Em todas as
Jornadas Teológicas, as
Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) marcaram uma presença significativa. Na
Jornada do Norte, que se realizou na
Cidade do México, até o dia 8 de outubro, participaram o padre
José Marins, sacerdote brasileiro, e
Teolide Maria Trevisán, religiosa brasileira. Nos últimos 40 anos, eles visitaram numerosas dioceses em varias regiões do mundo a serviço das Igrejas para acompanhar, formar, avaliar e confirmar o povo no trabalho das Comunidades Eclesiais de Base.
A entrevista é de
Ermanno Allegri e publicada por
Adital, 07-10-2011.
Eis a entrevista.
José Marins, como foi o trabalho que o senhor desenvolveu ao longo deste ano com as CEBs?
Ao longo destes anos há diferentes etapas. A primeira foi uma etapa de novidade, depois do tempo de
Medellín quase todas as dioceses da América Latina e Caribe queriam saber de que se tratava, como se fazia, etc. E ali havia muitos encontros e os episcopados faziam documentos de apoio e foi um período que durou mais ou menos uns 10 anos, pelo menos. Uma segunda etapa foi quando, na América Latina, os governos militares e ditatoriais começaram fortemente a reprimir as CEBs e todos os movimentos que insistiam com uma visão nova de mundo, acusando-os de comunistas, etc. Nesse período, tivemos muitos mártires na América Latina. Mataram aproximadamente 73 padres, umas 19 religiosas e mais de mil leigos e, inclusive, 3 bispos em diferentes períodos:
D. Angelelli, da Argentina;
Oscar Romero, de El Salvador; e D.
Juan Gerardi, da Guatemala.
E há uma terceira etapa que, passado esse período difícil, esteve mais tranquila. E com
Aparecida [V Conferência do Celam, realizada em 2007] há um relançamento do proceso de comunidades.
Nos últimos 10 ou 15 anos, houve um tipo de recesso das CEBs. Quais as causas desse recesso, desse momento de dificuldade?
É certo, houve e todavia ainda estamos nessa situação. Creio que a causa profunda disso é que as
Comunidades de Base vivem um modelo eclesial diferente do modelo dominante. O modelo dominante é um modelo de cristandade, onde há uma visão piramidal, tudo depende do ministro ordenado e sem o ministro ordenado praticamente não se faz nada ou o que se faz é muito limitado.
E a
Comunidade de Base, por estrutura própria, é muito mais missionária, é a Igreja que chega onde normalmente não está chegando e é uma Igreja, então, que depende muito do compromisso dos laicos e os laicos necessitam de um mínimo de autonomia, uma autonomia em comunhão, mas comunhão não quer dizer uniformidade com os movimentos paroquiais. A maioria dos sacerdotes, falando sobre paróquia, está muito ocupada em manter a estrutura paroquial existente e que é organizada dentro de um modelo eclesial muito em torno dos sacramentos, da vida devocional e a
Comunidade de Base, pela razão que acabo de explicar, vai muito além do primeiro encontro de valores de Deus presentes na vida e a ação do Espírito e, desde aí, cria o proceso religioso. E a maioria dos padres e agentes pastorais não é treinada para isso, e sim para outro modelo. Primeiro não sabem o que fazer com as Comunidades de Base; segundo, procuram integrá-las no que existe.
Então, o povo da
Comunidade de Base sem ajuda e sem acompanhamento tem tanta pressão e tanta dificuldade para desenvolver um modelo eclesial diferente do conhecido que, finalmente, terminam se desanimando e creio que isso é um proceso de fundo que está presente.
Hoje podemos ver que na Igreja já um cansaço com relação a um modelo de Igreja piramidal, não muito evangélico e, nesse tempo, as CEBs se apropriaram da Palavra de Deus, essa se tornou força e luz. Assim, a Sagrada Escritura é de fato o que move sua atividade também para renovar a estrutura da Igreja.
Isso é certo e é exatamente o que diz o
Concílio Vaticano II no documento sobre a Palavra de Deus que é uma joia: a "
Dei Verbum” coloca o que acabas de dizer. Exatamente as palabras que o Concílio Vaticano insiste. Não existem duas fontes de revelação, existe uma só, que é a Palavra de Deus e todos os documentos eclesiáticos e da Hierarquia são uma explicação e uma ajuda para a Palavra de Deus. A Palavra de Deus é uma presença do Senhor na comunidade e isso dá ao povo uma segurança e uma ajuda. Normalmente, a gente não tende a ser fundamentalista, isso é mais a tentação de algumas tradições evangélicas; por isso a gente vê a Palavra de Deus em comunidade e de acordo com a tradição católica, mas lhe dá muita força. Onde vamos, minha equipe e eu, vemos como existem muitos métodos de aproximação da Palavra de Deus, mas sempre cada dia mais o povo está muito entusiasmado, muito fascinado pela Palavra de Deus.
Nas CEBs e em vários setores da Igreja existe um desejo de se renovar, de ter uma nova força como vida eclesial e vida social. Em 2012, serão realizadas mobilizações e atividades em vista de uma revitalização das CEBs. Você pode resumir um pouco o que se está pensando nessa linha?
Teria que ver cada um desses encontros de 2012. No Brasil, certamente será o encontro que vai acontecer em 2013, com o Santo Padre
Bento XVI. Em torno desse evento, nas
Comunidades de Base há uma busca, um esforço de repensar a presença do joven na comunidade, não se trata de formar Comunidades Eclesias de jovens, mas se trata de Comunidades Eclesiais com jovens e os jovens com uma presença ativa de sujeito. Creio que em torno da vinda do Papa ao Brasil vai ser muito forte essa perspectiva.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil acaba de fazer uma pesquisa sobre a vinda do Papa para ver que pontos eran mais atrativos; e é muito interesante que os três pontos que aparecem não são sócio-econômico-políticos. Eles querem pensar um pouco sobre Deus, sobre sexo e sobre o sentido da vida; isso é um pouco o que o padre Benito nos comunicava recentemente.
Para o próximo ano, está sendo preparado o
XIII Encontro Intereclesial, que também será um momento em que as comunidades no Brasil, especialmente, vão avaliar seu proceso dos últimos anos. Existe, depois de Aparecida, um relançamento por todas as partes e esse relançamento vai na linha bíblica, que já consideramos uma linha de experiência comunitária e de espiritualidade, sem descuidar do compromisso sócio-econômico, sobretudo na linha cidadã e ecológica.
Na África e Ásia também têm atividades programada?
A Ação
Adveniat da Alemanha, de início, irá lançar no próximo ano as
Comunidades Eclesiais de Base como seu programa fundamental de estudo, de comunicação. Nesse sentido, estão preparando encontros onde vêm representantes da África, Ásia e América Latina. Quando falamos de Ásia, nos referimos a um tremendo continente de grande, então tem-se que especificar um pouco. Possivelmente os que estão programados para vir são das Filipinas, que têm uma experiência de comunidades já bastante ampla, pelo menos de 30 anos. Minha equipe foi 7 vezes às Filipinas para acompanhá-los um pouco e é uma experiência muito semelhante a da América Latina. São CEBs com outro modelo vendo as mesmas metas, mas muito mais na linha Bíblica intraeclesial.
Há um único Instituto Bíblico de fala inglesa, fica na África do Sul e é principalmente na parte da África Negra. Eles marcam muito o proceso de Comunidades de Base em torno de 7 pontos bíblicos e cada reunião tem que pasar pelos 7 pontos que têm seu valor, mas, no entanto, não chegou a incluir os elementos de compromisso cidadão e ecológico. Nesse sentido, a América Latina desenvolveu mais esses aspectos.
Também há um encontro de Comunidades de Base com Bispos da Alemanha e Ásia para estudar o método que acabo de mencionar para levar para a Europa. Então, ao que parece, entra na África, vai para Ásia e da Ásia para a Europa. No começo do ano tiveram um encontró em Seul, Coréia do Sul e, lá, estiveram bispos alemães e asiáticos, e os missionários da Ásia vão para a Alemanha e também a Rússia para implementar Comunidades de Base nessa linha que acabo de mencionar da Adveniat.
E na nossa América Latina e Caribe?
Acredito que na América Latina está havendo um proceso grande de renovação e articulação. As CEBs da América Latina se desenvolvem não de uma maneira homogênea, depende do país, do lugar e pareceu muito útil para todos nós. Chegamos a um acordo de ter uma pequena articulação, em nível continental e de Caribe. Não se trata de uma coordenação, porque a Comunidade de Base, sendo uma Igreja pequena, ela é coordenada pela Igreja de onde está, é a Igreja local que coordena.
Mas, na linha de articular, de ajudarmos a fazer avaliações, criamos juntos como acordo, como um pacto entre amigos, uma articulação continental. Neste momento é a equipe do México que assume esta articulação. Já são 3 ou 4 anos que estão fazendo muito bem esse trabalho e, no próximo ano, em Honduras – quando as CEBs de todo o continente se encontrarão – vão escolher outro país da América Latina que nos articule por outro período de 3 ou 4 anos. Isso foi muito positivo porque foi uma ajuda para que os assessores e também o povo de base tivessem encontros e avaliação não de fazer as coisas uniformes, mas sim de conhecer caminhos diferentes que levam à mesma meta das Comunidades de Base.
Teolide Maria Trevisán, na Igreja sempre houve uma presença forte das mulheres. Nas CEBs, sua ação tem um valor determinante. Sem mulheres não haveria CEBs?
Não trabalho específicamente na Pastoral da Mulher, mas posso falar da mulher nas CEBs. Ela tem um papel muito importante que é um papel que dá permanência à comunidade. É interesante ver como a presença da mulher, não sei se por sua índole ou por sua motivação, ela dá um sentimento de pertence à comunidade. Segundo, a mulher também é muito conciliadora na comunidade, sem deixar minimizar um papel importantíssimo que ela também tem do processo de abrir os olhos do povo. Ainda que possa se situar localmente as coisas que faz, ela tem uma visão mais ampla.
Por outro lado, também temos nossas limitações porque pelo fato de haver muita presença feminina, e feminina adulta, fazemos as comunidades mais ao nosso estilo e isso muitas vezes dificulta a integração de homens. Porque fazemos um estilo mais familiar, mas feminino, que não é um defeito porque a maioria dos membros as comunidades é mulher. Em alguns países, a presença de homens domina como é o caso da América Central, por exemplo em Honduras, por todo o trabalho dos delegados da palavra e liderança do homem que aparece mais.
Acredito que neste momento o desafio que temos é criar no proceso das comunidades uma relação de reciprocidade entre homens e mulheres. Antigamente se falava em complementaridade, não para dizer que somos pessoas imcompletas, mas para dizer que colocamos juntos duas posições, duas visões, duas experiências existenciais. Neste momento, um dos grandes desafios que temos é como integrar os jovens nesse proceso da Igreja pequena. Quando falamos de jovens não falo de crianças, nem de adolescentes, falamos de jovens entre 20 e 30 anos; são jovens que, em sua maioria, tem idade de jovens mas são adultos em sua responsabilidade social ou familiar.
Hoje há uma nova força no caminho das CEBs. Há gente que diz que isso é voltar ao passado. Como você vê essa crítica às CEBs?
Bom, depende de quem diz isso, de quem está por trás. Pode estar por detrás uma experiência concreta que foi negativa, que teve problemas. As mesmas comunidades não são a panaceia do bonito, as comunidades também têm erros, têm limitações, muitos erros estratégicos, de relação. Mas o que posso dizer, no que se caminha pela América Latina, é que por onde temos estado últimamente existem novidades, que aqui se chama ‘relançamento’; no Brasil tem outro nome: animação. Mas é o mesmo: como fazer a proposta de Igreja e de sua relação com o mundo neste momento em que vivemos.
Então, a questão está nesta proposta, que foi reconhecida oficialmente em Medellín, é como entendê-la nesse contexto de hoje. Esse é um grande desafio. Este relançar tem duas dimensões: uma que queremos dar uma qualidade nova ao que existe porque também há o perigo do mesmo na comunidade, de a gente se prender a um estilo que respondeu em outro momento e que agora terá que ser avaliado não na proposta e sim na concretização dessa resposta da Igreja de base, no hoje, na sociedade que estamos. Se sente que quando há um encontro nessa linha, o povo recobra a esperança.
Então, há um desafio à criatividade sem negociar o rumo; e o outro é como fundar novas comunidades porque há muito poucas comunidades. Estão envelhecidas por falta de acompanhamento, pela pressão da Igreja institucional e nosso povo sincero caminha enquanto ele sente que é acompanhado. São poucas as comunidades que caminham sem uma presença de formação, etc.
Dizem que temos que resistir. Nós dizemos que não, que temos que pasar da preocupação da resistência para o desafio da incidência, onde a comunidade está incidindo em pessoas, na vida da familia, na vida do bairro…Enfim, na relação com outras organizações civis ou sociais. É o momento de esperança e desafiante também. Porque aquí no México, por exemplo, nós estivemos em Chalco, em Neza últimamente, e vimos que há brechas na instituição que permitem, talvez, tomar a proposta de comunidade sem medo, sem reservas grandes que impeçam de continuar hoje. É um proceso muito lento, muito exigente, no qual debemos ser abertos à diversidade de modelos e de procesos, mas garantir o rumo que se requer.
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As CEBs: Entrevista com José Marins e Teolide Maria Trevisán - Instituto Humanitas Unisinos - IHU