17 Mai 2011
"Hoje a indústria não ocupa mais a posição hegemônica no interior da economia, ela não é mais hegemônica no sentido de impor as suas características a outros setores da economia e às relações sociais de modo mais geral. A produção biopolítica ou imaterial está assumindo este papel dominante". A análise é da professora Drª Leonora Corsini do LABTeC/UFRJ no Seminário "Trabalho e subjetividade. Da sociedade industrial à sociedade pós-industrial" promovido pelo Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores – CEPAT no dia 28 de abril de 2011. O evento integrou a programa do 1º de maio das organizações do movimento social na cidade de Curitiba. Transcrevemos na íntegra a exposição Profª Drª Leonora Corsini.
Eis a conferência.
As transformações do trabalho e seus efeitos, tanto nas organizações quanto nas dinâmicas produtivas do nosso tempo, vêm colocando em foco os trabalhadores autônomos e os trabalhadores que estão inseridos em um regime de acumulação característico de um novo momento do capitalismo, que diversos autores referem como Capitalismo Cognitivo, Capitalismo Digital ou Terceiro Capitalismo. Neste novo momento do capitalismo mundial, o modo de produção hegemônico é o trabalho imaterial (Negri e Lazzarato, 2001) e biopolítico (Negri e Hardt, 2009).
Essas transformações têm a ver com a passagem a um novo regime de acumulação e criação de valor que, por sua vez, remete à passagem do modelo industrial – o Fordismo – para o modelo pós-industrial – ou Pós-fordismo, e aqui acho que seria útil ressalvar que por Fordismo não estou me referindo a apenas um modo de produção baseado na grande indústria, mas algo mais abrangente, que envolve um pacto social chancelado pelo Estado (Teoria da Regulação). Pela abordagem da Teoria da Regulação, o Estado é complementar à relação salarial fordista ao estabilizar a dinâmica produtiva (dos investimentos e do consumo) no plano macroeconômico. E é preciso entender por regulação não uma intervenção normativa ou um conjunto de regras, mas sim a regularidade da taxa de crescimento.
Creio ser importante fazer a ressalva porque ainda se discute hoje se o Fordismo teria de fato acabado, já que uma parte nada desprezível da produção continua sendo industrial. Ora, o que acabou foi este pacto, este modo de acumulação e criação de valor que supunha a intervenção do Estado para continuar existindo.
Retomando a questão do trabalho pós-industrial, acho que todos estamos de acordo de que falar em pós-industrial não quer dizer que não existe mais indústria. O que está muito claro hoje é que a indústria não ocupa mais a posição hegemônica no seio da economia. Como diz Michael Hardt (2009) num belíssimo texto em que analisa a questão da propriedade vis à vis as mudanças no mundo do trabalho e da produção, afirmar que a indústria não ocupa mais uma posição hegemônica na economia mundial não significa dizer que o número de pessoas trabalhando atualmente nas fábricas seja menor do que há 50 anos.
A ideia básica por trás das análises do trabalho referenciadas no regime pós-industrial é de que a indústria não mais impõe suas características a outros setores da economia e às relações sociais de modo mais geral. A controvérsia vai surgir, de acordo com Michael Hardt, quando se propõe outra forma de produção que suceda a indústria neste lugar hegemônico. A aposta feita por ele e por Antonio Negri é de que a produção biopolítica ou imaterial está assumindo este papel dominante. E por imaterial ou biopolítico os dois pensadores estão se referindo à circulação das ideias, da informação, das imagens, dos conhecimentos, códigos, linguagens, símbolos, relações sociais, afetos etc.
[trabalho imaterial] designa as atividades no conjunto da economia, do mais alto ao mais baixo nível da escala, do pessoal da saúde aos comissários de bordo, dos educadores aos criadores de softwares e dos empregados do fast-food e dos call centers aos publicitários. A maior parte dessas formas de produção não são, evidentemente, novas, mas a coesão entre elas é talvez mais manifesta e principalmente suas qualidades tendem hoje a se estender a outros setores da economia e ao conjunto da sociedade. A indústria precisa se informatizar; o saber, os códigos e as imagens se tornam sempre mais importantes em todos os setores tradicionais da produção; e a produção dos afetos e do cuidado – do "care" – tornam-se cada vez mais essenciais no processo de valorização. Esta hipótese, segundo a qual a produção biopolítica ou imaterial tem tendência a se apropriar da posição hegemônica que a indústria estava acostumada a ocupar, tem toda sorte de implicações para as divisões de gênero e as diversas divisões internacionais e geográficas do trabalho (HARDT, 2009).
Outra análise que ilustra muito bem a natureza e a amplitude das mudanças qualitativas do trabalho no mundo contemporâneo é feita por Christian Marazzi no livro O lugar das meias (2009). Se Hardt estava se referindo sobretudo à crise mundial que teve início em 2008, Marazzi recua um pouco no tempo e vai focalizar as mudanças trazidas com a recessão que se seguiu à ofensiva neoliberal das décadas de 80 e 90.
Uma coisa é o surgimento de vagas de trabalho, a retomada do setor de construção civil, ou o novo impulso dado ao consumo e às exportações; outra é a modificação na natureza do trabalho e dos direitos sociais que ocorreu antes, durante e depois da recessão. (...) As novas vagas de trabalho não compensam as que desapareceram durante a recessão e são, em sua maioria, de qualidade duvidosa. (...)
Sabemos que, por detrás das demissões sem precedentes dos últimos anos – desemprego em massa que atingiu até os países mais industrializados – está o objetivo de enxugar as empresas públicas e privadas: reduzir os custos do trabalho considerados excessivos dentro de um contexto econômico cada vez mais globalizado e submetido às pressões da concorrência internacional. Fala-se hoje de produção enxuta (lean production). Para reduzir o peso dos encargos sociais, considerados responsáveis pelo custo excessivo do trabalho, muitas empresas escolheram o caminho da terceirização de segmentos inteiros da produção, a chamada subcontratação, o recurso a fornecedores, consultores, ex-dependentes transformados em trabalhadores autônomos para aumentar a produtividade e a eficiência das grandes empresas. Isso significa uma mudança radical na estrutura da organização empresarial (MARAZZI, 2009).
Outro aspecto interessante a ser destacado neste novo momento do capitalismo regido pelo trabalho imaterial e biopolítico é a força de invenção; muito mais do que a força de trabalho, a inventividade, a criatividade do trabalhador encontra-se totalmente mobilizada, fazendo com que a produção da população ativa resulte na produção de conhecimento e da própria vida, além da produção de bens e serviços. E, na medida em que este tipo de trabalho tende a se disseminar cada vez mais como um trabalho que envolve além de técnica e capacidade de desempenhar tarefas, afetos, saberes, comunicação, produção de novos conhecimentos, linguagens e informação, as redes de cooperação social ocupam cada vez mais um lugar de destaque.
Parafraseando Marx, Maurizio Lazzarato (2006) diz que o capitalismo contemporâneo é produção de mundos, não devendo mais ser visto apenas como modo ou mundo da produção.
Já na concepção de Franco Berardi (2005) o trabalho pós-industrial e pós-fordista, que tem na circulação da informação e na manipulação dos símbolos seus elementos centrais, se expressa como "infotrabalho’, trabalho digitalizado que acontece a partir da infinita recombinação de milhares de informações que circulam num suporte de tipo preferencialmente digital (daí autores como Christian Marazzi denominarem este momento do capitalismo de Capitalismo Digital). Segundo Berardi, todo infotrabalhador é portador da capacidade de elaboração de um segmento semiótico que deve se encontrar e se integrar com inúmeros outros fragmentos semióticos para compor o quadro de uma combinatória, a "infomercadoria", o "semiocapital".
Esse trabalhador do imaterial, do digital, move-se continuamente para encontrar sinais, elaborar experiências e continuar seguindo os percursos naturais de sua existência (BERARDI, 2005, p. 53). Em cada momento e lugar ele é alcançável e pode ser chamado de novo a exercer sua função produtiva e se reinserir no ciclo global da infoprodução – através de ferramentas como celular, Messenger, Orkut, sites, blogs e redes sociais.
Assim, trabalhar hoje significa "mover-se, deslocar-se, mudar de perspectiva, de relações" (ibidem, p. 49). Assim, o trabalho imaterial passa a valorizar um outro elemento do trabalho que é a comunicação; por trabalho imaterial passa-se a designar, sobretudo, o "trabalho da comunicação, ou a comunicação empenhada em trabalhar" (idem).
Mas, dizer que o trabalho hoje se tornou imaterial implica também afirmar que, no paradigma pós-industrial, são as dimensões intersubjetivas do trabalho que determinam as dimensões objetivas típicas do processo de trabalho industrial. Isso não significa que o trabalho material tenha desaparecido por completo, menos ainda equivale a identificar o trabalho imaterial com meras funções "intelectuais".
Pelo contrário, é constatar que, como o próprio Marx antecipava, "o produto deixa de ser criado pelo trabalhador individual imediato para ser o resultado mais de uma combinação de atividade social que da simples atividade do produtor" (citado por Hardt, 2009). A transformação da matéria pelo trabalhador individual (inclusive quando ele continua trabalhando na fábrica) depende de dinâmicas imateriais: dinâmicas comunicativas, linguísticas, afetivas, ou em outras palavras, que juntam as atividades da mente, do coração e da mão de trabalhadores de carne e osso.
Um estudo de caso – o trabalho em rede dos técnicos de informática
No âmbito dessas novas dinâmicas e processos produtivos do capitalismo cognitivo existe um elo que vincula as atividades do trabalho às novas tecnologias de informação e comunicação, à informática, à virtualização e transmissão de informações por meios digitais e informáticos, à produção de conteúdos e conhecimento através de redes telemáticas. Se o capitalismo industrial podia ser caracterizado pela produção de mercadorias, o capitalismo cognitivo produz conhecimentos por meio de conhecimentos, e vida por meio de vida. Esta produção de conhecimentos se dá na base de uma acumulação que não se reduz apenas aos meios técnicos materiais, "ela implica, sobretudo, a atividade cerebral coletiva mobilizada em redes digitais interconectadas" (MOULIER-BOUTANG, 2007).
As novas tecnologias impactam tanto os trabalhadores e agentes das dinâmicas produtivas quanto as próprias organizações e empresas. Os jornais de grande circulação oferecem um bom exemplo disto: de um processo de produção inteiramente analógico, a produção de um jornal é hoje totalmente digitalizada. O mesmo ocorre com periódicos e publicações acadêmicas e científicas, que estão migrando do meio impresso para o meio digital de maneira cada vez mais evidente.
A premissa inicial deste estudo, desenvolvido ao longo do estágio de pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação do IBICT, é de que esses trabalhadores, em seus diferentes níveis de formação e especialização, são fundamentais para o desenvolvimento do trabalho cognitivo no âmbito das metrópoles. E, embora a presença desse tipo de profissional em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo, seja evidente, não se dispõe ainda de informações suficientemente precisas e sistematizadas sobre este tipo de trabalho. No caso específico do município do Rio de Janeiro, supomos que uma boa parte desses trabalhadores desloca-se de bairros da Zona Norte (como São Cristóvão) e Oeste do Rio de Janeiro (Campo Grande, Barra da Tijuca, Jacarepaguá) e de alguns municípios da Baixada Fluminense (Nilópolis, Mesquita, Nova Iguaçu) para atender clientes localizados no Centro e na Zona Sul da cidade.
A demanda pelo tipo de serviço por eles prestado tem aumentado em virtude da democratização da informática, com o barateamento de equipamentos e hardware e com a disseminação de ambientes operacionais e softwares em sistema de código aberto. Assim, em paralelo à grande difusão da informática nas residências e empresas domésticas, podemos verificar uma grande e constante demanda por serviços de reparos e manutenção (hardware e software).
Outra característica interessante no trabalho dos técnicos em informática é que, por ser a clientela constituída, sobretudo por pessoas físicas e por estarem os equipamentos que precisam de manutenção nas próprias residências das pessoas ou escritórios de pequenas empresas, as redes de clientes vão sendo construídas a partir de indicações de clientes – o "boca a boca". Em geral as pessoas preferem contratar alguém com referências de conhecidos do que consultar listas telefônicas ou anúncios comerciais; neste caso, a indicação e a relação de confiança são elementos fundamentais.
O objetivo principal de nosso estudo foi fazer um mapeamento dos serviços técnicos e de suporte em informática na RMRJ [n.1]. Quem são esses profissionais? Qual sua formação? Onde se localizam? Como oferecem seus serviços? Como organizam suas redes de clientes? Quais as demandas mais comuns? Que tipos de dificuldades e limitações encontram para desenvolver seu trabalho? – foram algumas das perguntas que ajudaram a construir o instrumento da pesquisa, um questionário semi-estruturado que foi encaminhado aos técnicos com este tipo de perfil.
Foi distribuído um total de 25 questionários, privilegiando num primeiro momento os técnicos que trabalham por conta própria, que atendem em domicílio e que recebem chamados de clientes por telefone e/ou internet. Posteriormente localizamos e entrevistamos profissionais que trabalham em empresas e também realizam serviços por conta própria para clientes externos, além da jornada regular nas empresas que os contratam. Tínhamos a expectativa de encontrar um maior número de autônomos entre os profissionais com quem entramos em contato; no entanto, do total de participantes do estudo, a metade trabalham em empresas e fazem simultaneamente trabalhos externos como por conta própria.
Pareceu consistente com este dado a informação de um dos profissionais por conta própria entrevistados de que existem poucos técnicos com formação especializada e experiência neste meio; os que são competentes começam a ser mais requisitados e percebem ter mais vantagens em trabalhar por conta própria (em que pese os riscos e a instabilidade inerentes ao fato de terem de construir e administrar suas próprias redes e espaços de atuação), já que têm mais flexibilidade para administrar o tempo e acabam tendo rendimentos maiores do que se estivessem trabalhando para uma empresa. Alguns disseram estar procurando o sistema de registro como empreender individual através do SEBRAE. Cruzando a escolaridade dos técnicos que só trabalham por conta própria com a dos empregados que também trabalham por conta própria, verificamos que, com efeito, os primeiros têm mais anos de experiência profissional e menos tempo de escolaridade, como ilustram as tabelas a seguir:
Tabela 1 – Técnicos que trabalham unicamente por conta própria
Total de questionários respondidos 10
Sexo
Masculino 8
Feminino 2
Faixa Etária
Até 25 anos
25 a 29 anos 2
30 a 35 anos 5
36 a 40 anos 1
Acima de 40 anos 2
Formação
Ensino Médio/Profissionalizante 7
Curso superior – graduação 3
Pós-graduação
Tempo de Experiência
Até 5 anos
De 5 a 10 anos 5
Acima de 10 anos 4
Acima de 20 anos 1
Bairros/localidades atendidas
Bairros da Zona Sul/Rio de Janeiro
Barra da Tijuca/Rio de Janeiro
Baixada/RMRJ
Tabela 2 – Empregados e prestam serviços por conta própria
Total de questionários respondidos 10
Sexo
Masculino 10
Feminino
Faixa Etária
Até 25 anos 1
25 a 29 anos 3
30 a 35 anos 4
36 a 40 anos 1
Acima de 40 anos 1
Formação
Ensino Médio/Profissionalizante
Curso superior – nível graduação 10
Pós-graduação
Tempo de Experiência
Até 5 anos 2
De 5 a 10 anos 2
Acima de 10 anos 4
Acima de 20 anos 2
Bairros/localidades atendidas
Bairros da Zona Sul/Rio de Janeiro
Zona Oeste/Rio de Janeiro
Bairros da Zona Norte/Rio de Janeiro
Baixada/RMRJ
Itaipava (Petrópolis, Região Serrana)
Niterói (Centro, Itaipu, Camboinhas)/RMRJ
No que diz respeito à captação de clientes, todos os entrevistados constituíram sua clientela com base em indicação de clientes e amigos, contando com a divulgação boca a boca dos seus serviços para construir a clientela. Alguns técnicos, quando iniciaram suas atividades profissionais, relatam ter feito divulgação através de folhetos e cartões de apresentação, muitas vezes distribuídos estrategicamente em pontos de venda de equipamentos e lojas de serviços em informática.
Da mesma forma, os que também são empregados em empresas atendem preferencialmente pessoas indicadas, e costumam ser solicitados pelos próprios colegas. Chamou atenção o fato de esses serviços serem solicitados e contratados abertamente dentro das empresas onde os técnicos são empregados; em algumas situações, as máquinas a serem consertadas são deixadas ali pelos clientes externos sem que isto configure conflito de interesses com os empregadores. Um dos participantes do estudo que trabalha em uma empresa de radio mencionou a existência de um "código de conduta" interno, em que são combinados preços básicos para os serviços mais comumente requisitados. Possivelmente, esta maior liberdade para negociar e contratos serviços "por fora" no próprio ambiente da empresa esteja relacionada ao universo da informática e do suporte tecnológico.
Já no aspecto da distribuição geográfica da clientela, confirmamos nossa suposição inicial de que as áreas para onde mais frequentemente se deslocam os técnicos sejam a Zona Sul, o centro, alguns bairros da Zona Norte, como Tijuca, Méier, Madureira, Barra da Tijuca, algumas localidades da Baixada, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, além de alguns bairros e centro de Niterói, também RMRJ. Verificamos, além disto, uma relativa correlação entre o local de moradia e/ou do emprego (no caso dos técnicos que também são empregados por empresas) e os bairros ou localidades da clientela.
Uma das premissas para o estudo dos técnicos em informática é a de que o computador é componente fundamental da sociedade da informação e da comunicação e do próprio trabalho cognitivo; e os trabalhadores de informática, os info-trabalhadores como diz Berardi (2005), em seus diferentes níveis de formação e especialização, são fundamentais para o desenvolvimento do trabalho cognitivo no âmbito das metrópoles.
Pudemos concluir com o desenvolvimento do estudo de caso que o trabalho dos técnicos em informática é mesmo paradigmático deste novo modo de trabalho conceituado como trabalho imaterial, em que os processos produtivos assumem a forma de um "sistema sociotécnico" caracterizado pelas novas tecnologias da informação e comunicação (MOULIER-BOUTANG, 2007). Observamos uma conexão entre as novas tecnologias e linguagens, o trabalho em rede, as novas dinâmicas produtivas, e a possibilidade de aprender a partir da instabilidade e das constantes mutações que caracterizam o meio informático, podendo fazer isto coletivamente, nos marcos da cooperação e da comunicação.
As novas tecnologias impactam tanto os trabalhadores e agentes das dinâmicas produtivas quanto as próprias organizações e empresas localizadas no território desta produção. As organizações que empregam alguns dos profissionais de informática que participaram do estudo também são afetadas por esta crescente demanda por digitalização, e neste ambiente, novas demandas, que ultrapassam as fronteiras da atividade fim de cada uma dessas organizações, também emergem.
Esta ideia está de acordo tanto com o conceito de organização qualificante proposto por Philippe Zarifian, quanto com a definição da cidade biopolítica – outro nome para a metrópole – proposta por Antonio Negri e Michael Negri (2009):
Hoje, finalmente, a cidade biopolítica emerge. Com a passagem à hegemonia da produção biopolítica, o espaço da produção econômica e o espaço da metrópole tendem a se superpor. Não existe mais o muro da fábrica para dividir um espaço do outro, e as "externalidades’ não são mais externas ao local da produção que as valoriza. Os trabalhadores produzem através da metrópole, em cada fenda, em cada brecha (p. 251-252).
A partir das análises e considerações suscitadas pelo estudo de campo, levantamos mais algumas hipóteses que poderão ser aprofundadas em futuras investigações:
- A combinação do modelo do emprego assalariado com o do profissional por conta própria faz com que os dois modelos se alimentem reciprocamente, estabelecendo uma relação de mão dupla;
- Os técnicos que conjugam os dois modelos se qualificam e se aperfeiçoam "afinando" sua percepção do que acontece a sua volta no território, também fazendo um deslocamento de perspectiva, no sentido de sair de uma posição de "assujeitamento forçado", como diz Philippe Zarifian (2003), para uma posição de liberdade e autonomia, ativadas pela ação e cooperação dos trabalhadores que se constituem como sujeitos justamente nesta relação;
- É possível que o espaço da metrópole – que muitas vezes coincide ou se confunde com as áreas suburbanas, como no caso do Rio de Janeiro – se constitua privilegiadamente como território qualificante, no sentido que postulamos neste estudo.
Notas:
1 - Para este estudo foi considerada a Região Metropolitana do Rio de Janeiro – RMRJ, que abrange os municípios de Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, Rio de Janeiro, São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica e Tanguá.
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Deslocamentos e transformações no mundo do trabalho e a subjetividade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU