessem a todos as posições tradicionalistas, incluindo aquelas que tendem a reduzir o porte do Concílio Vaticano II ou a apresentá-lo como um evento de ruptura inconciliável com a tradição anterior.
Em uma carta do padre Geiger, afirma-se que, dentro do Instituto, por parte de alguns dos seus principais expoentes, havia sido aprovada a ideia de que a "nova missa" fosse para os católicos comuns, enquanto a antiga fosse para "o católico mais sério com relação à fé", dando por óbvia a superioridade da "forma extraordinária do rito romano" liberalizado pelo Papa Bento XVI.
Um capítulo à parte diz respeito à atitude desconfiada de alguns responsáveis dos Franciscanos da Imaculada com relação ao novo pontificado, além disso plenamente compartilhada por aqueles sites e blogs comprometidos a fazer passar a tese dos freis "perseguidos" pelos "inimigos" da missa antiga e pelos seus promotores vaticanos.
Os dissidentes com relação à linha imposta nos últimos anos contestam que a missa antiga e o tradicionalismo se tornaram a única formação recebida pelos jovens seminaristas, e que as "opiniões" dos tradicionalistas se tornaram "normativas" no Instituto, em nome da lealdade ao fundador, quando, ao invés, não deveriam ser impostas à consciência de ninguém.
Mais ainda, os freis acima mencionados defendem que não houve nenhuma consulta nem um mandato do Capítulo Geral a esse respeito. Além disso, o tradicionalismo "não tem nenhuma relação com o nosso carisma" e "não é obrigatório segundo a nossa legislação".
A tudo isso, se somam também outros problemas relacionados com a condução do Instituto, ao papel crescente do ramo feminino, mais compacto em aderir à indicação para a missa antiga, aos problemas pastorais ligados às paróquias onde os Franciscanos da Imaculada exercem o seu ministério.
Decisão tomada por Bento XVI
Diante desse quadro, a Santa Sé, há um ano – e, portanto, no pontificado de Bento XVI –, dispôs uma visitação apostólica. Ainda antes do início da visita, no dia 9 de maio de 2012, o Papa Ratzinger, durante uma audiência pública, saudou "as consagradas, os seminaristas e os Freis Franciscanos da Imaculada, aos quais eu desejo que se alimentem da Palavra de Deus e do Pão Eucarístico para sentire cum Ecclesia". Uma referência importante que também ecoa agora na carta do comissário aos membros do Instituto.
O visitador apostólico preparou um questionário muito detalhado com relação a todos esses problemas, e, pelo que o Vatican Insider pôde apurar, a maioria dos membros do Instituto consultados se expressou em favor ou de um Capítulo Geral extraordinário ou de um comissionamento, confirmando, portanto, a existência das tensões, certamente não só devido apenas a um pequeno grupo de dissidentes que conseguiria falsificar a realidade.
Nenhum repúdio a Bento XVI
Portanto, parece totalmente incongruente apresentar a decisão do Papa Francisco como um repúdio do motu proprio do antecessor, como o Vatican Insider já destacava na reportagem do dia 30 de julho.
E é fácil de entender como a decisão da Santa Sé não foi tomada despreocupadamente, mas foi, sim, precedida por uma extensa coleta de informações. No site oficial dos freis, lê-se que o fundador padre "Stefano M. Manelli, com todo o Instituto dos Freis Franciscanos da Imaculada unido a ele, obedece ao Santo Padre e confia que, dessa obediência, venham graças ainda maiores".
Nas próximas semanas, o comissário vai verificar se o que vai prevalecer é essa declaração ou as pressões provenientes de expoentes do mundo tradicionalista, que estão sugerindo que os freis "resistam" e continuem celebrando "em sã consciência" segundo o rito antigo, sem pedir autorizações, apontando para o fato de que o decreto vaticano pôs a cláusula sem especificar quais são "as autoridades competentes" para dispensá-las.
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Franciscanos da Imaculada: eis as razões para o comissionamento vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU