27 Abril 2011
"A consciência, no entanto, não é uma máquina que dá as ordens a um robô. A consciência não precisa ser inflexível. Ela também pode ser exercida com humildade e flexibilidade."
Publicamos aqui o editorial da revista dos jesuítas dos EUA, America, 02-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Desde o dia em que Martinho Lutero se recusou a renegar suas crenças, declarando: "Aqui estou. Não posso fazer outra coisa", a integridade inflexível do herói solitário da consciência tem sido um ícone do imaginário ocidental. Mas a consciência é um poder sutil e às vezes também liga as pessoas de princípio às próprias comunidades contra as quais elas protestam.
Sócrates seguiu o seu "daimon", mas também se submeteu ao veredicto de Atenas, a cidade que tinha dado à luz a sua busca pela virtude. O Concílio Vaticano II foi possível graças à pesquisa de homens como Yves Congar, OP, Henri de Lubac, SJ, e John Courtney Murray, SJ, que haviam sofrido o silenciamento por parte das autoridades da Igreja. O Concílio foi a sua reivindicação.
A consciência pode aderir a apenas um objetivo, ou pode sustentar uma tensão vivificante entre dois ou mais compromissos. Pode se posicionar desafiadoramente sozinha, ou pode mostrar o cuidado pela humanidade, mesmo por aqueles em posição de autoridade. Para Mohandas Gandhi, por exemplo, a verdade moral não fica em um lado de uma disputa, mas surge a partir do encontro entre os manifestantes e aqueles que se lhes opõem. São Tomás Morus nos ensina que as pessoas de consciência podem até definir estratégias e esquemas para satisfazer as exigências maleáveis da consciência.
Nas últimas semanas, a Igreja dos EUA testemunhou duas polêmicas em que a consciência ou a integridade profissional de um indivíduo entrou em conflito com as autoridades da Igreja.
Em agosto de 2008 o padre maryknoll Roy Bourgeois (foto) concelebrou uma cerimônia de ordenação promovida pelo Womenpriests [organização que defende e promove a ordenação sacerdotal feminina], dando legitimidade a um evento proibido pelo Vaticano. E, em fevereiro passado, sem permissão, ele participou de um painel de discussão sobre a ordenação de mulheres. No mês passado, o superior-geral da ordem Maryknoll instruiu-o a "retratar publicamente" o seu apoio à ordenação feminina ou senão seria expulso da ordem Maryknoll e do sacerdócio.
Em uma carta ao seu superior, o Pe. Bourgeois citou um comentário de 1968 do então Pe. Joseph Ratzinger sobre a declaração do Concílio Vaticano II sobre a consciência: mesmo contra a autoridade eclesiástica, a consciência deve ser obedecida antes de tudo. Forçar o padre Bourgeois a se retratar seria pedir que ele mentisse sobre suas crenças. Ele preferiu um caminho de autenticidade.
A consciência, no entanto, não é uma máquina que dá as ordens a um robô. A consciência não precisa ser inflexível. Ela também pode ser exercida com humildade e flexibilidade. Podemos pensar o que Gandhi ou São Francisco de Assis ou Dorothy Day poderiam ter aconselhado ao Pe. Bourgeois. Será que eles lhe pediram para continuar o seu trabalho contra a guerra e a tortura e deixar a ordenação de mulheres para o Espírito Santo? Silenciar um porta-voz não mata uma ideia. As autoridades da Igreja, se desejam um assentimento religioso do intelecto à proibição contra a ordenação de mulheres, devem fazer um trabalho muito melhor para convencer os fiéis de que a exclusão das mulheres das ordens permanece firmemente na fé da Igreja.
O segundo caso refere-se à acusação da Comissão de Doutrina da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA de que, ao elaborar uma doutrina contemporânea de Deus no livro The Quest for the Living God, Elizabeth A. Johnson, CSJ (foto), da Fordham University, apresentou "distorções , ambiguidades e erros". Segundo os bispos, a irmã Johnson emprega "critérios externos à fé para criticar de forma radical a concepção de Deus revelada nas Escrituras e ensinada pelo Magistério". Mas, nas palavras da Ir. Johnson, o livro apresenta "novas percepções a respeito de Deus que surgem de pessoas que vivem a sua fé em diferentes culturas ao redor do mundo".
A Catholic Theological Society of America defendeu a Ir. Johnson. A organização alega que os bispos que ignoraram os procedimentos adotados em 1989, que exigem uma conversa com o autor como primeiro passo para uma investigação doutrinal. Em um mundo onde os bispos são necessários mais como professores do que como procuradores, teria sido muito mais sensato que aqueles que primeiro se opuseram ao livro convidassem a Ir. Johnson para um diálogo antes de remeter o livro à Comissão de Doutrina e que a comissão contatasse a autora antes de passar para uma crítica pública do seu livro.
Por sua parte, a Ir. Johnson procurou se encontrar com a comissão, emitiu apenas uma breve nota de imprensa e, além disso, manteve um discreto silêncio. Um testemunho intransigente não é a única opção para essa mulher de consciência.
A Igreja e a sociedade se beneficiariam com outras testemunhas de consciência, apreciando as muitas maneiras pelas quais elas podem testemunhar a verdade moral e intelectual. Por seu lado, a Igreja lucraria ao interiorizar a lição da Declaração sobre a Liberdade Religiosa do Concílio de que "deve-se aderir à verdade com um firme assentimento pessoal", recordando que "Cristo, que é nosso Mestre e Senhor, manso e humilde de coração, atraiu e convidou com muita paciência os seus discípulos".
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Os caminhos da consciência. Revista jesuíta comenta os casos de Roy Bourgeois e E. Johnson - Instituto Humanitas Unisinos - IHU