06 Janeiro 2017
Estamos hoje não mais diante apenas da criança na manjedoura, mas do Rei da glória que visita a humanidade e a quem a Igreja, a exemplo dos Magos, leva os presentes da sua fé, da sua esperança e da sua caridade. Bem mais que dos Reis Magos, a festa, hoje, é do Rei
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras da Solenidade da Epifania do Senhor, do Ciclo A. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas
1ª leitura: «Levanta-te Jerusalém, porque apareceu sobre ti a glória do Senhor» (Isaías 60,1-6)
Salmo: Sl. 71(72) - R/ As nações de toda a terra hão de adorar-vos, ó Senhor!
2ª leitura: «Os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa» (Efésios 3,2-3.5-6)
Evangelho: «Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo» (Mateus 2,1-12)
Os povos caminham à tua luz
Este é o mistério escondido desde o começo (segunda leitura): por mais diferentes que sejamos, somos todos chamados a formar um só corpo. Por que então foi necessário que tudo se iniciasse na diferença? Para que nenhum de nós, judeu ou pagão, homem ou mulher, superdotado ou com debilidades, pudesse se tomar pelo universal, pudesse se tomar por Deus.
Temos de aprender a assumir a nossa incompletude: temos necessidade do outro, precisamos dos outros para existir em plenitude. Por isso Gênesis 1 nos mostra Deus criando a diferença: dia e noite, seco e úmido, as espécies animais... O ser humano foi criado masculino e feminino e a sua união é que dá nascimento à imagem do divino.
O episódio dos Magos anuncia a convergência de todos os estrangeiros do mundo, rumo à unidade. Esta se dá no Homem Novo que acaba de nascer. Os Magos estão nos antípodas de Israel: sacerdotes do antigo Iran, letrados e adeptos muitas vezes das ciências ocultas, mais ou menos astrólogos, como insinua a menção à estrela misteriosa que os guia, não têm nada a ver com a descendência de Abraão.
O evangelho nos anuncia que homens e mulheres, mesmo os mais afastados do "povo eleito", adeptos de todas as ideologias e participantes de todas as culturas, acabarão por convergir para esta nova criança que veio ao nosso mundo. O Evangelho de Mateus, no fundo, desde o seu início, nos põe na presença do final dos tempos.
Uma longa estrada
O episódio dos Magos é fértil de múltiplas significações. Quer nos dizer, em particular, que tudo nos levará a Cristo, à nova humanidade que Ele inaugura. Tudo! Nossas filosofias as mais pretenciosas, a nossa idolatria da ciência e os objetos que fabricamos, as nossas ilusões de liberdade absoluta, a nossa recusa dos limites... Tudo, até mesmo o que a religião chama de pecado.
De fato, todos os nossos malfeitos se condensam na condução de Cristo, Palavra e Verdade de Deus, à morte, sendo que desta rejeição mortal o Amor fez surgir a vida. O mal foi de qualquer forma submetido e condenado a produzir o seu contrário, o bem. Levantado na Cruz é que Cristo atrai para si todos os homens, fazendo caminhar em sua direção todos os "magos" da terra. Mas como isto pode se dar?
Claro, é preciso que os homens experimentem a vacuidade da sua pretensão de, por si mesmos, atingirem o topo, o seu auge. Trata-se, antes de tudo, de fazer a experiência de que, obedecendo à nossa vontade de poder, seremos levados somente à divisão e ao homicídio. Ao desastre. Mas que, com Cristo, o fundo mesmo das coisas, a verdade última do ser humano revela-se como sendo o amor, o acolhimento do outro e o dom de si mesmo.
Esta é a resposta que Deus oferece à procura ansiosa de homens e mulheres, em busca da sua realização. Resposta que, por certo, já nos foi dada, mas não tem o condão de nos transformar. Tanto que seguimos colocando nossa fé em nossas ilusões. Mas, devemos repetir, os nossos erros todos são assumidos e são utilizados, pela Cruz.
Sob o regime do amor
Assim, o episódio dos Magos remete-nos à Páscoa e a esta atração que Cristo exercerá sobre todos os povos, na medida em que renunciem a contar somente consigo mesmos, com a sua própria força e sua ciência, para chegarem à realização (que chamamos de "salvação"). Notemos que a estrela misteriosa escapa às leis ordinárias da gravitação!
O que irão encontrar no termo da sua procura? Um recém-nascido, ou seja, um ser de necessidade, sem nenhum poder, indefeso. Um casal de pobres que não encontrou nem lugar nem acolhida entre os homens, tendo de ir se abrigar num local reservado aos animais. Eis aí, desde já, o "Cordeiro de Deus", um Deus que se apresenta desarmado e, de alguma forma, a mendigar o amor. O Deus rejeitado do Gólgota.
Já estamos vendo Herodes premeditar a morte desta criança. Inspirando-nos na primeira leitura, transformamos os Magos em reis. E por que não? Por aí, queremos significar que o poder se inclina diante da fraqueza e que o poder só tem valor se submetido ao amor. Somente o amor tem poder absoluto: somente ele pode, de fato, fazer existir qualquer coisa, criar onde não havia nada.
Os Magos voltaram para a sua terra por outro caminho: vão reencontrar o seu universo familiar, rever os mesmos rostos, assumir as mesmas tarefas e, no entanto, tudo terá mudado. Quando forem despojados do seu ouro, do incenso e da mirra, seu caminho não será mais o mesmo.
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Epifania do Senhor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU