Igreja e casamento gay: o risco da intransigência

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

30 Mai 2013

Para muitos responsáveis da Igreja Católica, não há dúvidas: o balanço da luta empreendida pela instituição contra o casamento para todos é "globalmente positivo". E em vários aspectos. "A Igreja contribuiu com a reflexão e fez com que a sociedade saísse da uniformidade de pensamento que queriam lhe impor", afirma Dom Jean-Luc Brunin, encarregado das questões de família e sociedade da Conferência Episcopal Francesa. Sem se deter sobre os excessos ou sobre a politização da contestação ao longo dos meses, ele até assegura que "a Igreja não se colocou em um campo político e frontal".

A reportagem é de Stéphanie Le Bars, publicada no jornal Le Monde, 26-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Para além das manifestações de rua, com as quais muitos não estavam acostumados, a mobilização dos fiéis também teria contribuído "para fazer com que eles tomassem consciência da forma como eles devem viver a sua fé em uma sociedade que não é mais maciçamente cristã". Uma reflexão que não se realizou plenamente, se levarmos em conta a diversidade das atitudes dos católicos presentes nas manifestações.

Enquanto alguns manifestavam de forma militante e sem complexos a sua ligação cristã – de acordo com os repetidos pedidos do Vaticano –, outros asseguraram que a sua fé vinha em segundo lugar com relação ao seu compromisso.

Outra conquista desse período, segundo a Igreja Católica: o surgimento de uma geração de jovens, midiaticamente visíveis, que se engajaram com os valores conformes à visão da Igreja. E que poderiam ser rapidamente mobilizados em caso de necessidade.

"Agora cabe à instituição ajudá-los a se formar mais sobre as questões que dizem respeito à natureza do ser humano. Não podemos perder esse capital", enfatiza-se na Conferência Episcopal. Ainda mais que os responsáveis católicos acreditam que obtiveram resultados, "afastando-se do calendário governamental os debates sobre a reprodução medicamente assistida e a gestação de substituição". Uma vitória que, no entanto, poderia ser apenas provisória.

Mas essa leitura otimista não é unânime. Em um texto publicado no jornal La Croix no dia 21 de abril, intitulado "Catolicismo intransigente, uma tentação permanente", Dom Claude Dagens, bispo de Angoulême e figura intelectual do episcopado, se preocupava com os efeitos da mobilização dos fiéis. Ele se interrogava sobre a "atitude militante" de alguns, preocupados em "reencontrar posições dominantes na sociedade". "Aqueles que desconfiam das religiões – enfatizava – devem se regozijar em silêncio ao ver que a figura do catolicismo hoje parece se confundir com essa corrente ofensiva".

Mais direta, Christine Pedotti, católica crítica e editora-chefe da revista Témoignage Chrétien, acredita que a Igreja cometeu "um erro histórico" inclinando-se desse modo contra o projeto do governo. "É uma ruptura tanto com a maneira pela qual a Igreja tradicionalmente gere as suas relações com o governo, quanto com a maneira pela qual ela teoricamente coloca os fiéis frente à sua liberdade de consciência esclarecida", afirma. "Além disso, querendo evitar ser superada pela extrema direita, ela foi levada a se 'endireitar'".

"Rompendo com uma especificidade francesa, a Igreja Católica se situou mais na contestação do que na negociação", destaca o pesquisador Philippe Portier, especialista em catolicismo e secularismo: "No longo prazo, essa atitude pode ter consequências negativas para o lugar que é dado à Igreja na nossa democracia deliberativa".

"A instituição também manifestou nessa ocasião que não vai renunciar a ter uma influência sobre as condutas", lamenta o codiretor da Témoignage Chrétien, Bernard Stéphan. "E ela deu provas de fechamento, enquanto o cristianismo, fragilizado como está hoje, deve demonstrar uma maior abertura". Correndo o risco de acentuar a sua imagem conservadora.

"Se a fraternidade com relação aos mais fracos saiu de moda, então eu reivindico a postura fora de moda da Igreja", defende de sua parte Dom Brunin. "Confortada em suas posições pelo sucesso das manifestações e pelo apoio do Vaticano, a Igreja pôde dizer que não tem nada a perder em não transigir sobre os seus valores e a sua 'verdade'. Ela se aproveitou de uma tendência conservadora na sociedade", observa Portier. "Mas essa sequência apresenta o risco de estabelecer uma fratura ainda mais profunda entre a Igreja e a sociedade", diz o pesquisador. "Ela cristalizou oposições entre modernidade e catolicismo, entre a lei de Deus e a lei dos homens".

Alguns temem que, agora, só os fiéis mais "identitários" se reconheçam nessa Igreja. "Pode-se esperar, dentro da Igreja, a uma tomada de poder por parte daqueles que, além do casamento para todos, estão muito mobilizados sobre as questões de família, de moral sexual, de gênero", afirma o sociólogo Jean-Louis Schlegel, que teme que "eles reproduzam o esquema intransigente de uma Igreja que faz o processo de ilegitimidade da sociedade moderna".

Para muitos, estes últimos meses chamaram a atenção para o problema da atitude de uma parte Igreja com relação à homossexualidade, uma atitude segundo a qual o homossexual é chamado à abstinência, e o casal homossexual é totalmente impensável. As desavenças entre os opositores católicos sobre a ideia de um contrato de união civil para os casais homossexuais demonstram esse desconforto.

Colocando-se na linha de defesa dos seus valores, a Igreja Católica, sem dúvida, perdeu a oportunidade de abordar esses problemas de uma maneira nova.