21 Junho 2018
Neste momento da história, em que nós temos necessidade de profetas, me parece que a figura do Batista pode nos ajudar a abrir caminhos novos para que haja mais justiça, igualdade, dignidade na nossa sociedade contemporânea.
A reflexão a seguir é de Raymond Gravel (1952-2014), sacerdote de Quebec, Canadá, publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras da Natividade de São João Batista. A tradução é de Susana Rocca.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: Is 49,1-6
2ª leitura: At 13,22-26
Evangelho: Lc 1,57-66.80
Para nós quebequenses, o nosso santo é de uma importância tão grande que, quando a sua festa cai em domingo, nós o celebramos. Isso é bem raro! Mas o que ele tem de tão importante? A partir dos textos bíblicos que nos são propostos, vou tentar apresentá-lo a vocês.
Podemos verdadeiramente dizer, hoje, que João Batista é o último profeta da antiga Aliança e o primeiro da nova Aliança. Ele marca a transição entre os dois... Da tradição e da religião judaicas, João Batista criticou abertamente a religião do seu tempo: “E João percorria toda a região do rio Jordão, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados” (Lc 3,3). E as multidões que lhe perguntavam o que ia fazer? "Ele respondia: 'Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem. E quem tiver comida, faça a mesma coisa’” (Lc 3,11). Aos arrecadadores de impostos que vinham para que ele os batizasse, ele lhes dizia: “Não maltratem ninguém; não façam acusações falsas, e fiquem contentes com o salário de vocês” (Lc 3,14).
No fundo, João Batista denunciou a religião esclerosada do seu tempo e a corrupção generalizada pelos líderes. Foi um grande profeta como Isaías, Amós, Jeremias, e tantos outros. Os primeiros cristãos interpretaram o profeta Isaías, que temos na primeira leitura de hoje, como se fosse João Batista: “Ele fez da minha língua uma espada afiada e me escondeu com a sombra de sua mão; ele me transformou numa seta pontiaguda e me guardou na sua caixa de flechas” (Is 49,2).
Por outro lado, o que fez de João Batista o primeiro profeta da nova Aliança é que ele anuncia a vinda do Messias. Como lembra São Paulo, na sinagoga da Antioquia de Picídea, como lemos na segunda leitura de hoje dos Atos dos Apóstolos: “Conforme havia prometido, Deus fez surgir da descendência de Davi um Salvador para Israel, que é Jesus. E João, o precursor, havia preparado a chegada de Jesus, pregando a todo o povo de Israel um batismo de arrependimento” (At 13,23-24). E para não confundir o Batista com o Cristo, o autor do livro dos Apóstolos escreve: “Não sou aquele que vocês pensam que eu seja! Vejam: depois de mim é que vem aquele do qual não mereço nem se quer desamarrar as sandálias!” (At 13,25). Não é ao azar que a Igreja celebre o nascimento de João Batista no dia 24 de junho, no momento onde o sol começa a descer no horizonte, enquanto o nascimento de Cristo se celebra no dia 25 de dezembro, quando o sol começa a subir no horizonte, no hemisfério norte, obviamente, pois estas festas começaram no império romano.
Entre João Batista e Jesus de Nazaré há uma espécie de parentela espiritual, de modo que São Lucas os apresenta como primos. Enquanto Maria, a nova Aliança visita Isabel, a antiga Aliança, São Lucas diz que elas são parentas (Lc 1,36). São Lucas quer nos mostrar que há uma continuidade entre a pregação de João Batista e o agir de Jesus de Nazaré: “Eu batizo vocês com água. Mas vai chegar alguém mais forte do que eu. E eu não sou digno nem sequer de desamarrar a correia das sandálias dele. Ele é quem batizará vocês com o Espírito Santo e com fogo” (Lc 3,16). Mas há também uma ruptura, pois João Batista acrescenta: “Ele terá na mão uma pá; vai limpar sua eira, e recolher o trigo no seu celeiro; mas a palha ele vai queimar no fogo que não se apaga” (Lc 3,17). Não tendo Jesus exercido assim a sua missão, João Batista enviou dois discípulos para perguntar a Jesus: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (Lc 7,20). E a resposta de Jesus se inspira no profeta Isaías: “Voltem, e contem a João o que vocês viram e ouviram: os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, e a Boa Notícia é anunciada aos pobres” (Lc 7,22).
Por outra parte, quando Jesus fala de João Batista, ele reconhece a qualidade de homem e de profeta que ele foi: “Então, o que é que vocês foram ver? Um profeta? Eu lhes garanto que sim: alguém que é mais do que um profeta” (Lc 7,26). E ele acrescenta: “Eu digo a vocês: entre os nascidos de mulher ninguém é maior do que João. No entanto, o menor no Reino de Deus é maior do que ele” (Lc 7,28). Mas tanto se trate de João Batista como de Jesus, os dois são criticados e rejeitados pelos fariseus e os doutores: “Pois veio João Batista, que não comia nem bebia, e vocês disseram: ‘Ele tem um demônio!’ Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e vocês dizem: ‘Ele é um comilão e beberrão, amigo dos cobradores de impostos e dos pecadores!’” (Lc 7,33-34).
João Batista é o padroeiro dos canadenses franceses, mas em especial dos quebequenses que celebram a sua festa nacional no dia 24 de junho. Neste momento da história, em que nós temos necessidade de profetas, me parece que a figura de João Batista pode nos ajudar a abrir caminhos novos para que haja mais justiça, igualdade, dignidade na nossa sociedade contemporânea. Em Quebec, onde a crise social pune duramente os jovens, os indignados de todas as idades, nos fazem falta outros profetas como João Batista para lembrar aos nossos governos que eles estão num beco sem saída. Esses profetas devem sair do comum, como João Batista, que na hora do seu nascimento pensavam que ele estaria em consonância com seu pai Zacarias. Porém, sua mãe Isabel foi contra todos os cálculos: “O nome dele é João” (Lc 1,60). É evidente que os profetas de hoje como aqueles de antes são rejeitados, julgados e até condenados pelos dirigentes e pelos entendidos, mas isso não deve impedir que as mulheres, os homens, os jovens, denunciem as injustiças e lhes exijam uma transformação profunda na nossa sociedade.
Esses profetas devem ter a audácia de empreender novos caminhos que talvez não sejam mesmo bem-entendidos e eles devam demonstrar a sua humildade, isto é, saber retirar-se para deixar o lugar àquele ou àquela que possa mudar as coisas. Como João Batista, o precursor de Cristo: “É preciso que ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30).
A todas e a todos que acreditam na justiça e que ela é sempre possível de fazer o mundo melhor, desejo-lhes uma feliz festa Nacional, um bom dia de São João Batista!
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Natividade de São João Batista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU