26 Janeiro 2018
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 4º Domingo do Tempo Comum, 28 de janeiro (Mc 1, 21-28). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois do relato da vocação dos primeiros quatro discípulos (cf. Mc 1, 16-20), Marcos enfatiza que Jesus não está mais sozinho. Agora, há uma pequena comunidade no seguimento desse rabi que veio à Galileia a partir das margens do Mar Morto após a prisão do seu mestre e profeta João Batista, e essa comunidade crescerá e acompanhará Jesus, envolvida na sua vida até o fim.
O evangelista nos apresenta, portanto, um dia típico vivido por Jesus e pelos seus discípulos: a “jornada de Cafarnaum” (cf. Mc 1, 21-34), uma pequena cidade situada ao norte do Mar da Galileia, centro comercial, lugar de passagem entre a Palestina, o Líbano e a Assíria, cidade com pessoas variadas, escolhida por Jesus como “residência”, como lugar onde ele e sua comunidade tinham uma casa (cf. Mc 1, 29.35 etc.), uma morada onde paravam de vez em quando, nas pausas dos seus itinerários na Galileia e na Judeia.
Como um dia era vivido por Jesus? Ele pregava e ensinava, encontrava-se com as pessoas libertando-as do mal e curando-as, rezava. Depois, certamente havia um tempo e um espaço para comer com os seus, para estar com sua comunidade e para ensiná-la como era preciso viver para acolher o reino de Deus vindouro.
Eis como o Evangelho nos narra essa jornada de Jesus. É um sábado, o dia do Senhor, no qual o judeu vive o mandamento de santificar o sétimo dia (cf. Ex 20, 8-11; Dt 5, 12-15) e vai para a sinagoga para o culto. Jesus e seus discípulos também se dirigem à sinagoga de Cafarnaum, onde, depois da leitura de um trecho da Torá de Moisés (parashah) e de uma perícope dos Profetas (haftarah), um homem adulto podia tomar a palavra e comentar aquilo que havia sido proclamado.
Jesus é um simples crente do povo de Israel, é um leigo, não um sacerdote, e exerce esse direito. Vai ao ambão e faz uma homilia, da qual, porém, Marcos não nos diz o conteúdo, ao contrário do que Lucas faz em relação à homilia proferida por Jesus na sinagoga de Nazaré (cf. Lc 4, 16-21).
E eis que “todos ficavam admirados com o seu ensinamento”, atesta o evangelista: sem manifestar o conteúdo preciso da sua pregação, ele enfatiza que os ouvintes ficavam tomados por estupor (exepléssonto) ao escutá-lo. Certamente, nesse ensinamento, havia o anúncio do reino de Deus que vem, havia o chamado à conversão (cf. Mc 1, 15), mas o leitor aqui, acima de tudo, é convidado a captar a “autoridade” (exousía) de Jesus, bem diferente da dos escribas, dos especialistas das Sagradas Escrituras. Não que estes não tivessem autoridade, porque, entre eles, havia mestres que sabiam despertar discípulos e tocar os corações dos ouvintes. Mas a autoridade do escriba, habitualmente, era a de um mestre que havia recebido o ensinamento de outro mestre antes dele, em uma tradição, em uma transmissão que remontava a Moisés.
Jesus, por outro lado, tem uma autoridade semelhante à de Moisés, que lhe vem do fato de ter sido tornado profeta por Deus e de ser enviado por ele. Não esqueçamos que Marcos acaba de apresentar Jesus como aquele sobre o qual os céus se abriram e desceram o Espírito de Deus e a sua Palavra que o definiu como Filho amado, habilitando-o, assim, ao ministério profético (cf. Mc 1, 10-11). João Batista, ao apresentar Aquele que vem como “o mais forte” (Mc 1, 7), também havia indicado Jesus como um homem repleto do poder do Espírito Santo.
Jesus, portanto, mostra que tem uma autoridade inédita, rara. Não é uma palavra como a dos profissionais religiosos, dos muitos escribas encarregados de estudar e explicar as Escrituras. O que há de diferente na sua pregação?
Podemos dizer, pelo menos, que nele há uma palavra que vem da sua profundidade, uma palavra que parece nascer de um silêncio vivido, uma palavra dita com convicção e paixão, uma palavra dita por alguém que não só crê naquilo que diz, mas também o vive. É sobretudo a coerência vivida por Jesus entre pensar, dizer e viver que lhe confere essa autoridade que se impõe e é performativa.
Atenção: Jesus não é alguém que seduz com sua palavra elegante, erudita, literalmente cinzelada, rica em citações culturais; ele não pertence ao filão dos pregadores que apenas impressionam e seduzem a todos sem nunca converter ninguém. Em vez disso, ele sabe como penetrar no coração de cada um dos seus ouvintes, que são impelidos a pensar que o seu ensinamento é um “ensinamento novo”, sapiencial e profético ao mesmo tempo, uma palavra que vem de Deus, que sacode, “fere”, convence.
Sabemos bem: todos nós desejamos tal pregador nas nossas liturgias dominicais, mas, às vezes, ficamos decepcionados. Por outro lado, quem prega nas nossas assembleias não é o Filho de Deus que se fez homem; às vezes, é alguém que está cansado e até frustrado na própria missão, às vezes, está tão forçado a repetir ritos e palavras, que lhe faltam convicção e paixão.
No entanto, eu creio que, mesmo nessa situação de pobreza de algumas assembleias litúrgicas, se alguém tem o coração aberto e desejoso de escutar a Palavra de Deus, qualquer um de seus fragmentos sempre o alcança... Já diziam os rabinos: se a Lei de Deus foi dada entre trovões, ruídos, sons, mas foi acolhida pelos crentes, a pregação também, que às vezes é apenas ruído, pode transmitir a Palavra de Deus a quem tem fome dessa palavra.
A autoridade de Jesus mostra-se, logo depois, em um ato de libertação. Na sinagoga, há um homem atormentado por um espírito impuro, um homem em quem o demônio está em ação. Não detenhamos a nossa atenção na violência e no barulho com que esse homem se expressa, de acordo com a descrição típica do estilo oriental, imaginativo. Vamos à substância: há um homem em quem o diabo opera de modo particular, em que a força que se opõe à de Deus tomou um grande espaço; nessa pessoa, há um espírito impuro que se opõe ao Espírito Santo de Deus que habita em Jesus. A presença de Jesus na sinagoga é uma ameaça para essa força demoníaca, e eis, então, que a verdade é gritada: “Que queres de nós, Jesus nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o santo de Deus”.
Significativamente, esse espírito impuro fala de si mesmo no plural, apresentando-se como uma fileira de forças maléficas, demoníacas; como um poder que, posto contra a parede, reage gritando com violência, mas proclamando uma fórmula cristológica verdadeira: “Tu és o santo de Deus” (cf. Jo 6, 68-69).
Isso, porém, tem como fim gerar escândalo e incredulidade, porque essa força plural não quer ter nada a ver com Jesus. Mas ele intima esse poder: “Cala-te!”, impede-lhe que faça uma proclamação sem adesão, sem seguimento; depois, liberta o homem daquela presença devastadora e mortífera. O sinal da libertação ocorrida é um grande grito: “O espírito mau sacudiu o homem com violência, deu um grande grito e saiu”.
Note-se a imposição do silêncio por parte de Jesus: o grito do endemoninhado é formalmente uma confissão de fé, a identidade de Jesus não pode ser proclamada facilmente demais, como se fosse uma fórmula doutrinal ou, pior ainda, mágica. É diabólico confessar a reta fé sem se pôr no seguimento de Jesus!
Ao longo de todo o Evangelho segundo Marcos, é testemunhada essa preocupação de Jesus acerca da manifestação da própria identidade: ele não deve ser divinizado rapidamente demais, não se deve fazer isso por estar encantado com os prodígios realizados por ele, nem se deve fazer isso porque nos entusiasmamos com ele.
Só se poderá fazer isso quando, tendo seguido Jesus até o fim, ele for visto pendurado na cruz. Só então – atesta o Evangelho – a confissão do leitor pode ser verdadeira, feita na verdade e com profundo conhecimento, junto com o centurião que, vendo Jesus pendurado no lenho, proclama: “Verdadeiramente, esse homem era Filho de Deus!” (Mc 15, 39). O melhor comentário é uma palavra de um monge do século XII, Guigo I, o Certosino: “Nua e pendurada na cruz, deve ser adorada a verdade”.
E eis que Marcos, criando uma inclusão com o início do relato (“todos ficavam admirados com o seu ensinamento”), anota: “E todos ficaram muito espantados e perguntavam uns aos outros: ‘O que é isso? Um ensinamento novo, dado com autoridade: ele manda até nos espíritos maus, e eles obedecem!’”.
As pessoas presentes na sinagoga de Cafarnaum se interrogam cheias de medo: escutaram e viram que até mesmo as potências do mal são vencidas por Jesus graças à sua “palavra nova”, eficaz. O reino de Deus realmente se aproximou, e Jesus é cada vez mais reconhecido como uma presença através da qual o próprio Deus fala e age em toda a Galileia, a terra destinatária da sua pregação.
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A jornada de Cafarnaum - Instituto Humanitas Unisinos - IHU