02 Abril 2013
Neste momento da história cristã – iniciado pela sábia e corajosa renúncia do Papa Bento XVI –, precisamos de um "novo Niceia", uma nova tentativa para unificar o povo de Deus com coragem e criatividade.
A opinião é do teólogo norte-americano Mark Etling, professor da Escola de Estudos Profissionais da St. Louis University e também colaborador dos Missionários Oblatos de Maria Imaculada de Belleville, Illinois, EUA. O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 31-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Quando o imperador romano Constantino convocou o Concílio de Niceia, em 325 d.C., tanto a Igreja quanto o império estavam em um estado de incerteza e instabilidade. Um pouco mais de uma década antes, Constantino havia legalizado o cristianismo, porque ele reconheceu o crescente poder social e financeiro dos cristãos no seio do império. Mas a controvérsia, o tumulto e a violência assolavam algumas questões teológicas não resolvidas. A principal delas era a questão da relação de Deus Pai e o Filho. Como o cristianismo podia fazer a afirmação de que Deus é um e ao mesmo tempo afirmar a divindade do Filho? Nesse sentido, como o cristianismo podia afirmar que Jesus, um ser humano, também era o divino Filho de Deus?
Os cerca de 300 bispos que se reuniram em Niceia seguiram um caminho criativo que abriu precedentes para resolver as questões diante deles.
Primeiro, a perceptível necessidade de unidade entre as mais diversas comunidades cristãs do império levou a criar fórmulas de credo que excluíam o dissenso – e os dissidentes. Os bispos queriam criar a unidade na Igreja – e ajudar a mantê-la no império – estabelecendo claramente no credo quem estava "na" Igreja e quem estava "fora". O Concílio optou por um caminho "ou-ou" para determinar quem podia chamar-se cristão de fato. A sua mensagem era clara: acredite desta forma, ou você está fora.
Segundo, a ambiguidade de certas afirmações bíblicas sobre a relação entre o Pai e o Filho motivou os padres conciliares a incorporar criativamente termos e categorias filosóficos no credo. O mais conhecido deles é a palavra homoousious, "um em ser" ou "consubstancial", que os bispos usavam para descrever a relação entre o Pai e o Filho.
Terceiro, o próprio fato de os bispos se reunirem estabeleceu o Concílio geral como um modelo para resolver importantes questões doutrinais na Igreja romana.
Agora, quase 17 séculos depois, estamos em outra encruzilhada. Os católicos estão profundamente divididos sobre questões de teologia, autoridade, interpretação bíblica, tradição e direito canônico. Os desenvolvimentos em arqueologia, exegese bíblica, pesquisa histórica, psicologia e outras disciplinas fazem-me pensar se o Credo Niceno continua sendo suficientemente elástico para incorporar as verdades do cristianismo da forma como elas – e os cristãos que o recitam – evoluíram.
Neste momento da história cristã – iniciado pela sábia e corajosa renúncia do Papa Bento XVI –, precisamos de um "novo Niceia", uma nova tentativa para unificar o povo de Deus com coragem e criatividade mediante o veículo de um Concílio geral.
A principal diferença entre o novo Niceia e o primeiro, no entanto, é que, desta vez, a Igreja pode construir a unidade através de uma abordagem inclusiva "e-e", em vez de uma postura exclusivista "ou-ou".
Minha lista de itens da pauta para o novo Niceia é excessivamente ambicioso. Mas a oportunidade que esta agenda apresenta para unificar e dinamizar a Igreja é igualmente enorme. Ela inclui:
• Uma afirmação mais atualizada sobre Deus. Nossa compreensão nova e em rápida mudança do universo, nossa consciência cada vez mais profunda das crenças sobre Deus em outras tradições religiosas, as questões profundamente perturbadoras sobre a vontade e a capacidade de Deus de impedir tanto os males morais quanto naturais – tudo isso desafia a Igreja a se concentrar mais em Deus como mistério, desconhecido e incognoscível, e menos em Deus como o Ser Supremo eternamente imóvel, onisciente e todo-poderoso do neoplatonismo do século IV.
• Uma compreensão mais ampla de Jesus. Os estudos bíblicos modernos têm revelado muito sobre a vida e o ministério de Jesus – como judeu, como rebelde social, como líder do movimento do reinado de Deus –, e isso deve ter o seu lugar ao lado das afirmações tradicionais sobre geração, consubstancialidade e encarnação.
• Uma compreensão mais ampla da salvação. A ortodoxia nicena se focou na morte e na ressurreição de Jesus como os eventos soteriológicos definidores. Estava implícita nessa asserção a crença de que a humanidade precisava ser, e foi, salva do pecado mediante a cruz e a ressurreição. Mas estudos recentes têm nos mostrado que a salvação do pecado mediante a morte e a ressurreição não era o único paradigma soteriológico entre os primeiros cristãos. Da mesma forma, a filosofia existencialista contemporânea e a psicologia clínica levaram ao desenvolvimento de um modelo de integridade pessoal que se foca no autoconhecimento mediante terapia e introspecção como a chave para a saúde e o bem-estar mentais. Com base nesses avanços, deve-se incluir uma ampliação da nossa compreensão da salvação para incluir os ensinamentos de Jesus sobre a necessidade de superar a ignorância sobre si mesmo para expandir a nossa compreensão da salvação.
• Uma compreensão mais ampla de revelação. A Igreja primitiva determinava que a revelação de Deus em Cristo chegou ao fim com a morte do último apóstolo. A fim de combater a ameaça dos gnósticos, a Igreja primitiva afirmava que os ensinamentos autênticos de Jesus foram recebidos e compreendidos apenas pelos apóstolos, e que essas verdades continuam a ser comunicados acuradamente e com autoridade apenas pelos seus sucessores, os bispos. Sem negar a sucessão apostólica, a Igreja deve afirmar que a vontade de Deus continua sendo revelada hoje a qualquer e a todos os que buscam sinceramente a Deus.
• Uma compreensão mais ampla da autoridade e do ministério. Escritos cristãos primitivos recentemente descobertos, como o Evangelho de Maria, indicam que as mulheres tinham papéis de liderança proeminentes na Igreja primitiva – papéis que foram suprimidos ao longo do tempo. O novo Niceia poderia ter um outro olhar sobre como e por quem a autoridade é exercida na Igreja, e sobre quem pode ser ordenado para o ministério litúrgico na Igreja.
• Um cânone expandido da Escritura. Sem alterar o cânone atual, a Igreja deveria empreender uma revisão cuidadosa daqueles textos considerados heréticos pela Igreja primitiva – por razões que podem ter feito sentido à época – e expandir o cânone das Escrituras cristãs para incluir escritos que são coerentes com os entendimentos renovados sobre Deus, Jesus, salvação, revelação e autoridade descritos acima.
• Um novo credo. Dado todo o exposto, não seria o momento de a Igreja formular um novo Credo Niceno – um credo para o século XXI, que articule as crenças centrais do cristianismo da forma como as temos compreendido e afirmado desde que o Credo de Niceia foi concluído em 381? De fato, o novo Credo Niceno não seria absolutamente "novo" – ele incorporaria a compreensão mais profunda e mais completa dos mistérios cristãos que 17 séculos de pesquisa, reflexão e experiência de vida, sob a orientação e a inspiração do Espírito Santo, nos deram.
Um novo Concílio de Niceia é uma oportunidade de ouro para que a Igreja torne os seus principais ensinamentos mais relevantes e transformadores, tornando-os menos exclusivos e mais inclusivos. Este é o nosso momento – a nossa chance para construir uma mesa maior para o banquete do Senhor.
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Chegou a hora de reunir todos os católicos em um novo Concílio de Niceia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU