27 Fevereiro 2011
Com pouco mais de seis meses antes da introdução da nova tradução Inglesa do Missal Romano, as vozes dissidentes e a preocupação continuam a crescer. Aqui, um estudioso da liturgia, Philip Endean, argumenta que, se o missal deve ser aceito com convicção, é vital que seus apoiadores se façam ouvir.
O artigo foi publicado na revista semanal inglesa The Tablet, 19-02-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Nas últimas semanas, foi possível ver alguns comentários significativos e de alto nível sobre a nova tradução em inglês do Missal. A Vox Clara, inicialmente concebida como uma comissão de supervisão dos bispos, mas agora, aparentemente, a agência executiva dominante, se reuniu em Roma no começo deste mês. Sua subsequente nota de imprensa acabou por expressar a "satisfação de que a realização da tradução em inglês do Missal Romano tenha sido saudada em todo o mundo de fala inglesa".
Enquanto isso, na Grã-Bretanha, o jornal The Catholic Herald relatou que as autoridades da Igreja na Inglaterra e no País de Gales "não esperam resistência à nova tradução do Missal Romano quando ele for introduzido em setembro". O secretário em exercício da comissão de liturgia dos bispos foi citado desta forma: "Há pessoas que gostam e pessoas que não gostam e alguns que não têm tanta certeza. Mas eu acho que você vai ver, no fim, que o clero é um grupo bastante pragmático de pessoas... "
No entanto, em outros lugares, há indícios de inquietação. A edição da semana passada da The Tablet informou que até o Pe. Anthony Ruff OSB, da Abadia St. John, em Collegeville, Minnesota, nos EUA, até recentemente presidente da comissão de música do órgão responsável pela tradução, a International Commission on English in the Liturgy - Icel, havia escrito para dos bispos dos EUA, retirando-se de todas as futuras palestras programadas sobre o Missal. O Pe. Anthony, que estava encarregado de preparar os cânticos para a nova tradução, disse: "Tenho certeza de que os bispos querem um orador que possa colocar o novo Missal em uma luz positiva, e isso iria me obrigar a dizer coisas em que eu não acredito...".
Menos divulgado foram os posts do Pe. Anthony no inestimável blog que ele moderada: Pray Tell (www.praytellblog.com). Ele nos dá uma série de histórias sobre como outras pessoas do ministério vêm reagindo à sua decisão. Um padre diocesano perguntou ao seu bispo, há algumas semanas, sobre a nova tradução e ouviu como resposta: "Eu acho que vai ser um desastre". Agora, esse mesmo bispo está escrevendo em seu jornal diocesano que o novo Missal será uma "bênção".
A conclusão geral do Pe. Anthony é caracteristicamente generosa: "Seria muito fácil acusar os outros de desonestidade ou hipocrisia. Eu vejo, pelo contrário, pessoas altamente dedicadas, colocadas em situações difíceis pela Igreja".
Por tudo o que sabemos, o otimismo da Vox Clara pode estar certo, e, para a maioria dos católicos, não haverá grande problema em usar a nova e não familiarizada tradução. Não seremos realmente capazes de falar até que isso aconteça, afinal, nunca tentamos antes mudar indiscriminadamente uma tradução estabelecida.
Além disso, embora as diferenças de opinião sejam evidentes, não há nenhuma forma confiável para avaliar os números envolvidos. Mas, claramente, algumas pessoas competentes e comprometidas estão preocupadas, incluindo especialistas em liturgia. Mesmo aqueles que mais acolheram as novas regras para a tradução imposta pelo Vaticano em 2001 estão ofendidos com as extensas revisões finais, feitas de forma unilateral e, aparentemente, sem justificativas consistentes por parte da Vox Clara.
A blog Pray Tell contém várias análises devastadoras de Xavier Rindfleisch ("Xavier Bife", uma brincadeira com Xavier Rynne, que publicava artigos anonimamente sobre o Vaticano II), e os leitores da The Tablet irão se lembrar da digna reclamação do Pe. Alan Griffiths sobre as alterações à tradução da ICEL.
O Pe. Griffiths, que se envolveu na preparação de recursos para a recepção do novo Missal em inglês, ressaltou que a tradução de 2008, aprovada pelas conferências episcopais e realizada em espírito da "Liturgiam Authenticam" – as orientações da Santa Sé sobre a tradução para o vernáculo –, tivera uma revisão indiscriminada. "Parece razoável perguntar o que está acontecendo aqui", escreveu o Pe. Griffiths. Em seis semanas, ele foi removido da lista de consultores da ICEL.
Como estão aquelas pessoas comprometidas e competentes diante da situação atual? Parece haver três caminhos possíveis pela frente. Se estiverem economicamente seguros, eles podem, como o Pe. Anthony, se retirar do trabalho litúrgico ativo – não porque eles não reconhecem a devida autoridade da Igreja, mas porque sabem que, em consciência, não podem promover a nova tradução com integridade. Se tentarem, a falsidade surgirá, pelo menos subliminarmente, em formas que não ajudarão ninguém.
Como alternativa, talvez com um olho na fonte do seu sustento, eles podem optar por sair de suas responsabilidades, baixar suas cabeças e, pragmaticamente, ir contra a corrente para trabalhar com o novo texto. Mas o que é realmente necessário é algo mais positivo: de alguma forma, é preciso que eles encontrem uma convicção de fé de que os novos textos propostos realmente representam a vontade de Deus para a Igreja neste momento.
Apenas este último tipo de resultado é desejável. A primeira provocará divisões; o segundo (onde provavelmente esteja a maior tentação) é espiritualmente corrosivo. Mas esse bom resultado não acontecerá a menos que todos estejam preparados para trabalhar nele, particularmente aqueles com autoridade.
O mínimo que precisamos é de uma catequese que se comprometa, e não só de fachada, com as dúvidas que muitas boas pessoas têm sobre o conteúdo da nova tradução e os processos de sua gestação. Mais importante, precisamos que aqueles que têm autoridade mostrem um senso de convicção real na introdução do seu texto.
Há muitos bispos de fala inglesa que votaram pela aprovação da tradução do Missal de 1998, e em seguida votaram pela aprovação de uma versão radicalmente diferente 10 anos mais tarde, e que agora esperam dar as boas-vindas e promulgar algo diferente de novo. Pode-se pedir que os católicos romanos obedecer com direito aos seus pastores, mas, quando os membros da Igreja têm de aceitar o que não querem, eles precisam sentir que a exigência está vindo de um lugar bom, cheio do Espírito Santo.
Se nós mesmos não temos a convicção e a energia para o que estamos sendo convidados a fazer, temos uma necessidade e um direito de esperar isso de nossos superiores. Uma liderança desse tipo nos permite crescer e mudar por meio da inadequação. Em sua ausência, a obediência cristã se degenera em uma imatura transferência de responsabilidades.
Realmente ajudaria se alguns bispos que mudaram suas opiniões sobre a política de tradução litúrgica compartilhassem conosco algo sobre como o Espírito os levou a fazer isso. Precisamos dessa liderança também. Não sabemos nada sobre isso. Isso pode nos ajudar a mudar as nossas opiniões – e nossas opiniões precisam ser alteradas se a introdução do novo Missal tiver sucesso.
Talvez esse argumento não seja realista, e a convicção simplesmente não está aí. Talvez nossos pastores não tiveram experiências reais de conversão, mas só aceitaram rotineiramente o que suas equipes e seus especialistas colocaram na sua frente. Se este for o caso, então o processo foi realmente equivocado. Seus resultados não são confiáveis, e devemos dar um basta, desde já. A liturgia molda a vida devocional de cada católico praticante. Grandes decisões sobre o assunto precisam ser tomadas com discernimento, não porque elas atendem à burocracia.
Ninguém pode duvidar que a nova tradução do Missal foi mandada juridicamente pela máxima autoridade da Igreja. Mas o bem das almas, que é a lei suprema da Igreja, exige, exceto em casos extremos, mais do que correção jurídica.
Os bispos devem governar primeiro "com o conselho, a persuasão e o exemplo". Quando usam seu poder sagrado e sua autoridade, eles o fazem "unicamente para edificar o próprio rebanho na verdade e na santidade" (Lumen Gentium, 27).
Se quisermos continuar com alguma confiança de que a nova tradução representa a vontade de Deus para toda a Igreja, precisamos urgentemente dessa edificação. Um fanatismo conformista não será suficiente. Precisamos que líderes inteligentes, bem informados e sensíveis que realmente acreditem nesse novo texto se manifestem muito mais publicamente do que têm se manifestado até agora.
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Sentido e sensibilidades: a tradução inglesa do Missal Romano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU