29 Março 2012
Autora do recém-publicado estudo "A política nos Quartéis - Revoltas e Protestos de Oficiais na Ditadura Militar Brasileira" (editora Zahar), que trata das divergências dentro do regime militar que governou o Brasil de 1964 a 1985, a historiadora francesa Maud Chirio, 31, defende que a Comissão da Verdade brasileira, criada com o objetivo de apurar violações de direitos humanos no país de 1946 a 1988, apure até o fim os acontecimentos, independentemente do que a sociedade decida fazer com os resultados dessa apuração. Para funcionar, a Comissão, aprovada pelo Congresso Nacional em setembro de 2011, só depende da indicação dos sete membros pela presidente Dilma Rousseff.
A reportagem é de Chico Santos e publicada pelo jornal Valor, 29-03-2012.
"Independentemente do que vai acontecer, acho importante ir ao fundo do problema", disse Maud ao Valor pouco depois de fazer palestra seguida de debate sobre o seu livro no Laboratório de Estudos sobre Militares do Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio. Para ela, abrir os arquivos do regime militar "é uma necessidade científica".
A historiadora, professora na França da Universidade de Marne La Vallée, disse, durante a palestra, que a falta desses arquivos foi um forte limitador na preparação do seu trabalho, escrito originalmente como tese de mestrado. Politicamente, evitou dar seu ponto de vista sobre o que deve ser feito após a apuração dos fatos pela Comissão da Verdade, mas disse que, historicamente, as comissões da verdade tendem a se concentrar mais nas vítimas do que nos culpados e que elas não têm o objetivo de "judicializar o passado", mas admitiu que isso pode acontecer. "Deixo o debate em aberto", desconversou.
Propositalmente feita às vésperas do 48º aniversário do golpe que instaurou o regime militar no Brasil em 31 de março de 1964, a palestra-debate manteve, basicamente, um tom acadêmico em meio ao clima de tensão que vai crescendo com a proximidade da data. A historiadora procurou o tempo todo manter um distanciamento científico em relação aos acontecimentos, mas não se negou a dar sua opinião como "cidadã" sobre a legitimidade dos regimes militares.
"Do ponto de vista de cidadã, acho que é melhor não termos militares no poder", disse Maud em resposta à pergunta de um integrante da plateia que se identificou apenas como Sérgio e disse ser "militar da reserva". Após enaltecer feitos do regime militar, especialmente no campo econômico, ele perguntou qual a razão do atual "revanchismo".
"Estamos todos (os historiadores) convencidos que temos que olhar para trás para construir o futuro", acrescentando não se tratar de revanchismo. "É para estabelecer fatos. O resto, a vida política vai resolver", disse, afirmando estar convencida "como historiadora e como cidadã".
O livro de Maud traça uma linha diferente sobre o período de 1961, desde a gestação do regime militar, até 1978, já no clima da distensão "lenta e gradual do presidente Ernesto Geisel (1974-1979). Ancorada em entrevistas com personagens e em documentos, basicamente do antigo Serviço Nacional de Informação (SNI) e dos estaduais Departamentos de Ordem Política e Social (Dops), ela busca demonstrar que o regime militar não foi apenas "um regime de generais", como ficou historicamente marcado, mas que teve participação ativa de oficiais de várias patentes no jogo político dos quartéis.
Segundo ela, a chamada "linha dura" do regime, na verdade foram duas. A primeira, formada por coronéis que vinham juntos desde a academia, forçou a assunção do general Artur da Costa e Silva à Presidência da República (1967-1969). A repressão à resistência armada teria aparado as arestas, mas a luta interna retornaria com toda força, pelas mãos de novos atores, de sargentos a coronéis, no combate à distensão do presidente Geisel. Naquele momento, a primeira linha dura já se bandeava para a oposição ao regime.
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Historiadora francesa defende Comissão da Verdade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU