21 Fevereiro 2013
Fazer campanha aberta ao papado não é apenas um tabu, mas também algo geralmente fatal. A maioria dos cardeais são da opinião de que, se alguém realmente quer o cargo, eles não têm nenhuma ideia do que se trata.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 17-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por outro lado, às vezes as circunstâncias se alinham para empurrar alguém para a ribalta, criando uma oportunidade tanto para aumentar ou diminuir as suas perspectivas eleitorais, mesmo que não seja oficialmente essa a finalidade do que acontece.
Nestes dias, um desses papáveis entra em cena, na pessoa do cardeal italiano Gianfranco Ravasi, um biblista, ensaísta e onívoro intelectual de 70 anos.
Da noite de domingo passado até o próximo sábado de manhã, Ravasi irá pregar os Exercícios Espirituais da Quaresma para a Cúria Romana, um retiro anual durante o qual o Vaticano mais ou menos se confina, enquanto a sua equipe se reúne na capela Redemptoris Mater, no Palácio Apostólico.
Ravasi é filho de um funcionário fiscal antifascista, que se perdeu do jovem Ravasi durante 18 meses depois de desertar do Exército durante a Segunda Guerra Mundial. Em uma reflexão tipicamente ornamentada, Ravasi disse mais tarde que a sua busca ao longo da vida por permanência provavelmente está relacionada com a sensação precoce de perda.
Enquanto trabalhava em seu doutorado no Pontifício Instituto Bíblico, Ravasi passou um tempo na Turquia, no Iraque, na Síria e na Jordânia, em escavações arqueológicas, e mais tarde atuou como prefeito da prestigiosa Biblioteca Ambrosiana de Milão. Entre aqueles que conhecem Ravasi, o seu pendor pela alusão literária é lendária; raramente ele consegue falar por mais de cinco minutos sem citar fontes selvagemente diversas, como Santo Agostinho, Isaac Newton, Vladimir Nabakov e a liturgia ortodoxa russa.
Apesar de sua formação prodigiosa, Ravasi tem um forte tato popular. Na sexta-feira à noite, em Roma, ele proferiu algumas reflexões sobre Albert Camus na igreja jesuíta Del Gesù, que se esforçou para conter uma multidão que a lotava.
Ravasi foi convidado para conduzir o retiro desta semana, oferecendo uma série de reflexões espirituais sobre os Salmos, muito antes de Bento XVI anunciar a sua decisão histórica de renunciar ao papado. O momento propício, no entanto, significa que Ravasi agora tem uma rara oportunidade para causar uma impressão final sobre os outros cardeais da Cúria Romana, que certamente estão entre os fazedores-de-rei no iminente conclave. Além disso, suas palavras certamente irão circular na forma de resumos escritos e retransmissões pela Rádio do Vaticano, dando ao mundo inteiro um olhar indireto de uma semana sobre o homem que poderia ser papa.
O que se segue é um artigo que eu publiquei sobre Ravasi em setembro passado, que fornece algumas informações de pano de fundo sobre uma figura que pode ou não ser um sério candidato ao papado, mas que, indubitavelmente, é uma das personalidades mais intrigantes que irão entrar na Capela Sistina em algum dia de marco.
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Roma, 11 de setembro de 2012
Você pode ter certeza de que o homem mais interessante da Igreja Católica, em todos os níveis, hoje, é o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura do Vaticano.
Imperturbável tanto pela turbulência interna do Vaticano, quanto pelas tensões mais amplas da vida católica, o hipererudito Ravasi continua marchando ao ritmo do seu próprio tambor, avançando no diálogo com o mundo da arte, da ciência e da cultura. Em um momento em que as relações entre a Igreja e a sociedade secular é amplamente percebida como em fase de deterioração, o projeto "Átrio dos Gentios" de Ravasi, destinado a fomentar os laços com os não crentes, é, talvez, a autoridade oficial em andamento mais corajosa ou mais quixotesca.
Duas notícias recentes oferecem lembranças do lugar único que Ravasi, 69 anos, ocupa na paisagem atual.
Primeiro, o "Átrio dos Gentios", que já organizou eventos de alto nível em Bolonha, Paris, Bucareste e Tirana, chega nesta semana naquele que poderia muito bem ser considerado como o coração do secularismo: Estocolmo, Suécia. (De acordo com uma pesquisa Gallup de 2009, a Suécia, de fato, é classificada como o país "menos religioso" da terra, pelas baixas taxas de participação em serviços da Igreja, juntamente com altos percentuais da população que não professa nenhuma crença ou filiação religiosas).
A ideia do "Átrio dos Gentios" é de ir ao encontro dos não crentes, mas, neste caso, pode-se dizer que Ravasi está percorrendo todo o caminho até esse encontro, engajando-se com o pensamento e a cultura seculares em uma de suas fortalezas.
O programa dos dias 13 e 14 de setembro irá pôr Ravasi e outros pensadores católicos em diálogo com uma grande diversidade das principais luzes intelectuais da Suécia sobre estas questões: "Pode-se escolher um 'Mundo sem Deus'? Até que ponto a pessoa humana pode ir no campo da criação? Há limites e, em caso afirmativo, quais são eles?".
Um dos locais do encontro será a Real Academia Sueca de Ciências, o órgão que concede os prêmios Nobel.
Ravasi introduziu o programa no domingo com um longo artigo no Avvenire, o jornal da Conferência Episcopal Italiana. Em um típico floreio, a maior parte do texto consistia em reflexões de Ravasi sobre três romancistas suecos contemporâneos – cujos livros, para todo o mundo, soavam como se ele realmente os tivesse lido.
Dentre outras pepitas, Ravasi observou que, talvez, definir o projeto como um diálogo com "não crentes" coloca obstáculos retóricos de forma inútil. Ele citou Thomas Hammarberg, um sueco e ex-comissário europeu para os Direitos Humanos, que não é um crente religioso, mas que objeta a termos como "ateu", "agnóstico" e "não crente", com base em que "todos nós , de algum modo, temos uma fé".
Ravasi também observou que a iniciativa de Estocolmo tem um componente ecumênico óbvio, já que a Suécia é um país luterano, e até 2000 a Igreja Luterana da Suécia era a Igreja estatal oficial. Ravasi disse que Antje Jackelén, a bispa de Lund, não será apenas uma entusiasmada participante do projeto do Átrio, mas que ela também convidou Ravasi a ser um membro permanente de uma associação teológica por ela fundada para a proteção do meio ambiente.
Ravasi terminou o seu artigo com uma citação familiar de Nietzsche, que serve como uma espécie de lema não oficial para a iniciativa do Átrio: "Só uma pessoa de fé profunda pode se dar ao luxo do ceticismo".
Em outro fronte, Ravasi também confirmou que o Vaticano, na forma do seu Pontifício Conselho para a Cultura, irá ter seu pavilhão próprio na edição de 2013 do famoso Festival de Veneza, conhecido como a "Bienal de Veneza", por ser realizada a cada dois anos . O Vaticano irá usar o seu espaço para hospedar artistas conhecidos cuja obra reflete, de alguma forma, sobre os primeiros 11 capítulos do Gênesis.
Embora Ravasi não tenha confirmado quais serão esses artistas, uma notícia da última segunda-feira na imprensa italiana sugeriu que os nomes em análise incluem o pintor e escultor grego Jannis Kounellis; o videoartista norte-americano Bill Viola; e o escultor britânico nascido na Índia, Anish Kapoor. Nenhum deles, aliás, é católico.
Para Ravasi, possuir um pavilhão em um grande festival internacional de artes não é marketing. É uma forma concreta de mostrar que a Igreja tem algo a mais a oferecer aos artistas do que moralização ou desaprovação – que ela quer um diálogo, também, para além das polêmicas habituais.
O evento "Átrio dos Gentios" desta semana provavelmente não vai provocar uma grande repercussão midiática, em parte porque os temas são abstratos e não material de textos curtos, e em parte porque qualquer furo jornalístico da atividade vaticana provavelmente será dominado pela viagem de Bento XVI ao Líbano, entre os dias 14 e 16 de setembro.
Mesmo assim, tanto Estocolmo quanto o vindouro Festival de Veneza são iniciativas intrigantes e consolidam o perfil de Ravasi como uma figura para acompanhar.
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Gianfranco Ravasi, ''o homem mais interessante da Igreja'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU