10 Julho 2012
Bento XVI visita um dos lugares da sua memória conciliar. Onde reforçou a sua amizade com Congar (na foto, à direita, ao lado de Ratzinger). E propôs uma imagem da missão da Igreja distante de toda propaganda de alistamento político ou religioso.
A reportagem é de Gianni Valente, publicada no sítio Vatican Insider, 08-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Que casa! Tudo acabado: mármore e revestimentos em madeira, ornamentados...". O teólogo dominicano Yves Congar, no seu diário do Concílio Vaticano II, conta com tons atordoados a impressão recebida da residência dos padres verbitas que, em duas ocasiões, nos primeiros meses de 1965, hospedou-o, juntamente com os bispos e teólogos encarregados de reescrever do zero o documento conciliar dedicado às missões.
Em Congar, a acolhida excelente oferecida pelos religiosos do Verbo Divino e do seu superior-geral, Johann Schütte, provocara até mesmo um arrepio de ascético constrangimento: "Uma mesa um pouco abundante demais. Não só nada de Quaresma, mas um verdadeiro excesso de tudo. À noite, reunião com licores. Evidentemente, é útil para criar uma atmosfera de cordialidade, e é por isso que o padre Schütte faz isso. Mas que despesa!".
Nessa casa religiosa, se realizará uma das poucas aparições públicas agendadas por Bento XVI para as próximas semanas. Visita repleta de sugestões: o papa idoso volta a um dos lugares mais recônditos da sua memória pessoal do Concílio. Reata os fios com o seu passado de jovem teólogo e perito conciliar. Imerge novamente por algumas horas nas recordações do clima vibrante dos brainstormings sobre os grandes temas da vida da Igreja que, entre 1962 e 1965, marcaram a sua intensa participação nos trabalhos do Concílio Vaticano II.
Naquela época, o que levou Ratzinger a Nemi foi o seu alistamento na comissão encarregada de redigir uma nova versão do texto sobre a atividade missionária, que depois seria submetido à aprovação da assembleia durante a última sessão conciliar. O esboço anterior havia sido rejeitado com furor pelos padres do Concílio. Entre os principais "coveiros" desse esquema estava o cardeal de Colônia, Joseph Frings, com argumentos elaborados juntamente com o seu conselheiro teológico, Joseph Ratzinger.
Quem havia solicitado a colaboração do próprio Ratzinger na escrita de um novo esquema De Missionibus havia sido justamente o geral verbita, Johannes Schütte. Era preciso robustecer a sistematização teológica do documento, depois que muitos padres conciliares haviam lamentado na assembleia o desconfortável achatamento das versões anteriores.
Na primeira reunião da comissão em Nemi, do dia 11 a 25 de janeiro de 1965, Ratzinger não esteve presente, mas no processo instrutório à disposição dos membros da comissão destacava-se um texto seu – recém-saído do forno – sobre o fundamento teológico da missão da Igreja (Considerationes quoad fundamentum theologicum missionis Ecclesiae). O documento, redigido em latim – e recentemente reproposto em um estudo do arquivista Piero Doria, publicado na revista do Centro de Estudos sobre o Vaticano II da Pontifícia Universidade Lateranense – inspirou algumas passagens do primeiro capítulo do decreto conciliar “Ad gentes”, dedicado aos princípios doutrinais da missão da Igreja.
Ainda hoje, em vista do Sínodo sobre a Nova Evangelização e do Ano da Fé, essa contribuição ratzingeriana de teologia missionária oferece intuições mais do que nunca atuais. Ainda em 1965, Ratzinger, então com 38 anos, escrevia com autoridade que a missão "não é uma batalha para capturar os outros e tomá-los para o próprio grupo". Para ele, a Igreja não se move para a missão por força própria. É o próprio Cristo que, atuando através da Igreja, atrai a si e ao Pai os corações dos homens. Mas precisamente isso torna necessária a missão da Igreja para a salvação de todas as pessoas: de fato, "nenhum esforço humano e nenhuma religião em si mesmos pode salvá-las, porque toda salvação vem de Cristo".
Ratzinger esteve presente na sessão de encerramento da comissão, realizada também em Nemi entre os dias 29 de março e 3 de abril de 1965. Na convivência intensa e nas horas de compromisso conjunto, ele experimentou afinidades e distâncias com os bispos e os peritos envolvidos com ele no trabalho de revisão. Naqueles dias passados na bela localidade dos Castelos Romanos, confirmou-se principalmente a sua consonância de olhar e de opinião com Yves Congar.
Os dois compartilhavam a mesma intolerância perante uma ideia estreita de missão, que considerava como verdadeira atividade missionária somente aquela entendida em sentido clássico, como anúncio do evangelho entre os pagãos. Uma abordagem que, a seu ver, acabava reduzindo tudo a questões técnicas e jurisdicionais ligadas à fundação de novas dioceses nos territórios considerados "de missão".
Para Ratzinger, assim como para Congar, ao contrário, era preciso partir de uma percepção unitária da missão e da sua fonte teológica, para depois levar em consideração os diversos contextos e as diversas circunstâncias nas quais ela se realiza.
Congar, no seu diário daqueles dias, dá vazão também a toda a sua impaciência com relação a vários membros da equipe de trabalho. Para ele, "o padre Seaumois é realmente um burro", com a sua "bagagem de ideias e as suas respostas já prontas". Dom Yago "não diz nada e parece se aborrecer muito", enquanto Dom Perrin "quase não acompanha e não é de nenhuma ajuda". O teólogo dominicano admite uma única exceção: "Felizmente, há Ratzinger. É razoável, modesto, desinteressado, de boa ajuda", escreve ele nas anotações do dia 31 de março de 1965.
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Ratzinger e Congar: a missão da Igreja segundo o Concílio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU