Por: André | 28 Fevereiro 2014
Neste evangelho, nós somos, pois, convidados a escolher entre a escravidão e a liberdade. A escravidão em relação às nossas posses materiais ou a liberdade que Deus, nosso Pai e nossa Mãe, nos dão. Para escolher, devemos distinguir entre os meios que nos são oferecidos e o fim visado.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 8º Domingo do Tempo Comum – Ciclo A do Ano Litúrgico (02 de março de 2014). A tradução é de André Langer.
Referências bíblicas:
Primeira leitura: Is 49,14-15
Segunda leitura: 1 Cor 4,1-5
Evangelho: Mt 6,24-34
Eis o texto.
Ao ler o Evangelho desse oitavo Domingo do Tempo Comum, comecei a cantarolar a música de Robert Lebel: “Buscai primeiro o Reino e a justiça de Deus... Buscai primeiro o Reino, o resto vos será dado”. Na música, pode parecer fácil, mas no dia a dia, isso é tão claro? Eu não estou certo, tanto mais que estudos recentes demonstram claramente que para os pássaros migratórios, pelo menos sua sobrevivência não é garantida tão facilmente. Cientistas afirmam que a maioria deles jamais chega ao seu destino, por causa do cansaço da viagem e da falta de alimentos. E no que diz respeito às flores, sua fragilidade é diretamente proporcional à sua curta duração. O que Mateus quer dizer à sua comunidade por meio deste relato? Devemos fazer uma leitura ingênua, desresponsabilizando-nos da nossa própria sobrevivência? Ou, ao contrário, devemos escolher entre Deus e o Dinheiro? Não se trata antes de um convite à confiança, a fim de nos libertar do poder do Dinheiro que pode, em alguns momentos, nos causar tantas preocupações?
1. Deus ou o Dinheiro
O início do evangelho de hoje dá o tom: “Ninguém pode servir a dois senhores. Porque, ou odiará a um e amará o outro, ou será fiel a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt 6,24). Como a palavra Dinheiro, utilizada por Mateus comporta um maiúsculo, não se trata do dinheiro que usamos para comprar o que é necessário, mas do Deus Mammon (Dinheiro) que nos escraviza. E Mateus tem toda a razão: quando o Dinheiro toma todo o lugar em nossa vida, queremos ter sempre mais, porque vivemos na insegurança e desenvolvemos uma espécie de dependência dos bens materiais que nos impedem de gozar da vida e da existência. Estamos de tal maneira preocupados com as riquezas que isso prejudica a nossa saúde física, psicológica e espiritual.
A questão que surge é a seguinte: o que vem primeiro? A pessoa humana? A alimentação de que temos necessidade ou ainda as roupas que usamos? Parece-me que ao ler Mateus podemos dizer que na realidade a vida não é feita para a alimentação; são os alimentos que estão a serviço da vida; assim com o corpo não está para as roupas, mas antes as roupas para o corpo. Na verdade, as inquietações, as preocupações e as ansiedades não servem para a vida; pelo contrário, elas a encurtam: “Quem de vocês pode crescer um só centímetro, à custa de se preocupar com isso?” (Mt 6,27).
E os dois exemplos utilizados pelo evangelista Mateus ilustram muito bem que é Deus quem dá a vida – os alimentos aos pássaros do céu; e que é Ele que cobre de dignidade sua criação – a beleza dos lírios do campo. O homem não é responsável por isso, de onde o convite à confiança que é feito.
2. Um Deus Pai e Mãe
Mas por que esse relato? O evangelista Mateus quer mostrar à sua comunidade que a fé cristã tem suas exigências: o que distingue um cristão é a confiança nesse Deus que se apresenta como um Pai e que pede para ser reconhecido como tal. No fundo, se Deus se ocupa de alimentar os pássaros do céu e reveste as flores dos campos com tão belas roupas, como pode não fazer ainda mais pelos seus filhos? E mais ainda: esse Deus Pai nos ama com um amor maternal. Na primeira leitura de hoje, o profeta Isaías compara Deus a uma mãe, porque o povo se sente abandonado por ele: “Mas pode a mãe se esquecer do seu nenê, pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas? Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você” (Is 49,15).
É porque a relação que os cristãos devem estabelecer com Deus é uma relação de confiança que deságua na esperança. Eis o essencial: “Portanto, não fiquem preocupados, dizendo: O que vamos comer? O que vamos beber? O que vamos vestir? Os pagãos é que ficam procurando essas coisas. O Pai de vocês, que está no céu, sabe que vocês precisam de tudo isso” (Mt 6,31-32). Entretanto, o cristão não perde sua responsabilidade; ele deve trabalhar para restaurar a justiça que é o primeiro valor de toda a Bíblia: “Pelo contrário, em primeiro lugar busquem o Reino de Deus e a sua justiça, e Deus dará a vocês, em acréscimo, todas essas coisas” (Mt 6,33).
Neste evangelho, nós somos, pois, convidados a escolher entre a escravidão e a liberdade. A escravidão em relação às nossas posses materiais ou a liberdade que Deus, nosso Pai e nossa Mãe, nos dão. Para escolher, devemos distinguir entre os meios que nos são oferecidos e o fim visado. O padre francês Léon Paillot escreve: “Jesus nos convida à liberdade. E nos convida, pela mesma razão, a entrar na verdadeira vida: não tomar os meios pelo fim. O dinheiro, e tudo o que possuímos, que ele nos faz ganhar pelo nosso trabalho para levar uma vida normal, são apenas meios. Mas a vida é outra coisa: ela é comunicação, relações verdadeiras entre os homens, criação de amor. É tudo isso, o Reino que Jesus nos convida a buscar prioritariamente e no qual nos convida a entrar. É o mundo da fraternidade possível entre todos aqueles que confiam no Deus-Amor, no Deus paternal e maternal revelado por Jesus Cristo. Cada um deve escolher seu caminho.”
Por outro lado, devemos sobretudo não esquecer esta bela recomendação do Senhor, para nos ajudar a viver o essencial com sabedoria: “Portanto, não se preocupem com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã terá suas preocupações. Basta a cada dia a própria dificuldade” (Mt 6,34).
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O essencial. Uma questão de confiança (Mt 6,24-34) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU