17 Dezembro 2012
Mounier interroga a história. Ele sublinha que, na origem do cristianismo, estabeleceu-se um dualismo entre cristianismo e civilização. Tem-se, portanto, uma dupla corrente: "Uma é o caminho da Igreja, a vida cristã", a outra, o da civilização.
A análise é do filósofo francês Guy Coq, presidente da Associação dos Amigos de Emmanuel Mounier e membro de redação da revista Esprit. O artigo foi publicado no jornal Avvenire, 15-12-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A polêmica da laicidade na França depois da guerra se centrou na questão da escola católica. Foi precisamente sobre essa tensão que a revista Esprit publicou em março de 1949 um dossiê considerável: "Propostas de paz para a escola". No pós-guerra, a diatribe sobre o funcionamento da escola católica com a participação do Estado perturbaria o debate democrático. Seguir-se-ia disso uma aliança impossível entre a democracia cristã (MRP) e o Partido Socialista.
A equipe da Esprit se orientava para a autonomia de um sistema de ensino descentralizado e unificado, gerido por uma estrutura tripartite: Estado, trabalhadores, famílias. O projeto tinha um acento utópico, mas o dossiê teve o efeito de fazer conhecer melhor a escola laica para os católicos ligados à escola confessional, e a escola confessional aos defensores da escola laica.
Pouco depois desse dossiê, a Esprit publicou um significativo artigo intitulado "O cristianismo e a laicidade", escrito por Joseph Vialatoux, professor no ensino superior católico e André Latreille, professor da universidade estatal.
Esse texto obteve uma acolhida considerável, e não somente no mundo católico. Talvez é o assunto mais forte, porque os católicos jogam sem reservas a carta da laicidade e, ao mesmo tempo, uma reflexão sólida sobre o sentido da laicidade. Alguns que não o leram o conhecem com uma fórmula muitas vezes repetida e comentada: "A laicidade expressa juridicamente a liberdade do ato de fé". Esta é, portanto, a sua "projeção jurídica".
Isso se explica, dizem os autores, pelo fato de que ela supõe que o Estado reconheça os seus limites: as opções últimas estão além da sua competência. É, portanto, ilegítimo por sua parte pretender "empenhar o espírito no âmbito da sua liberdade mais profunda".
Além disso, os autores respondem àqueles que poderiam suspeitar que a laicidade provoca um enfraquecimento das certezas. Estas podem ser afirmadas plenamente, mas no respeito absoluto da liberdade de crer ou de não crer, sem o que o cuidado da verdade é ilusório. É impossível ter acesso à verdade da fé se não se é livre.
O velho argumento clerical da articulação entre as teses e as hipóteses cai por terra. Ele consistia em dizer: idealmente, os cristãos esperariam que o Estado fosse cristão, essa é a tese. Mas a hipótese defende: os desafios da história fazem com que a sociedade se caracterize por uma pluralidade de religiões, portanto deve-se tolerar o Estado laico, esperando poder reencontrar o Estado cristão. Essa é a "tolerância mal suportada".
Os autores criticam uma espécie de desprezo pela liberdade, uma negação da liberdade religiosa. Mas se levarmos a liberdade ao coração do raciocínio, a própria ideia de um Estado religioso se torna inaceitável.
A laicidade é desejável em si mesma, até do ponto de vista do crente: "Não se trata mais, portanto, de dizer que uma autêntica laicidade é aceitável pela Igreja, assumindo uma atitude puramente negativa, como se se recuasse diante de um ataque e se confessasse a retirada tirando o melhor proveito disso. É típico de quem está em exílio da interioridade. É supor que o católico não quer plenamente essa laicidade e que a tolera, sempre à espera do dia em que poderá suprimi-la em nome da sua religião. É preciso dizer que uma autêntica laicidade deve ser desejada e querida pelo cristianismo, seja pelas vantagens que a vida da civilização humana dela obtém, seja pelas vantagens que a vida de fé dela obtém".
Em um texto muito importante, em que se enfatiza o acordo com esse título e com a orientação anunciada, Henri-Irénée Marrou afirma: "Estamos prestes a interromper na história da Igreja aquele parêntese aberto com a conversão de Constantino, ou, talvez, mais precisamente, no que se refere ao Ocidente, com as invasões bárbaras: a cristandade". Foi possível encontrar essa ideia nas dobras do Vaticano II.
Muitos textos retomados por Mounier desenvolvem, sem saber, a perspectiva em que o Concílio se situaria, no momento certo. O interesse e a modernidade da abordagem que caracteriza Mounier é o fato de que ele se coloca, como Marrou, do lado da civilização.
A questão fundamental, então, se torna: o objetivo do cristianismo consiste em construir uma civilização cristã? Marrou esclarece o sentido da pergunta, ou seja, "uma civilização em que tudo, instituições, técnicas, costumes, objetivos se submetam à verdade cristã, como um meio para o seu fim, ou melhor, como fins subordinados a um fim de ordem superior?".
Para responder à pergunta, Mounier interroga a história. Ele sublinha que, na origem do cristianismo, estabeleceu-se um dualismo entre cristianismo e civilização. Tem-se, portanto, uma dupla corrente: "Uma é o caminho da Igreja, a vida cristã", a outra, o da civilização.
Nos primeiros séculos, os cristãos se integraram na civilização romana... salvo em um ponto, a idolatria (paganismo). Mas "tudo ocorreu como se a moral cristã não pressionasse o direito e as instituições". Quanto à influência considerável dos monges, desde os primeiros tempos da Idade Média, sabemos que eles fundaram cidades, desenvolveram a agricultura, criaram uma civilização agrícola. A Igreja "se insere nas estruturas temporais (século VII), a ponto de ceder a elas antes da reforma gregoriana", mas se chegaria a teorizar tal confusão entre Igreja e governo do mundo apenas muito mais tarde. No entanto, o projeto teocrático não se realizou: sempre houve dois poderes, duas sociedades. A utopia teocrática permanece substancialmente uma tentação.
Dessa síntese histórica do qual deu apenas um leve evocação, Mounier tira uma conclusão iluminadora: "O que mais inquieta é a ausência de intenção de realizar uma civilização de marca cristã, desejada e busca como civilização original, a ponto de olhar para um reino estranho a este mundo, embora comece a partir deste mundo e utilize os meios deste mundo".
É preciso concluir com uma radical indiferença do cristianismo pelo destino da civilização e pelo o futuro da cidade dos homens? Absolutamente não. O desprezo pelo sensível e pelo tempo não é cristão: "Não devemos trazer o espiritual para o temporal. Ele já está lá. O nosso papel é o de descobri-lo e de fazê-lo viver, de comunicá-lo de forma adequada. O que é temporal, na sua inteireza, é o sacramento do Reino de Deus".
De fato, a influência do cristianismo sobre a civilização foi considerável, mas não se desenvolveu segundo um modelo de domínio que tende a impor a ideia de cristandade. Mounier acrescenta: "Como religião da universal imitação de Cristo encarnado, o cristianismo pede ao ser humano uma presença ativa em tudo o que é temporal".
A questão a que Mounier consagra uma boa parte da sua reflexão: como o cristianismo influenciou para otimizar o processo de civilização? O adendo é claro: como devem ser pensadas hoje as relações entre cristianismo e civilização? Seria preciso percorrer os detalhes da análise. Mounier fala de uma influência da fé cristã, que se exerce de modo lateral, indireto, ondulante. E ele insiste no fato de que é a fé que atua, e não o poder político da Igreja. De fato, a rejeição do culto a César acaba desestabilizando o império e, com o tempo, o "dai a César" abalará a confusão entre política e religião.
É quando o cristianismo se aprofunda e se enraíza verdadeiramente no Evangelho que dá o melhor de si à civilização. A influência do cristianismo se exerce às vezes de modo negativo por "dissociação". De fato, ele não contém nenhuma rejeição total de Roma, mas combate a idolatria e tende a dissociá-la do poder. "De agora em diante, onde quer que se reconstrua o Estado-Moloch, o cristianismo, incansavelmente, injetará o seu poder dissociador".
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Mounier e o desafio da civilização cristã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU