06 Outubro 2018
"Apesar do encerramento do Tempo da Criação no dia 4 de outubro, é urgente que as comunidades religiosas ao redor do planeta avancem com a revelação, inspiração, crescimento de energias espirituais e colaboração global que o evento litúrgico nutriu na renovação do compromisso. É essencial que a família humana tente reverter a dinâmica da mudança climática, do impacto ambiental, da injustiça e dos conflitos violentos enquanto as pessoas lutam para sobreviver", escreve James Hug, padre jesuíta, que foi presidente do Center for Concern, organização sediada em Washington, DC, centrada na promoção da justiça social, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 04-062018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
À medida que se aproxima o final da celebração litúrgica do Tempo da Criação de 2018, a séria necessidade de oração, estudo e ação disseminada em resposta às ameaças destrutivas da mudança climática nunca foram tão urgentes.
Considerando tudo o que ouvi ao longo dos anos sobre os perigos da mudança climática e do impacto ambiental, nunca consegui imaginar um fim possível para a vida humana ou a destruição da vida como a conhecemos no planeta. Até agora.
Logo após o furacão Florence e o tufão Mangkhut, a visão aérea de cidade inteiras submersas trouxe de volta a imagem das cidades Maias e Incas, hoje tomadas pela selva, vida humana e civilizações desenvolvidas que desapareceram completa e misteriosamente. Quantas vezes mais veremos incêndios ou enchentes considerados "o maior do século" ou "o maior dos últimos mil anos" (que agora estão praticamente chegando a uma vez por ano ou uma vez em poucos anos) para que as pessoas parem de querer ou poder reconstruir? Este ano, pela primeira vez, pelo que me lembro, os cientistas estão avisando explicitamente que a mudança climática não é um perigo para o futuro que precisamos tentar prevenir. A mudança climática está aqui agora e vai continuar piorando. É o novo normal.
Como se estivessem reforçando essa realidade, recentemente com uma seção destacada de um jornal de Ohio, The Toledo Blade, incluiu essas notícias cerca de uma semana após as duas tragédias:
* Tilápias usadas para tentar controlar o crescimento excessivo de algas e de lentilha d'água devido ao aumento das temperaturas e do escoamento das fazendas, que está sufocando os lagos da região (Página 1).
* Porto Rico marca um ano desde que o furacão Maria atacou a ilha e ainda tenta se recuperar (Página 2).
* A água das enchentes está baixando aos poucos nas Carolinas; alguns rios ainda não atingiram o ponto máximo de nível de água depois da tempestade; autoridades estão tentando evitar outros desastres; danos do furacão Florence ameaçam o meio ambiente (Página 3).
* As temperaturas de hoje poderiam ser suficientes, segundo as temperaturas atuais e dados arqueológicos de cerca de 125.000 anos atrás, para derreter grande parte do manto de gelo da Antártida Oriental na bacia Subglacial Wilkes. A região é quase do tamanho dos estados da Califórnia e do Texas juntos e contém água quase suficiente para aumentar o nível do mar em mais de 3,5 m no mundo todo (Página 4).
* Uma séria diminuição nos enxames dos insetos voadores mais importantes preocupa cientistas: abelhas, mariposas, borboletas, joaninhas, besouros, efeméridas e vaga-lumes. No ano passado, um estudo alemão concluiu que há uma redução de 82% no número e no peso dos insetos capturados no meio do verão em 63 reservas naturais em comparação com 27 anos antes. Os cientistas afirmam que no mundo todo há menos insetos importantes para a polinização e para a produção de 80% dos alimentos que consumimos (Página 6).
* O editorial da edição levantou questões sobre a água na região, demonstrando preocupação com a importância dessas questões para a cidade e a região (Página 8).
A mudança climática está aqui agora e vai continuar piorando. Suas ameaças à vida como a conhecemos estão se tornando uma visão ainda mais clara e assustadora.
Será que a Terra está tentando nos ensinar, à sua maneira, o que Jesus tentou ensinar aos apóstolos quando disse: "Eu serei entregue para a pessoas que me mataram"?
Essa previsão da Paixão é muito significativa nos Evangelhos do terceiro e do quarto domingo do Tempo da Criação deste ano. Jesus prometeu ressuscitar três dias depois de sua morte. Ainda assim, os 12 apóstolos, liderados por Pedro, pensaram que por ser o enviado por Deus Jesus seria protegido e sairia dos conflitos com os romanos e líderes judeus como vencedor e salvador. Eles não conseguiam entender o que ele estava tentando dizer, mas tinham medo de perguntar.
Será que a mensagem da Terra para nós este ano é um aviso de seu sofrimento e sua morte? É uma mensagem que não entendemos e temos medo de achar que é mesmo possível? Os cientistas têm alertado para o fato de que já estamos na sexta grande extinção em massa da vida na Terra, a maior desde a que ocorreu na época dos dinossauros, há 66 milhões de anos, e a primeira causada principalmente pelo ser humano. Considerando as evidências das cinco primeiras extinções em massa gravadas na nossa arqueologia planetária, a ressurreição da Terra certamente poderia acontecer, mas levaria centenas de milhares - se não milhões - de anos.
Na encíclica "Laudato Si, sobre o Cuidado da Casa Comum", o Papa Francisco identificou a economia global — estruturada na competição que orienta o consumo e requer constante crescimento econômico num planeta com recursos limitados — como algo claramente destrutivo para a ecologia do planeta, incluindo a comunidade de seres humanos. A comunidade de seres humanos precisa parar de achar que vivemos num planeta com recursos ilimitados. No dia 1º de agosto, há menos de dois meses, escrevi sobre o Dia da Sobrecarga da Terra, destacando que em sete meses a comunidade humana já havia consumido os recursos renováveis que vão levar um ano inteiro para o planeta conseguir reabastecer. E o Dia da Sobrecarga da Terra deve chegar cada vez mais cedo. Essa dinâmica não pode continuar.
Esses padrões econômicos também levam uma desigualdade crescente a todo o planeta, prometendo gerar ainda mais conflitos e crises sociais. Num cenário em que um trabalhador comum numa grande empresa dos EUA recebe cerca de US$ 28.000 por ano e o diretor, US$ 28.000 a cada nove segundos, a crise social parece inevitável. Apesar de ser um exemplo extremo, as estruturas competitivas da economia global estão levando à desigualdade no mundo todo, fazendo com que cada vez mais pessoas necessitem desesperadamente de recursos neste planeta limitado, agravando o que o Papa Francisco descreveu como a crise econômica, social e ecológica mais complexa e inter-relacionada da história.
Está muito claro: a mudança climática está aqui.
Suas ameaças devastadoras estão cada vez mais aparentes. Ela é guiada por alguns dos sistemas sociais e econômicos mais básicos a partir dos quais vivemos na Terra atualmente. E talvez esteja avançando ainda mais rápido do que tinha sido previsto pelos nossos modelos analíticos.
Apesar do encerramento do Tempo da Criação no dia 4 de outubro, é urgente que as comunidades religiosas ao redor do planeta avancem com a revelação, inspiração, crescimento de energias espirituais e colaboração global que o evento litúrgico nutriu na renovação do compromisso. É essencial que a família humana tente reverter a dinâmica da mudança climática, do impacto ambiental, da injustiça e dos conflitos violentos enquanto as pessoas lutam para sobreviver. Precisamos entrar no nosso futuro imediato de forma mais profunda e renovados.
Como seria isso? Refletindo sobre os textos litúrgicos dominicais do Tempo da Criação deste ano, os quais resumo da seguinte maneira:
A contemplação contínua da beleza e da maravilha da criação precisa continuar para alimentar nossa apreciação, gratidão, amor e paixão para cuidar do planeta em que temos a bênção de viver. Cuidamos daquilo que gostamos, amamos e por que somos gratos.
Lembrando que Deus não livrou Jesus da terrível rejeição, do sofrimento e da morte a que os líderes religiosos do seu povo o condenaram, precisamos considerar muito seriamente as ameaças da crise social e ecológica em que estamos vivendo. Nas palavras de Jesus, “não compreendes as coisas que são de Deus, mas as que são dos homens” (Marcos 8:33, trecho do Evangelho do terceiro domingo do Tempo da Criação de 2018) e isso implica esperar que Deus de alguma forma venha salvar a criação dos efeitos naturais das nossas atividades destrutivas.
Precisamos orar por uma confiança ainda mais profunda de que o incrível Deus por trás e em todo o cosmos esteja nos acompanhando com amor em tudo o que vem adiante — assim como Deus foi fiel a Jesus durante seu sofrimento e em sua morte —, colocando diante de nós a promessa da ressurreição.
Depois precisamos aceitar com energias renovadas o chamado para sermos profetas do nosso tempo, chamando todos a quem temos alcance, pela palavra e exemplo, a viver diferente, juntos, como uma família de seres humanos na comunidade da Terra, trabalhando para evoluir juntos para o próximo estágio da Nova Criação.
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No final do Tempo da Criação, saibam que a mudança climática está aqui - Instituto Humanitas Unisinos - IHU