05 Fevereiro 2024
"Dado que a vida é uma relação e só pode continuar com base em relações autênticas, onde o reconhecimento social é fundamental, é evidente que o fechamento em si mesmos só pode prejudicar o futuro", escreve Carlo Bordoni, sociólogo italiano, em artigo publicado por Corriere della Sera, 30-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Chiara Giaccardi e Mauro Magatti, ambos professores de Sociologia na Católica de Milão, há tempo levam adiante o discurso sobre a generatividade, já abordada em textos anteriores e em particular em Supersocietà (il Mulino, 2022), onde discutem a continuidade da sociedade líquida de Zygmunt Bauman e preconizam um “super” consórcio civil. Mais no sentido próprio da preposição latina super, ou seja, "além" ou "para além", do que no sentido melhorador do social.
Agora, seu novo livro foi lançado na sexta-feira, 2 de fevereiro, pela Il Mulino, Generare Libertà [Gerar Liberdade], verdadeiro manifesto da crise do presente, consegue resumir, com uma linguagem compreensível e um estilo simples, o conjunto das problemáticas que afligem o mundo contemporâneo. Não é uma operação fácil, mas meritória, uma vez que as análises sociológicas costumam lidar com aspectos específicos individuais e nem sempre conseguem representar a totalidade. Que, afinal, é o que falta para sair do impasse.
Bauman teve sucesso com a modernidade líquida no início do terceiro milênio, mas se deteve na soleira do interreino, antes que a pandemia embaralhasse as cartas, deixando-nos na incerteza e na impossibilidade de encontrar novos paradigmas para experimentar.
A síntese de Giaccardi e Magatti parte da contradição incurável entre uma sociedade que impõe a padronização dos comportamentos e a pretensão do indivíduo de realizar-se livremente; de ser reconhecido como único, irrepetível e particular em comparação com o outro, expressando assim o seu desejo de liberdade, sem, no entanto, conseguir realizá-lo plenamente devido a normas sociais rigorosas.
Inquietante, mas merecedora de reflexão, é a citação de Slavoj Žižek, segundo quem “existem liberdades que nos são concedidas, desde que não as usemos”. Portanto, a liberdade como puro enunciado teórico que não se reflete na prática.
Existe um sistema mais amplo de restrições fora da política, argumentam os autores, ao qual a própria política está sujeita, que tem as suas raízes profundas na maquinização. Ou seja, naquela grandiosa construção social, típica da modernidade, que utiliza a tecnologia como instrumento para sustentar a organização da vida. Uma organização que só graças à tecnologia - desde sempre fiel aliada do ser vivo - pode sustentar a crescente complexidade social, face ao desenvolvimento demográfico que viu a população mundial crescer de um para 8 bilhões de pessoas desde o início do século XX até hoje. Acompanhada por um aumento significativo da expectativa de vida.
A padronização é, à sua maneira, uma tentativa de organização, mas também uma oportunidade para desacelerar a degradação, ou seja, a entropia, que nos levaria diretamente ao caos e à morte do sistema vivo.
É importante a referência à entropia (medida da degradação da energia térmica e, portanto, medida da probabilidade) e ao seu oposto, a negentropia (a entropia negativa), que Bernard Stiegler (outro dos pensadores de referência de Giaccardi e Magatti), juntamente com Bauman) colocou ao lado de uma “antropia” e da relativa “negantropia” (em relação às consequências negativas e positivas da atividade humana).
A organização é a única modalidade de transformar a desordem em algo positivo, ou seja, desenvolver suas qualidades negentrópicas, vitais e criativas. Edgar Morin, entre outros, falou sobre isso em seus estudos fundamentais sobre o Método. Nesses espaços de manobra tão estreitos por culpa da padronização, o indivíduo se rebela e segue caminhos alternativos, considerando-os libertadores, que, no entanto, resultam sem saída e levam a um isolamento progressivo.
Dado que a vida é uma relação e só pode continuar com base em relações autênticas, onde o reconhecimento social é fundamental, é evidente que o fechamento em si mesmos só pode prejudicar o futuro. “Sem uma elaboração positiva da ideia de liberdade - afirmam - e numa perspectiva que permanece individualista, o sonho de liberdade torna-se um sonho de soberania, isto é, de dominação: sobre o outro (o servo que se torna senhor) ou sobre a realidade (homo deus)”.
Não só, portanto, a condenação sem reservas da pretensão de dominar a natureza, que levou a consequências desastrosas, mas sobretudo da arrogância de dominar o outro. Nessa condição imperfeita de grande instabilidade é possível cair na “armadilha de Tucídides” (expressão de Graham Allison), pensando encontrar na guerra “um método regenerador e purificador”. Ou voltar-se para soluções autoritárias, soberanismos, políticas fortes e centralizadoras, na esperança de uma mudança que não acontecerá. Como sempre o demonstraram os resultados dos conflitos ou as soluções totalitárias.
A esperança deve ser procurada, segundo os dois sociólogos, no princípio generativo da vida que se alimenta de contradições e de experimentações. “É ordem e desordem, segurança e risco, inovação e estabilidade, singularidade e sintonia, dissonância e ressonância”. Ao que poderíamos acrescentar uma pitada de saudável desobediência.
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A ilusão individualista. Artigo de Carlo Bordoni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU