08 Março 2012
Livros abordam a perturbadora viagem ao escândalo da pedofilia que abalou muitas comunidades.
A reportagem é de Giacomo Galeazzi, publicada no sítio Vatican Insider, 06-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Há o testemunho emblemático da violência sofrida por Fabio. E há o Pe. Sérgio, que sonha com o amor e escreve mensagens delirantes para pessoas que não conhece. A sua inquietação, a sua vivência de internato dentro da Igreja. O seu calvário de solidão. O relato chega a escavar o coração e a alma de ambos, não como juiz, mas como testemunha. História exemplar de duas tragédias humanas, sem esquecer quem é a vítima e quem é o monstro. Uma peça de um mosaico. 4.500 casos de pedofilia na Igreja dos Estados Unidos, com 2,6 bilhões de dólares de indenizações pagas até hoje, 1.700 padres acusados de abusos no Brasil, 1.000 na Irlanda chamados a responder por 30.000 casos de abusos, 110 padres condenados por abuso Austrália. Na Itália, fala-se oficialmente de 80 casos e 300 vítimas: os que se calaram certamente são muito mais, mas a Conferência Episcopal Italiana jamais comunicou dados oficiais.
A lista das Igrejas abaladas pelo escândalo da pedofilia abrange os cinco continentes. "Durante a última década, chegaram à atenção da Congregação mais de 4.000 casos de abusos sexuais cometidos por eclesiásticos contra menores", declarou recentemente o cardeal William Joseph Levada, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o ex-Santo Ofício. "Um aumento dramático". Os processos realmente instaurados são muito menos. E se começarmos finalmente a tomar consciência da dimensão do fenômeno, custa-se enormemente a compreender e a reconhecer a sua natureza e as suas causas.
Golgota, viaggio segreto tra Chiesa e pedofilia (Ed. Piemme), de Carmelo Abbate, é tudo menos uma lista de números. É uma rede de encontros: de Roma a Nova York, de Paris à África. De confissões inquietantes. De testemunhos. De revelações desconcertantes. De documentos revelados em uma sólida investigação por undercover reporters. Uma chocante investigação sobre tudo o que ninguém, começando pela cúpula da Igreja, jamais poderá dizer que não sabe. E que derruba muitos lugares comuns. Principalmente, a atitude da hierarquia eclesiástica com relação à pedofilia e a abordagem diferente que caracterizou o papado de João Paulo II em comparação com o de Ratzinger.
O livro é, sem ironia, dedicado a Bento XVI, considerado erroneamente pela maioria como um papa conservador e imobilista. Não é assim. Na verdade, na reconstrução de Abbate, ele surge como o verdadeiro pontífice reformador, na tentativa corajosa de reação, de correção e de contenção do fenômeno da pedofilia dentro da Igreja.
Sergio é um sacerdote. Tem mais de 50 anos, e o seu nome verdadeiro é outro. Abbate não pode revelar a sua nacionalidade, a diocese a que pertence. O Pe. Sergio cometeu crimes. No sentido de que, no passado, ou pelo menos é isso o que ele diz, ele fez sexo diversas vezes com meninos menores de 16 anos. Ele está convencido de ser homossexual. E de estar doente. Pensa que a homossexualidade é, por si só, uma doença. Mas não tem a menor consciência do fato de que manter relações sexuais com menores é um crime punível pela lei. Todos os bispos a ele relacionados, incluindo o atual, conhecem muito bem a sua situação e os fatos dos quais ele se tornou protagonista. No entanto, nenhum deles jamais pensou em denunciá-lo às autoridades de segurança pública.
Certamente, os purpurados que o tiveram em suas dioceses ficaram próximos dele, no sentido humano e cristão do termo. Cuidaram dele e também o internaram em um desses centros dos Padres Venturini, especializados no tratamento e na recuperação dos sacerdotes com grandes problemas ligados à esfera sexual. O Pe. Sérgio ficou lá por dois anos. Saiu. Voltou ao contato com os fiéis e começou novamente a celebrar missa. Ele diz que não teve mais relações com menores. No entanto, escreve Abbate, "durante um dos nossos encontros, ele me fala das fantasias que um coroinha de 11 anos provoca nele".
Patrick Wall é um ex-monge beneditino, especialista em teologia e em direito canônico, que trabalha há décadas como consultor nos casos de abuso sexual por expoentes da Igreja. Juntamente com Richard Sipe e Thomas Doyle, entre os principais especialistas do mundo na matéria, é coautor de um livro que é considerado um fundamento sobre o assunto: Sex, Priests, and Secret Codes ("Sexo, padres e códigos secretos").
Desde 2002, depois de 12 anos de experiência no mundo clerical, Wall trabalha para um escritório de advocacia. Desde o início da sua carreira "civil", ele se tornou consultor especializado em histórias de violência contra menores por sacerdotes e religiosos. Os estudos legais de todo o mundo (incluindo Roma) chamam-no para pedir a sua ajuda. Patrick explica que, dentro da Igreja Católica, o modo de pensar é diferente daquele em vigor no mundo externo: a instituição vem antes de todo o resto. O culpado se confessa sempre com alguém, muitas vezes com o seu superior: desse modo, inconscientemente, sente-se menos responsável.
É exatamente o oposto do que faz a vítima, que se fecha no silêncio e se sente, em parte, culpada, apesar de ser inocente. Os sacerdotes culpados, ao invés, estão convencidos de que, se as suas ações fossem realmente erradas e malvadas, seus superiores não lhes deixariam continuar. É por isso que se sentem seguros e sem remorsos. Os responsáveis pelos abusos, quando lhes é dada a possibilidade de falar, não se envergonham de contar em detalhes as suas ações, na convicção de serem inocentes.
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Gólgota: os abusos que mancham a Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU