Por: André | 16 Julho 2012
O escritor uruguaio Eduardo Galeano afirmou que o impeachment do ex-presidente paraguaio Fernando Lugo foi claramente um golpe de Estado muito mal disfarçado, ao qual logo caiu a máscara e que são inúteis as pretensões de disfarçar isso quando dizem: “Bem, trata-se de um ato legal”. Galeano disse que até a sentença que declara Lugo culpado acaba evidenciando que não há provas, mas estas não são necessárias porque se trata de acontecimentos de domínio público. “Eles mesmos confessam que se trata de algo perfeitamente ridículo e é um ridículo a serviço dos interesses contrários à independência do Paraguai”, disse o autor de Os filhos dos dias [L&PM Editores, 2012] em uma entrevista à revista La Garganta Poderosa.
A reportagem está publicada no jornal argentino Página/12, 13-07-2012. A tradução é do Cepat.
Galeano ressaltou que o Paraguai foi arrasado por crimes de independência por ser o único país de fato livre, de fato independente, que não nasceu da dívida externa como nasceram outros países da América Latina. “O Paraguai tinha uma organização interna do trabalho e dos direitos dos trabalhadores, que era inviável para o resto dos latino-americanos. Aqueles que foram civilizar o Paraguai, e civilizar queria dizer arrasá-lo, sem deixar um só homem vivo, tinham exércitos formados por escravos, como foi o caso do Brasil, porque ali a escravidão era legal. A eles se prometia liberdade, que, além disso, era uma promessa não cumprida em quase todos os casos”, declarou.
“Além disso – prossegue Galeano –, no Paraguai não havia fome, nem analfabetismo e o que havia era um sentido de dignidade nacional. Depois da derrota, quando a Tríplice Aliança arrasou o país, perdeu isso; não perdeu, mas ficou moribundo, gravemente ferido, submerso, porque às vezes na história humana acontece o que se verifica com os rios. Que circulam, que correm pela superfície, mas também circulam submersos, não se pode vê-los, como no caso do rio Gareña na Espanha, que tem boa parte do percurso subterrâneo, mas isso não quer dizer que não exista. Na história, acontece o mesmo. Muitas vezes há coisas que não se vê, mas existe essa herança de dignidade. Os poucos sobreviventes do extermínio do Paraguai receberam o país mais heroico de todos. E os invasores acreditaram que em questão de semanas tomariam o país, mas levaram mais de cinco anos e sofreram muitas baixas, e um desenvolvimento enorme de sua dívida com os banqueiros que financiaram o extermínio”.
Sobre o porquê do acontecido no Paraguai agora, o escritor uruguaio esclarece: “porque houve um governo que quis recuperar essa tradição de dignidade, que, como dissemos, não estava morta, mas que estava circulando subterraneamente. Então Lugo tentou, muito timidamente, iniciar algumas mudanças para que o Paraguai voltasse a ser o país mais independente de todos, o mais justo. E isso foi um pecado imperdoável, do ponto de vista dos donos do poder”.
Na comparação entre o golpe no Paraguai e o ocorrido em Honduras em 2009, o escritor declarou que ares destituintes pairam sobre a região. “Simplesmente ocorre algo similar cada vez que há tentativas de mudar as coisas, porque isso se vive como uma ameaça sob o enfoque dos donos da ordem estabelecida, que não querem que nada mude. Eles veem isso como um perigo, uma ameaça, ainda que na realidade não representasse um perigo grave, porque nem em Honduras nem no Paraguai havia presidentes envolvidos em revoluções muito profundas. Apenas anunciaram que começavam a fazer, ou que tinham a intenção de fazer alguma reforma. Se isso bastou para derrubá-los, o que quer dizer é que é um veto, que suponho que vem de cima, que está para além dos governos, ou que há quem governe esses governos, governados do exterior e de cima. Os golpes vão se incubando aos poucos e com o apoio dos meios dominantes de comunicação”, afirmou Galeano.
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Paraguai. “Foi um golpe de Estado mal disfarçado”, segundo Eduardo Galeano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU