Por: André | 12 Abril 2013
Apenas um mês depois da eleição de um novo Papa se completará meio século de outro fato transcendental na história da Igreja católica: a publicação, em 11 de abril de 1963, da encíclica Pacem in Terris, promulgada por João XXIII e que determinou a doutrina política que, segundo o Papa, devia possibilitar a instauração da paz mundial e a superação dos conflitos próprios da guerra fria; uma paz que só seria possível fundamentada nos princípios da igualdade e da liberdade.
A reportagem é de Jordi Amat e publicada no jornal espanhol La Vanguardia, 03-04-2013. A tradução é do Cepat.
Talvez a origem mais próxima daquela primavera de esperança seja a aterradora convicção, compartilhada por milhões de homens e mulheres, de que se havia entrado na definitiva fase de autodestruição. Outubro de 1962: crise dos mísseis em Cuba. No dia 22, o presidente Kennedy se dirigia, pela televisão, aos seus concidadãos para mostrar-lhes que a União Soviética estava com mísseis na ilha caribenha e que apontavam para os Estados Unidos. “Ordenei às Forças Armadas para que estivessem prontas para qualquer eventualidade”. Nunca como então, ao longo da guerra fria, foi tão próxima a sensação de estar diante do abismo. No dia 28, às 17h e através das ondas da Rádio Moscou, o presidente Nikita Kruschev leu uma carta dirigida a Kennedy na qual confirmava a decisão de abandonar as armas para “acabar o quanto antes com o conflito que ameaçava a causa da paz”. Dois dias depois, em uma nova carta a Kennedy, o líder soviético lhe dizia que “as pessoas sentiram claramente o calor das chamas da guerra termonuclear e estão mais conscientes do perigo que está sobre suas cabeças caso não pusermos fim à corrida armamentista”.
Não é exagerado pensar que durante aquela semana se fundou um período novo da história contemporânea. Tempo de distensão. Ainda não era o irracionalismo hippie nem a nova esquerda radical nem a mutação anárquica do 68. A libertação do medo não demorou em dar frutos memoráveis. Abril de 1963. Hora da paz e da justiça.
Pacem in Terris
Em 21 de outubro de 1962, havia começado o terceiro encontro das Darmouth Conference sobre a paz, ponto de encontro de intelectuais que desde 1960 pretendiam criar um fórum de diálogo estável e informal entre a União Soviética e os Estados Unidos capaz de influir nos respectivos governos. No dia 22, jornalistas e acadêmicos do leste e do oeste ouviram juntos a beligerante declaração, por televisão, de Kennedy. Parece que o dominicano Felix Morlion – promotor do ecumenismo, que durante a Segunda Guerra Mundial havia facilitado a fuga de judeus da Alemanha – expôs aos reunidos que João XXIII poderia atuar como mediador no conflito. Como conta Hilari Raguer em Réquiem pela Cristandade, o Vaticano se converteu em uma das pontes através das quais Washington e Moscou iniciaram as conversações que possibilitariam a quebra de gelo.
O Papa convenceu-se de que sua intervenção havia sido determinante na resolução do conflito e dessa convicção surgiu seu propósito de publicar uma encíclica que sintetizasse qual era a doutrina política que possibilitaria a instauração da paz mundial. Mons. Pavan – professor de Sociologia da Pontifícia Universidade Lateranense – encarregou-se de buscar os especialistas que a redigissem, trabalho que o próprio Pontífice corrigiu. Em 11 de abril de 1963, que coincidiu com a Quinta-feira Santa e caiu em plena realização do Concílio Vaticano II, foi publicada a Pacem in Terris em vários idiomas (inclusive o russo). A encíclica, mais que aspectos teológicos ou doutrinais, enraizava a ética cristã no presente e, sobre a base da fé, interpelava os cidadãos do mundo, quer fossem crentes ou não. Era um texto moderno e comprometido.
A argumentação papal se desenvolvia a partir do princípio de que a pessoa, dotada de direitos e deveres, é o eixo da convivência. Para poder viver de maneira digna, essa pessoa devia dispor de meios justos e indispensáveis que são condição necessária para a existência do bem comum. São os poderes públicos de cada comunidade política – poderes dos quais os cidadãos deveriam participar – que devem garantir aqueles meios e, em consequência, a igualdade essencial entre cidadãos (independentemente de sexo, raça ou pertença a uma nacionalidade não dominante dentro de um mesmo Estado). A encíclica, estabelecidas as relações entre indivíduo e comunidade – incluindo a defesa da separação ilustrada de poderes –, ainda dava outro passo: extrapolava a correlação pessoa/comunidade às relações entre diferentes comunidades políticas para acabar postulando a criação de uma comunidade mundial na qual os direitos e deveres básicos fossem por todos compartilhados e assim o ideal da paz fosse uma realidade na terra.
A Pacem in Terris, sincronizada com os sinais dos tempos, incluiu a condenação do racismo, vinha para apoiar os processos de descolonização, clamava pelo desarmamento nuclear e destacava a incorporação da mulher na vida pública (fazia dois meses que Betty Friedman havia publicado o importante livro Mística Feminina).
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Pacem in Terris, uma encíclica para o fim da guerra fria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU