Por: André | 01 Setembro 2012
Ao elaborar o conceito de um homem fundamentalmente bom, capaz de “piedade natural” em relação aos outros, Rousseau teve a intuição das descobertas mais recentes em psicologia social, especialmente aquelas sobre a empatia. Sua concepção de uma sociedade de competição, seu apelo por uma educação consciente das necessidades da criança eram igualmente visionárias... Mas até que ponto?
Entrevista com Jacques Lecomte, doutor em psicologia, professor na faculdade de ciências sociais do Instituto Católico de Paris, que acaba de publicar Bonté humaine. Altruisme, empathie, générosité [Bondade humana. Altruísmo, empatia e generosidade] (Odile Jacob).
A entrevista é de Pascale Senk e está publicada na revista francesa La Vie, edição n. 3489, 12 a 18 de julho de 2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Rousseau escreveu: “A natureza fez o homem feliz e bom, mas a sociedade o deprava e o torna miserável”. Com a distância que os séculos passados nos dão e as descobertas científicas, o que pensar desta concepção?
Antes de começar as minhas pesquisas sobre a bondade humana, eu associava a Rousseau o mito do “bom selvagem”. Ora, eu descobri que esta atribuição era falsa. Foi Montaigne quem desenvolveu a imagem de povos primitivos que viviam em harmonia. Rousseau emitia simplesmente a hipótese de um tempo anterior à vida em sociedade durante o qual o homem, essencialmente solitário, vivia sem moral interpessoal, na inocência. Sobre este estado original, os antropólogos não podem dizer grande coisa hoje. Todos os povos primitivos que estudados desde Rousseau viviam em sociedade, e seriam considerados por ele como “corrompidos”.
São assim como o filósofo os apresentava?
Não! Os antropólogos descobriram que, na maioria dos casos, especialmente entre os caçadores-coletores, são a paz e o sentimento da partilha que dominavam. Mesmo durante os períodos de fome, a ajuda mútua se impunha. Observou-se que os aborígenes, tendo encontrado uma baleia encalhada na praia, tinham o reflexo de alertar as outras tribos a fim de que elas pudessem usufruir igualmente do festim. Portanto, Rousseau se enganou, às vezes, por excesso de otimismo – imaginando um homem solitário e inocente –, mas também por pessimismo demais – ao atribuir à vida em sociedade todos os males.
Mas constatamos diariamente que o gosto de domínio, como o filósofo anunciava, divide os homens, provoca guerras...
Numa alegoria da caça aos cervos em seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, Rousseau descreve como, depois que estão reunidos com a finalidade comum de capturar este animal, caçadores podem se dividir se um deles vê passar uma lebre. Embora viva um dilema (“Devo continuar a cercar este cervo com os outros ou correr para pegar essa lebre para mim?”), é sempre, para Rousseau, a estratégia individualista que importa. Esse senso da propriedade é, segundo ele, a fonte de todos os males. Mas, as últimas descobertas em neurobiologia nos ensinam e provam antes sobre o prazer de cooperar. Imagens do cérebro mostram que as zonas da satisfação são ativadas quando somos generosos ou amorosos, ao passo que as zonas do desgosto, da aversão, no cérebro, reagem ao espetáculo da injustiça. Além disso, sua teoria de uma importância excessiva dada à vida material não condiz com os povos primitivos: eles encontram sua satisfação em coisas simples...
Mas nós ouvimos, recentemente, que “ter sucesso na vida (era) ter um Rolex”. É preciso reconhecer com Rousseau que a necessidade de posse material é uma motivação não igualada...
Isso não é tão certo assim! Nós realizamos vários estudos perguntando aos pesquisados: “Quanto dinheiro você precisaria para se sentir feliz?”. Independente de quais sejam suas rendas, os casais perguntados acreditam que 20% a mais seria a quantia ideal, o que é razoável. As testemunhas admitem, no entanto, que ao final de três meses com esse regime financeiro melhorado a necessidade de ter 20% a mais se reapresenta... É, portanto, uma corrida sem fim que Rousseau denuncia. Por outro lado, se a miséria ocasiona muitas vezes a desgraça, os estudos mostram que não é o dinheiro que traz felicidade, mas as relações interpessoais.
Sobre esse ponto dos sentimentos compartilhados entre os homens, Rousseau era visionário?
Ele era profético! Ele anunciou conhecimentos que seriam cientificamente estabelecidos dois séculos depois. Assim, sua definição de “piedade original” do homem, esta “repugnância inata a ver sofrer” seu congênere, corresponde àquilo que chamamos, hoje, de empatia, e cujos fundamentos se explicam na neurobiologia pela presença e ativação em cada um de nós dos neurônios-espelho. Estes entram em ressonância com o que experimenta uma pessoa que se fere ou que sofre diante de nós.
Outra intuição, sua visão de uma educação que se funda sobre as necessidades da criança. Era correta?
Rousseau, com seu Emílio, foi o primeiro a colocar a necessidade de se adaptar à criança para ajudá-la a crescer. Nesse sentido, ele é o precursor dos ensinamentos de Montessori... Em sua crítica de uma educação fundada apenas sobre a racionalidade, ele é visionário. Ele recomendava, entre outras coisas, que, até os dois anos, o caminho fundamental da aprendizagem da criança fosse feito pelos sentidos, especialmente graças a um contato aprofundado com a natureza. Ele evocava também a presença abnegada de um adulto perto do aluno, um preceptor único para acompanhar a criança em seu desenvolvimento dos dois aos 17 anos... Assim, para Rousseau, o professor não deve ser apenas um dispensador de saberes, mas um cocriador de laços. Hoje, estudos confirmam que os ensinamentos empáticos favorecem mais o desenvolvimento psíquico das crianças, e geram a criação de relações positivas em sua classe. Uma observação importante, entretanto: o filósofo preconizava a solidão da criança para favorecer as aprendizagens. Ora, essa é uma visão errônea que provém sem dúvida da vivência pessoal de Rousseau, de uma infância infeliz. Na realidade, as crianças gostam de estar e viver juntas, e a aprendizagem cooperativa dá melhores resultados do que a aprendizagem competitiva. Por outro lado, o espírito de competição não é natural, mas uma construção social.
Exatamente, não encontramos aí a hipótese rousseauísta inicial, a saber: que o homem é naturalmente bom?
Se Rousseau teve esta visão ideal da infância é porque eliminava totalmente a ideia do pecado original, assim como é explicado em sua Carta a Christophe de Beaumont, em 1762. Ele destacava que esta noção não aparecia nem na Bíblia, nem nas proposições de Jesus. O filósofo acreditava antes na faculdade de sindérese, esse princípio inato que nos guia para o bem e nos faz sentir remorsos quando cometemos o mal. Nesse sentido, uma vez mais, Rousseau é confirmado por um contemporâneo, Bento XVI. Este declarou em um discurso pronunciado em 2008: “O homem carrega em si uma capacidade específica: a de discernir o que é bom e bem. Colocado nele pelo Criador com um selo, a sindérese o induz a fazer o bem”. Uma concepção que perpassa todo o pensamento de Rousseau.
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“Rousseau descobriu aquilo que chamamos de empatia”. Entrevista com Jacques Lecomte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU