13 Dezembro 2018
"Só a experiência erótica nos poderá salvar do apocalipse da indiferença e do individualismo que contaminou a vida cristã", escreve Ademir Guedes Azevedo, padre, missionário passionista e mestrando em teologia fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana.
Uma nuvem de depressão parece impor-se aos poucos no cotidiano. A violência política, o medo do retorno a sistemas totalitários que não toleram as diferenças, um papa lutando quase sozinho numa Igreja que tende ainda a antigos costumes medievais e a vícios de corte, a família em crise sem conseguir controlar a influência das mídias sociais na relação dos casais, uma vida religiosa atormentada pela dúvida se continua investindo na estrutura ou se é hora de revolucionar com aquela atitude humilde de ouvir os seus membros e revitalizar a tal ponto de ser um estilo de vida adulto e credível para um mundo em mudanças... Mas enfim, qual seria a causa de tudo isso?
Arriscamos em dizer: autorreferencialidade e narcisismo nossos. Autorreferencialidade para garantir a corrida em vista aos melhores cargos e funções, não apenas ao interno da Igreja, mas em qualquer esfera social. Aliás quem não gosta de ser o centro e vencer sempre os outros com a racionalização da “verdade”? Narcisismo que põe a nós jovens em contato com a cultura do bem-estar que nos pede o uso das melhores marcas do mercado, a garantia do futuro com a conta bancária gorda, a instrumentalização do ministério presbiteral como funcionários do sagrado, a pouca fé naquilo que se prega e o culto ilusório pela boa aparência. A sede pelos títulos acadêmicos é insaciável porque o que conta não é a sabedoria desinteressada e tão exaltada pelos antigos filósofos, mas aquele conhecimento contaminado por interesses pessoais que me leva a ser apreciado pelos outros e me faz esquecer que o outro é meu irmão simplesmente porque é um ser humano. Nas redes sociais podemos selecionar com quem queremos interagir. Aqueles que me ferem e me provocam com críticas são imediatamente bloqueados. A subjetividade adoeceu! Alcançou o nível mais alto e se transformou numa espécie de rainha louca que dita o modo de comportamento mais agradável ao “eu”.
Mas a rainha subjetividade que nos faz sentar nos tronos da autorreferencialidade e do narcisismo não seduziu apenas os jovens. Aproveitou-se também da vulnerabilidade dos idosos. O medo da morte motiva a consultas médicas pelo menos uma vez por semana; fazer o mínimo possível porque “já trabalhamos muito e agora toca aos jovens fazer”, é o mantra mais recitado pela assim chamada terceira idade. É proibido mudanças! Não se pode desbravar novos lugares para partilhar a experiência do Evangelho porque a rainha louca nos quer aprisionar no conforto rotineiro e nos está cegando para que não vejamos a realidade de outros mundos. Ahh... quase esqueci: a subjetividade enferma está aos poucos levando os jovens a acreditarem que eles não são capazes de reinventar uma nova vida religiosa. Para os jovens tudo tem um prazo, se permanece até quando der, depois se chuta o balde.
A subjetividade está doente, mas pode curar-se! Existe um remédio para matar o seu veneno: é a alteridade, com doses elevadas de solidariedade, energia que nos faz desejar o outro, que os antigos chamavam Eros. Esse remédio é plasmado no coração de todo ser humano. Por ser tão humano, Deus também quis ter Eros, por isso criou e redimiu o homem, para estar com ele e revelar a verdadeira vida. É aquela energia que nos faz pensar mais nos outros. Que nos faz remar por um objetivo maior, mesmo quando a noite é escura. Graças à sociedade da imagem, nossa energia erótica cresceu tanto que podemos desejar intensamente. Mas calma! Aqui está o segredo: investir nosso eros como alteridade significa pensar no outro não para aniquilá-lo e usá-lo como um instrumento, mas para propor a cultura do encontro e da ternura que me põe em contato com a vida do próximo, com suas alegrias e tristezas.
Uma subjetividade curada é aquela que admite que o meu “eu” só tem sentido com o “nós”. Eis porque hoje é tão difícil valorizar os projetos comuns. O eros arranca o sujeito de si mesmo e direciona-o para os outros. A subjetividade autorreferencial e narcisista, ao contrário, está sempre mergulhando em si mesma.
Quem sabe a nossa incalculável energia erótica poderia ser usada para ler os sinais dos tempos e aprendermos a discernir se estamos vivendo em modo solidário. Eu penso que o cristão é o homem do eros porque deseja encontrar-se, curar a própria vaidade e ser luz para quem está crucificado pelo inferno da cultura do igual. Só a experiência erótica nos poderá salvar do apocalipse da indiferença e do individualismo que contaminou a vida cristã.
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Experiência erótica na vida cristã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU