23 Novembro 2011
Um sabor amargo tomou conta em 2002 e 2003 de muitos daqueles que participaram das assembleias populares argentinas em meio à crise. Sentiram que o país não havia mudado como esperavam. Que o rechaço de boa parte dos dirigentes políticos não havia frutificado em um sistema político diferente. Que nem todos tinham ido. Alguns inclusive se vestiram com outras roupas: se a saída de Fernando de la Rúa fez parte de uma situação pré-revolucionária, não foi a revolução o que se seguiu.
A reportagem é de Martín Granovsky e está publicada no jornal argentino Página/12, 22-11-2011. A tradução é do Cepat.
O mesmo sabor amargo podem estar sentindo hoje os indignados espanhóis. É verdade que a Esquerda Unida quintuplicou sua representação parlamentar e que a esquerda nacionalista basca conseguiu nada menos que sete representantes nacionais. É verdade que o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) recebeu um castigo histórico no último domingo. Mas, no dia em que se completam os 36 anos da morte de Francisco Franco, o conservadorismo com toques de catolicismo papal do Partido Popular foi a ferramenta do castigo. E uma ferramenta nítida nos números: terá 186 cadeiras das Cortes contra 110 do PSOE.
O PP de Mariano Rajoy, previsivelmente colocará em prática com maior convicção ainda, se fosse possível, a política da sujeição ao governo alemão iniciada com o presidente socialista do governo espanhol José Luis Zapatero ao impulsionar e conseguir que o déficit zero das contas fiscais ficasse como princípio constitucional. Não só a lei, como nos últimos tempos da dupla De la Rúa-Domingo Cavallo em 2001. Também a Constituição. Um texto que, na Espanha, está carregado de simbolismo. Foi uma reforma constitucional a que consagrou a nova democracia após a morte de Franco. Mais de 30 anos depois, acaba de ser outra reforma constitucional a que sacralizou o direito dos bancos alemães de cobrar a dívida, mesmo quando o desemprego tenha ultrapassado uma média nacional de 20% e seja superior a 40% entre os jovens.
Se o movimento dos Indignados espanhóis era, a rigor, uma forma dissimulada de que a esquerda crescesse, já conseguiu seu objetivo com o aumento em cadeiras da Esquerda Unida. A representação da esquerda basca é um fenômeno de outra natureza: expressa a adaptação dos separatistas à realidade e a sintonia com a maioria do povo basco e seu rechaço à violência da ETA como forma de avançar rumo a maiores níveis de autonomia. Em todo o caso, se houve uma indignação contra a ETA e um sentimento de indignação contra o Partido Nacionalista Basco, uma espécie de democracia cristã de centro-direita, a esquerda nacionalista conseguiu canalizar ambas as irritações.
Se o movimento dos Indignados queria preservar o Estado do bem-estar social em pleno desmonte, não conseguiu seu objetivo. O PP previsivelmente tratará de cumprir essa tarefa [do desmonte] com ainda mais decisão que o PSOE.
Se quis conseguir uma maioria contra a subordinação da economia à ganância financeira, que alcançou um inédito 7%, taxa alta na Europa, também não obteve seu objetivo. O PP também é simpático com os setores das finanças concentradas.
O que ocorreu na Espanha é de manual. O governo que vinha praticando a flexibilização trabalhista e o ajuste fiscal foi castigado, embora fosse de origem social-democrata e o beneficiado tenha sido o partido que não governa desde 2004, quando José María Aznar foi castigado ao mentir que o massacre de Atocha havia sido cometido pela ETA e não pelo fundamentalismo islâmico.
A mudança no sistema político basco parece dizer que os movimentos sociais só têm efeito eleitoral quando antes se encarnaram na política e buscaram não apenas o questionamento, mas uma transformação dos poderes do Estado. Ocorreu o mesmo que na Argentina há 10 anos. As assembleias foram um instrumento chave para evitar que, em uma situação de crise e de decomposição social, o país não caísse na tentação de soluções autoritárias. Os que imaginavam uma revolução dirão que é pouco. Os que temiam um retrocesso a valores não democráticos pensarão, ao contrário, que foi muito. Nas panelas não estava apenas um repúdio ao "corralito". Também o pedido de renovar a Corte Suprema com a maioria automática obtida por Carlos Menem em uma só noite.
Voltarão os indignados espanhóis à sua força de seis meses atrás ou definharão como nas desbotadas jornadas de reflexão do último sábado, antes das eleições?
E, sobretudo, conseguirão fazer-se ouvir? Com outras palavras: o que a maioria dos espanhóis está disposto a ouvir e como desafiar não apenas o PP ou o PSOE, mas também certo senso comum?
A vitória o PP não significa apenas a derrota do PSOE por ser o partido do governo em meio à pior crise da democracia espanhola. Também a ascensão de um partido menos comprometido com o laicismo, mais sensível com as campanhas de restrição de conquistas civis, como a campanha que pede a penalização do aborto, e mais próximo ao setor financeiro.
O exemplo grego está à mão. Caiu a social-democracia e o novo governo de unidade nacional inclui não apenas dirigentes da Nova Democracia, de direita, e o socialista Pasok. Fazem parte do novo gabinete quatro membros do Laos, sigla do partido anti-semita e de extrema direita que procura incriminar os imigrantes como bodes expiatórios.
O desafio dos indignados espanhóis, assim como o de qualquer forma de protesto constestatório, é o de resituar-se, caso queiram ser úteis e produtivos. Talvez se possa dizer que os movimentos sociais perduram ou conseguem seus objetivos – porque às vezes o segundo implica uma instância superadora que acaba com o primeiro – se são mais didáticos que catárticos. E se são mais temáticos que simples portadores de uma frustração geral. Outro exemplo argentino foi a Frente Nacional contra a Pobreza que recolheu milhões de assinaturas em 2001. Uma de suas propostas era a cobertura social universal. O tema passou a fazer parte de um novo denominador comum, o mesmo que hoje acontece com a revisão penal das violações dos direitos humanos. Os governos de Néstor e de Cristina Kirchner interpretaram aquelas demandas e as converteram em políticas. É um círculo virtuoso: sem decisão do Estado não há políticas e sem instalação social é difícil a decisão do Estado.
Talvez seja o momento de diferenciar entre movimentos-pernilongo, encarregados de picar os cidadãos, e movimentos destinados não apenas a assinalar defeitos, mas a marcar rumos e formas de alcançar uma meta.
Não há uns melhores que outros. Cada um cumpre seu papel. Mas parece claro que, se o desafio é superar a fugacidade, não basta descarregar a bronca. A bronca pode ser até uma ferramenta mais de construção política, mas nunca substitui a própria construção.
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Depois de se indignar, melhor explicar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU