27 Fevereiro 2012
Plutarco, que foi sacerdote do templo de Apolo em Delfos, anunciou a morte de Pan, e, com isso, do paganismo politeísta. Ferruccio Parazzoli, que não é um sacerdote, anuncia a morte do Deus único e, com isso, do cristianismo monoteísta.
Publicamos aqui o prefácio do teólogo italiano Vito Mancuso, professor da Università Vita-Salute San Raffaele, de Milão, ao livro Eclisse del Dio Unico, de Parazzoli.
O texto foi publicado no jornal La Repubblica, 22-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Rejeitando tanto o teísmo quanto o niilismo, neste livro, Parazzoli abraça o panteísmo, no sentido de que o seu Deus (o princípio primeiro, o fundamento) torna-se aqui o próprio mundo, representação por trás da qual não há nada nem ninguém (negação do teísmo), sem, porém, que o seu sentido seja o nada e que haja a impossibilidade de estabelecer uma hierarquia de valores (negação do niilismo).
Embora despido de sua serenidade, Parazzoli refaz o caminho de Spinoza. Embora despido de sua alegria dionisíaca, Parazzoli refaz o caminho de Nietzsche. Sem serenidade e sem alegria, o percurso de Parazzoli ao panteísmo é bastante semelhante ao grito de Munch e, às vezes, em algumas expressões, a uma espécie de escárnio metafísico à la Hieronymus Bosch.
Contudo, independentemente do percurso pessoal, este livro é o documento de um novo credo, o credo de um homem que passa do Deus cristão a um Deum pagão, porque é exatamente essa impessoalidade neutra da Divina Energia aquilo que Parazzoli chama de Representação (ou também de Natureza e Mundo) e que para ele é tudo. A frase central deste estranho ensaio filosófico-teológico é, de fato, a meu ver, aquela que reporta os pensamentos do "feio caranguejo cinza", que, escondido atrás de uma vassoura, está prestes a morrer: "Entendi" (o sujeito é justamente o feio caranguejo cinza) "que mesmo aquele seu estar a morrer atrás de uma vassoura fazia parte de algo que acontece, e que esse algo é a própria vida de deus... o mundo nada mais é do que a vida de deus. Deus nunca desapareceu, a sua ausência é apenas um engano. Ao contrário, Deus está em contínua, total, dinâmica aparição, é tudo aquilo que aparece e que qualquer caranguejo pode ver, eternamente presente, sem passado nem futuro. Deus é apenas o presente, todo o mundo é apenas o presente, é a representação do que acontece. Não há nada mais fora de deus, nada acontece fora de deus. Deus é inevitável". Eis uma das mais claras e luminosas confissões de fé panteísta. Não há nenhuma eclipse ou poente de Deus; o que morre é apenas Deus para deixar de novo o lugar a Deum.
Este livro é o equivalente cristão do texto com o qual o pagão Plutarco, quase 20 séculos atrás, havia intuído o fim já próximo do paganismo, testemunhando-o na célebre página do De defectu oraculorum (O declínio dos oráculos): "Assim que se chegou a Palodes, reinou uma grande paz de ventos e de ondas; Tamos, da popa, com o olhar voltado para a margem, exclamou, como ouvira: 'Pan, o grande Pan, está morto!". O antigo texto continua observando que "ele ainda não havia fechado a boca quando um grande gemido, não de um mas de muitos, se elevou, misturado com gritos de estupor".
No século IV, quando a vitória do cristianismo monoteísta sobre o politeísmo pagão já estava conclamada, Eusébio de Cesareia interpretava esse trecho de Plutarco como símbolo do fim do paganismo, derrotado com todos os seus Deuses pelo advento de Cristo (Preparatio evangelica, v. 17 ).
Plutarco, que foi sacerdote do templo de Apolo em Delfos, anunciou a morte de Pan, e, com isso, do paganismo politeísta; Parazzoli, que não é um sacerdote, mas muitas vezes, nestas páginas, compara o escritor ao sacerdos, e a escritura à obra litúrgica escrevendo-a em maiúsculo, Obra, anuncia a morte do Deus único e, com isso, do cristianismo monoteísta.
Pode-se, portanto, tratar de uma ressurreição de Pan? Este livro seria talvez um sinal da incipiente vingança do paganismo panteísta? Trata-se de uma pergunta à qual só o tempo dará uma resposta.
O que é certo é que o que levou Plutarco a anunciar a morte de Pan, ou seja, o desaparecimento dos oráculos e da voz dos Deuses, é o mesmo elemento que hoje leva Parazzoli a anunciar o desaparecimento do Deus da tradição cristã. O defectus hodierno concerne à falta de uma voz divina qualquer que responda hoje às exigências de verdade e de justiça que surgem no coração humano, no sentido de que o Deus único (pessoal, onipotente, providente, juiz, criador e senhor, sem cuja vontade direta ou indireta nenhuma folha se move, que vendo o mal pode impedi-lo, mas o permite por um bem maior), esse Deus aí não sabe mais honrar com o seu silêncio a exigência de verdade e de justiça da alma humana.
O paganismo panteísta de Parazzoli tem os seus conselhos existenciais e espirituais a oferecer. Por exemplo, como quando se aproxima ao epicurismo, remetendo-se a Horácio: "Eu vivi, diz Horácio, e é simplesmente isso que me faz feliz, mas, para dizer 'eu vivi', é preciso ter a plena consciência do viver, uma felicidade submissa mas constante, semelhante a si mesma como a respiração e, como a respiração, pronta para se interromper. Uma saudação, e adeus".
Ou como quando se aproxima do estoicismo, com palavras das quais surgem a mesma nobre filosofia de vida de Sêneca, Epiteto, Marco Aurélio e, nos nossos dias, de Pierre Hadot: "Se a vida tem um sentido e a felicidade está na consciência de viver, é preciso uma meta para a qual navegar, gratos na fortuna, firmes nas adversidades. Então, a embaraçosa e às vezes frívola 'felicidade' se mudará na mais humana e sólida 'fortaleza', estado de vida subtraído ao capricho do destino e confiado ao exercício da vontade".
Ou como quando representa a espiritualidade do naufrágio que foi a proposta espiritual do grande Karl Jaspers: "O verdadeiro navegante sabe que, apontando para as certezas com as quais se alimentou, se quebrará miseravelmente. Por isso, abandonando-as, colocará a proa ao largo, buscando a salvação justamente na tempestade, fugindo das falsas certezas oferecidas pela terra, enfrentando o risco do mar aberto".
Ou como quando atinge a serenidade do Buda com palavras atribuídas, contudo, a Jesus: "Façam silêncio uma vez e escutem a paz. Tirem-na para fora, vocês têm a paz escondida dentro de vocês: terão um novo mundo, sem mais parábolas hiperbólicas, à medida do seu coração".
Alguns podem ver nisso uma incoerência, até um pouco de confusão. Mas Parazzoli não se interessa pela coerência do sistema; ou, melhor, tenho certeza de que ele subscreve plenamente as seguintes palavras de Nietzsche: "Eu desconfio de todos os sistemáticos e os evito. A vontade de sistema é uma falta de honestidade". A alguém que teoriza a dissolução do Deus único, a pluralidade e também uma certa dissonância dos caminhos propostos não podem ser desagradáveis; nesse caso, são justamente aquilo que se está procurando. (...)
Ferruccio Parazzoli quis investigar o pano de fundo escuro, "descobrir o ponto escuro do mundo no qual sentar a minha alavanca para virá-lo do avesso", como se lê no Discorso di Gesù morto. Nessas páginas, ele fez isso de forma ensaística, embora não desprovida de invenções narrativas, depois que, nos seus inúmeros romances, dentre os quais desejo lembrar Nessuno muore (Ed. Mondadori, 2001) e Il mondo è rappresentazione (Ed. Mondadori, 2011), ele o fez de forma narrativa.
Mas a investigação é única, assim como é única a vida. E a investigação, no fim, o levou a abraçar o panteísmo. Este livro se apresenta, portanto, como o honesto documento de um homem que foi católico por toda a vida e, portanto, naturalmente teísta, e que agora não é mais teísta, mas sim panteísta. Isso implica que ele deve deixar de ser ou de se considerar católico? Não necessariamente; ele poderia muito bem confluir no número diariamente crescente daqueles que inauguram novos modos de estar no mundo como católicos, daqueles que não podem nem querem se livrar de uma formação católica enraizada, mas, por outro lado, não podem nem querem mais silenciar uma consciência crítica que impede de continuar crendo em uma série de afirmações teológicas infundadas propostas ainda hoje pela hierarquia.
Nesse sentido, Parazzoli se coloca, a seu modo, dentro daquele fenômeno cada vez mais consistente dentro do catolicismo que o filósofo Pietro Prini, ele também católico, denominou de "cisma submerso", e que talvez seja só a ponta do iceberg.
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O retorno do panteísmo: a religião que substituiu o Deus único - Instituto Humanitas Unisinos - IHU