26 Setembro 2012
Torino Spiritualità, o festival dedicado ao espírito, que será realizado nos dias 26 a 30 de setembro, se concentra neste ano sobre o tema da alegria. Filósofos, sábios e escritores tentam indagar em uma chave diferente para compreender a nós mesmos e a contemporaneidade.
A reportagem é de Maurizio Crosetti, publicada no jornal La Repubblica, 25-09-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A sabedoria do sorriso, esse é o fio no labirinto do Torino Spiritualità 2012. O sorriso que ensina, acolhe, conta e cura. Tentamos nos orientar com a ajuda de Moni Ovadia e de Enzo Bianchi, o grande autor e ator e o monge prior de Bose. Na quietude do mosteiro, interrompida apenas pelo toque de uma tímida campainha, os primeiros sorrisos se desenham justamente nos seus rostos. E dizem muito.
Eis a entrevista.
Em que consiste, em sua opinião, "a sabedoria do sorriso"?
Moni Ovadia – No início da aventura do monoteísmo judaico, há uma anunciação que precede em 1.500 anos a cristã. Abraão, circuncidado e centenário, está em comunicação com o divino e fica sabendo que a sua esposa, Sara, 90 anos e estéril, lhe dará um filho. Em sua reação, Abraão cai na gargalhada, é óbvio que não acredita, enquanto o riso de Sara é mais vergonhoso, mas não menos cético. Nove meses depois, o Santo Bendito se apresenta para anunciar que o nascituro se chamará Isaac, nome que em italiano diz pouco, mas que em hebraico é o futuro do verbo rir. Ei-lo, o filho para aqueles dois que tanto riram no momento da Anunciação. A identidade judaica é uma explosão de risos, como o abrir-se à utopia, ao curto-circuito entre sentido e contrassenso. Talvez, a risada judaica comece com Caim, que pergunta: "Sou talvez o guarda do meu irmão?", depois de tê-lo matado. Mas Deus capta a provocação, dizendo: "Que ninguém toque em Caim".
Enzo Bianchi – Nós, cristãos, somos sempre surpreendidos por como os judeus, lendo a Bíblia, são capazes de humor e de sorriso. O Novo Testamento nunca diz que Jesus riu ou sorriu, mas lembro que Pasolini no Evangelho segundo Mateus faz abrir um grande sorriso no rosto de Jesus no momento da entrada em Jerusalém, na presença das crianças. Quando eu vi essa imagem, foi como uma revelação. Os cristãos, ao contrário dos judeus, não são capazes de sorrir de Deus, nem de brigar com ele. Os únicos que sorriem para Ele são os chamados "santos loucos", especialmente na tradição ortodoxa, personagens que hoje chamaríamos de perturbados. Pregadores nus, com a garrafa na mão, capazes de cuspir nas velas para apagá-las ou de abraçar os muros dos prostíbulos: provocadores, dessacradores do poder. Alguns até mesmo modelos de virtude. Melhor eles do que um certo sorriso estereotipado das imagenzinhas e produtos religiosos.
O Deus da Bíblia muitas vezes é cruel e vingativo, nunca sorri. Por quê?
Moni Ovadia – Trata-se de um grande equívoco, fruto de leituras erradas e de traduções aproximativas. O famoso estilo vingativo de Deus nada mais é do que a tentativa extrema de pôr o ser humano diante do seu destino. No uma ameaça, mas sim um grito de apelo. Algumas vezes, parece até que Deus levanta as mãos e se rende diante de certas brigas humanas, quando o põem no meio como juiz, e ele ri com misericórdia, certamente não com maldade. Deus talvez pode ser mau?
Enzo Bianchi – No Antigo Testamento, há fortes imagens de cólera divina, a proverbial ira de Deus. Não sabemos suportá-la, mas devemos entender que essa linguagem revela a paixão de Deus, a sua emotividade. Deus sabe se indignar, é um apaixonado pelo bem. Mas quando promete a Noé que não mandará outro dilúvio e, ao invés, olhará para o arco-íris como um arco deposto entre as nuvens, como não imaginar o seu sorriso? Quem de nós pode observar o fim da tempestade e o retorno da serenidade sem sorrir? Enquanto o ser humano está aqui, na Terra, Deus não pode castigá-lo, senão lhe tiraria a liberdade. Somos nós que erramos o caminho, quando isso acontece. E ninguém é enviado para o inferno com nome e sobrenome, enquanto há pessoas que são mandadas para o paraíso, os santos.
O sorriso é muitas vezes confundido com fraqueza, quase como um preconceito redutivo. Como se fosse uma forma de delicadeza. Isso não é profundamente injusto?
Moni Ovadia – É como o equívoco oposto, isto é, confundir seriedade e seriosidade. Ou não sorrir, mas sim ridicularizar ou zombar. Há frágeis limites. Há quem ri para ofender, há que zomba as mulheres ou os pobres. Há o sorrido hipócrita, falso. Como não sorrir, ao invés, cheios de luz, diante de certos comportamentos geniais das crianças? O riso judaico é de outra natureza, muitas vezes nasce da tragédia, é uma centelha de luz que desloca. Mas é sempre leveza e saúde, não pesadez e doença. Não causa risos, talvez, o fato de que o povo eleito foi composto pelos últimos dos últimos, e liderado por um profeta gaguejante como Moisés? Por isso, Deus colocou Aarão ao seu lado, que, ao invés, tinha a língua solta: eram como os dois policiais.
Enzo Bianchi – O sorriso nunca é frágil. Para sorrir, é preciso um grande domínio do coração, é preciso exercitar-se muito. É zombar ou ridicularizar, o meu amigo Moni tem razão, ou exibir um meio sorrisinho de superioridade. Mas o verdadeiro sorriso é acolhida, é abertura do rosto ao outro: movem-se todos os músculos da face, e os olhos se abrem mais. O verdadeiro sorriso fala sem necessidade de palavras, ao invés, as precede, senão é apenas egoísmo e frieza. A linguagem do sorriso é a mais carnal, a mais corpórea: ninguém pode dizer bom dia de "cara amarrada". Infelizmente, trocou-se a bondade pelo "bonismo", e isso é diabólico, é como despojar o ser humano das suas mais profundas capacidades. O mesmo tratamento reservado à mansidão. Eu penso que a verdadeira crise não é a falta de fé em Deus, mas sim nos outros. Fé e confiança são a mesma palavra na Bíblia. E os outros se acolhem sorrindo.
Qual é a sua relação pessoal com o sorriso?
Moni Ovadia – Eu, como autor e ator, faço coleção de sorrisos. Eu tenho o privilégio de me encontrar com muitas pessoas, e quando eu sorrio é como se lhes abrisse a porta. Não mando ninguém embora. Entendo como foi o espetáculo a partir do sorriso do público. Lembro quando eu me apaixonei pela minha esposa, três anos antes de namorar: no início, ela me olhava como uma alcachofra. Depois, eu a revi, exatamente três anos depois, em uma festa, e a olhei sorrindo. Ela, um dia, me disse: ninguém, nem antes nem depois daquela vez, me sorriu como tu.
Enzo Bianchi – Eu sorrio de muito bom grado e ao mesmo tempo me agrada rir. Não de historinhas ou de piadas que eu não seu contar, mas sim do prazer da recordação com os amigos, da surpresa do passado. Educaram-me assim quando criança. Lembro de minha mãe já moribunda. Eu tinha oito anos, e ela me repetia: "Enzo, sorria". Nunca vou me esquecer disso. Mas devo admitir que também sou muito tentado pela cólera, especialmente diante da mentira e da injustiça: nesse caso, a minha face pode se tornar muito dura. E se na Bíblia nunca se fala do sorriso de Jesus, diz-se, ao contrário, que ele "endureceu o seu rosto" com relação a Jerusalém, quando viu os inimigos no horizonte, mas igualmente decidiu prosseguir.
Estamos cada vez mais rabugentos, vivemos de resmungos, insatisfações e lamentos contínuos. Um sorriso pode nos curar?
Moni Ovadia – Os judeus sabem sorrir de si mesmos até mesmo à beira do abismo. Aqui, no entanto, há pouco para rir, tudo é competição, individualismo e mercado. Não vivemos, sobrevivemos. Corre-se como hamsters na roda, o sorriso implodiu em uma careta ou se plastificou. Sem esquecer, além disso, aquela perversão que é o lifting: há pessoas embalsamadas em vida. Os faraós, ao menos, esperavam estar mortos.
Enzo Bianchi – Para tirar o "beiço", é preciso aprender a viver sem estratégias. É preciso reencontrar o estupor e a escuta, senão adoecemos. O rosto se deforma, e, depois dos 40 anos, não há mais nada a fazer, a boca se torna um lamentável "U" invertido. E depois dos 40 anos, como dizem os sábios, cada um tem a cara que merece.
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A sabedoria do sorriso. Entrevista com Moni Ovadia e Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU