05 Outubro 2018
Alguns fariseus se aproximaram de Jesus. Queriam tentá-lo e lhe perguntaram se a Lei permitia um homem se divorciar da sua mulher. Jesus perguntou: «O que Moisés mandou vocês fazerem?» Os fariseus responderam: «Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e depois mandar a mulher embora.»
Jesus então disse: «Foi por causa da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse mandamento. Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, e os dois serão uma só carne. Portanto, eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não deve separar.»
Quando chegaram em casa, os discípulos fizeram de novo perguntas sobre o mesmo assunto. Jesus respondeu: «O homem que se divorciar de sua mulher e se casar com outra, cometerá adultério contra a primeira mulher. E se a mulher se divorciar do seu marido e se casar com outro homem, ela cometerá adultério.»
Depois disso, alguns levaram crianças para que Jesus tocasse nelas. Mas os discípulos os repreendiam. Vendo isso, Jesus ficou zangado e disse: «Deixem as crianças vir a mim. Não lhes proíbam, porque o Reino de Deus pertence a elas. Eu garanto a vocês: quem não receber como criança o Reino de Deus, nunca entrará nele.» Então Jesus abraçou as crianças e abençoou-as, pondo a mão sobre elas.
Leitura do Evangelho de Marcos 10,2-16. (Correspondente ao 27º Domingo Comum, do ciclo B do Ano Litúrgico).
O comentário é de Ana María Casarotti, Missionária de Cristo Ressuscitado.
Jesus abandona definitivamente a Galileia e inicia o caminho a Jerusalém. Como aconteceu até agora, continua apresentando à sua comunidade diferentes ensinamentos catequéticos. Os discípulos e discípulas de Jesus não somente devem conhecer seus ensinos; é preciso que saibam distinguir perguntas capciosas, mal-intencionadas. Através de suas palavras, seus gestos, suas atitudes, Jesus continua formando sua comunidade de discípulos e discípulas.
A catequese mostra aos que iniciam o caminho da fé quem é Jesus e o que significa comprometer-se com ele. O tema de hoje é o matrimônio, porém não sob o ângulo da casuística, mas sob o ângulo da vontade de Deus. E um encontro “catequético” que se desenvolve em forma de diálogo.
Os fariseus não estão preocupados pela realidade do matrimônio senão pela interpretação do Deuteronômio 24,1 sobre o divórcio. “Quando um homem se casa com uma mulher e consuma o matrimônio, se depois ele não gostar mais dela, por ter visto nela alguma coisa inconveniente, escreva para ela um documento de divórcio e o entregue a ela, deixando-a sair de casa em liberdade.” Segundo a lei judia, somente o homem tinha direito a pedir o divórcio.
Para a escola de Hillel, o homem podia pedir o divórcio em qualquer momento que ele o considerasse, mas para a escola do rabi Shamai somente numa situação de infidelidade o homem podia pedir o divórcio de sua mulher.
Jesus responde com uma pergunta: «O que Moisés mandou vocês fazerem?»
O plano de Deus sobre o matrimônio se situa no amor, em uma relação de reciprocidade, de complementaridade do homem e da mulher que se transforma em unidade de vida (“uma só carne”) quando um homem e uma mulher optam um pelo outro.
Na história do povo de Israel, esta vontade inicial de Deus nem sempre se realizou, porque os homens achavam legítimo despedir suas mulheres. Para protegê-las, a legislação deuteronomística previu que as mulheres repudiadas recebessem um certificado de divórcio e, desta forma, a mulher estaria livre para casar com outro homem, sem ser acusada de adultério. Mas esta intenção também foi esquecida, e o divórcio passou a ser uma demonstração do arbítrio e do machismo.
Tendo em conta este panorama, podemos entender melhor a resposta de Jesus, que em primeiro lugar mostra que a legislação do divórcio foi feita para enfrentar a maldade humana: “Foi por causa da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse mandamento”.
E em segundo lugar, Jesus restaura o sentido inicial do matrimônio dentro do projeto de Deus: “o que Deus uniu, o homem não deve separar”. Jesus insiste na fidelidade ao pacto de amor, ao compromisso mútuo que está por cima das leis estabelecidas pelos homens. O matrimônio é um projeto de amor que implica equidade de direitos, dignidade e obrigações. Não pode existir uma relação de dominação, porque isso estaria indo contra os direitos pessoais e sociais.
Jesus veio para fazer possível o sonho de Deus referente ao amor humano. Em outra passagem evangélica, vemos como ele mesmo se coloca no meio da festa de bodas para cuidar que o vinho do amor não se acabe, oferecendo-se ele mesmo como a fonte do Amor (Jo 2,1-12).
Qual é a visão de matrimônio da sociedade de hoje? Alimentamos ainda hoje a utopia do matrimônio?
A proposta evangélica não é para “super-homens ou super-mulheres”, mas para aqueles que, querendo abraçar o ideal cristão de vida, e sendo conhecedores de suas limitações e fraquezas, buscam em Jesus a fonte e o Mestre para viver o caminho do amor.
Fomos feitos por amor e para o amor, e vivê-lo é um processo, uma arte que se aprende na família, com os amigos, na comunidade...
“O amor, lembra Enzo Bianchi, é um apelo constante a sair de si mesmo. E o mandamento adverte que todo ser humano deve ser considerado como próximo pelo outro ser humano. O ensinamento a amar o próximo como a ti mesmo, no Antigo Testamento, aparece no livro do Levítico: ‘Não procures vingança nem guardes rancor aos teus compatriotas. Amarás o teu próximo como a ti mesmo’ (Levítico 19, 18). (Texto completo disponível em: ''Com o agape, o impossível é a medida do amor'').
É interessante que o evangelho coloque, logo a seguir da explicação de Jesus sobre o matrimônio, este novo desentendimento dele com seus discípulos.
Em um dos domingos anteriores, Jesus já lhes tinha explicado a centralidade das crianças no Reino de seu Pai, mas eles continuam sem entender: “Depois disso, alguns levaram crianças para que Jesus tocasse nelas. Mas os discípulos os repreendiam”.
As crianças nos falam de fragilidade, de dependência, de um ser humano em crescimento, com um futuro pela frente. Jesus não só quer que as crianças vão a Ele, mas ainda acrescenta uma sentença muito importante: “quem não receber como criança o Reino de Deus, nunca entrará nele”.
É um convite que o Senhor nos faz para reconhecer nossa realidade humana mais profunda, somos finitos, limitados, mas com sede de infinito, de plenitude! A vida é o presente que recebemos de Deus para percorrer esse caminho entre o finito e o infinito, entre o amor limitado e a plenitude do amor.
Nesse peregrinar não estamos sozinhos/as como as crianças do evangelho, Jesus pega-nos no colo, abraça-nos, isto é, está conosco, desde já nos concede viver sua amizade, sua companhia amorosa.
É por isso que podemos, apesar das dificuldades da vida pessoal e a dos outros, continuar apostando no matrimônio, no amor duradouro, sabendo que nesse caminho a dois, é preciso deixar entrar, renovar, agir um Terceiro!
Que Jesus estenda suas mãos neste dia e nos abençoe com seu amor.
O Amor
Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono.
Pablo Neruda
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