14 Novembro 2017
Foram reimpressas as obras de Prospero Intorcetta, editadas por Paolo Beonio Brocchieri, que divulgaram para o Ocidente os textos de Confúcio. O missionário jesuíta identificou na sabedoria chinesa muitas afinidades com a tradição cristã.
A reportagem foi publicada por Il Sole 24 Ore. A tradução é de Luisa Rabolini, 12-11-2017.
Em 1972 e 1973, a tipografia Vincenzo Bona de Turim publicou uma edição especial natalina com pouquíssimos exemplares, em duas partes. A primeira continha "Sapienza Sinica", com um apêndice de gravuras com "A vida de Jesus ilustrada pelos Chineses"; na segunda foi reproduzida a "Sinarum Scientia político-moralis", que era seguida por uma "Vida de Confúcio". Eram os manuscritos recuperados do jesuíta Prospero Intorcetta (1625-1696). O editor foi Paolo Beonio-Brocchieri (1934-1991), um exímio orientalista italiano, bem conhecido por sua cátedra da Universidade de Pavia. Também foi, entre outras coisas, o autor de "A filosofia chinesa e da Ásia Oriental", segundo volume da vasta "História da Filosofia", editada por Mario Dal Pra (Vallardi, 1977).
As duas partes da obra foram reimpressas pela Luni Editrice em um único volume, e terça-feira, 14 de novembro, o volume intitulado "Confucio e il Cristianesimo", estará nas livrarias. Nesta página – o original teve distribuição restrita e, portanto, pode ser considerado inédito - apresentamos dois trechos dos textos de Intorcetta na tradução de Paolo Beonio Brocchieri. Foi acrescentado o testemunho da esposa do orientalista, Mariateresa Fumagalli. Ela, uma renomada estudiosa do pensamento medieval, visitou com o marido a China e o Japão. O volume da Luni tem um prefácio de Mons. Pier Francesco Fumagalli, vice-prefeito da Biblioteca Ambrosiana.
Prospero Intorcetta, um jesuíta que viveu na grande época da sua ordem, filólogo, mas também estudioso de física, surpreende nesse livro pelas intuições sobre o pensamento de Confúcio. Ele tinha a certeza de perceber nele uma religiosidade natural, capaz de orientar uma nova e eficaz estratégia para a evangelização da China.
Do “Sapienta Sinica” de Prospero Intorcetta SJ
O ensinamento dos grandes homens consiste em iluminar com as virtudes o poder espiritual colocado pelo Céu, que é a Alma, para que esta possa retornar à pureza original que os apetites humanos haviam ofuscado; consiste em renovar o povo com a exortação e exemplo; consiste em se manter firme no bem maior, seguindo em todos os momentos os ditames da razão.
Os antigos, querendo que resplendecesse o seu poder espiritual por todo o Império, em primeiro lugar governaram com retidão os próprios Reinos; querendo governar com retidão os próprios reinos, em primeiro lugar conduziam com retidão as próprias famílias; querendo conduzir com retidão as próprias famílias, em primeiro lugar adornavam de virtudes as próprias personalidades; querendo adornar a própria personalidade, em primeiro lugar harmonizavam adequadamente o próprio coração; querendo harmonizar adequadamente o próprio coração, em primeiro lugar reforçavam, excluindo toda fantasia, as próprias intenções; querendo reforçar as próprias intenções, em primeiro lugar ampliavam os próprios conhecimentos; ampliar o conhecimento consiste em compreender cada questão, providenciando o que é conveniente à questão em si, ou melhor, penetrando com a razão humana a perfeita harmonia das coisas.
Confúcio afirma: conduzir audiências e decidir disputas, eu certamente posso fazê-lo como qualquer outro homem. Mas o que seria necessário é garantir que não ocorressem mais disputas. Os homens maus não sabem por fim às suas disputas. Portanto, amarrar a si os corações das pessoas e obrigar as vontades a um amor recíproco, seja com punições, seja com advertências devotas, isso é o que acima chamamos de conhecer a coisa mais importante.
O que lhe contraria nos superiores, não o faça aos inferiores e o que lhe desagrada nos inferiores não o faça aos seus superiores. O que você abominou em quantos lhe precederam, não o imponha aos que lhe seguirem; e não siga aqueles que lhe precederam nas coisas que você odeia naqueles que lhe seguem. O que você abomina naqueles que estão à sua direita não o faça para aqueles que estão à esquerda; o que você abomina naqueles que estão à esquerda, não o faça para aqueles que estão à sua direita. Em uma palavra: não faça aos outros o que você não quer para você mesmo.
O homem devoto e que ama o povo dá fama à própria pessoa, e se torna é amável a todos com as riquezas que dispensa em favor do povo. Ao contrário, o homem ímpio e perseguidor do povo adorna de riquezas a própria pessoa, da qual só entende o interesse e as acumula, não distribuindo nada para as necessidades do povo e se torna odioso para todos.
O que é fornecido pelo céu chama-se natureza racional: o que se conforma com tal natureza chama-se regra; reativar a regra chama-se disciplina. A regra não pode estar ausente nem mesmo por um momento; se pudesse ser dispensada não seria a regra. Por isso, o homem perfeito atende e é vigilante mesmo sobre coisas que não aparecem: teme e receia também as coisas que não se ouvem.
A alegria, a raiva, a tristeza, o riso antes que se desenvolvam são ditos medianos, ou seja, de natureza indiferente: quando se desenvolvem e atingem a medida certa, chama-se harmonia; a harmonia é a regra de todo o universo.
Confúcio afirma: o homem perfeito se mantém na medianidade; o mau não respeita a medianidade. O homem perfeito possui a medianidade e uma vez que é perfeito, sempre se mantém na medianidade. Mesmo o homem mau tem uma medianidade a que se ater, mas como é mau não teme em ultrapassá-la.
Confúcio afirma: eu sei por que esta via não é seguida [a medianidade]; porque, evidentemente, os sábios vão além e os simples não conseguem de alcançá-la.
Por isso, é próprio dos homens perfeitos se harmonizarem com os outros, não seguir o fluxo; quão grande é a sua força! Erguer-se na mediocridade e nunca inclinar-se; quão grande é a sua força! Não mudar nem se orgulhar se prevalecem no reino a virtude e as leis: quão grande é a sua força! Não mudar e deixar-se conduzir à morte se no reino desaparecem a virtude e as leis: quão grande é a sua força!
As regras do homem perfeito são quatro: eu Ch'iu ainda não observei bem nenhuma delas; o que se pede aos filhos, que sejam obsequiosos com seus pais, eu ainda não cumpri totalmente; o que se pede aos súditos, que sejam obsequiosos com seu Soberano, eu ainda não cumpri integralmente; o que se pede aos irmãos mais novos, que sejam obsequiosos com os irmãos mais velhos, eu não fiz muito bem; o que se pede nas relações entre amigos, que cada um dê ao outro a precedência, isso também não cumpri bem. O homem perfeito exercita normalmente essas virtudes e nos discursos cotidianos é bastante cauteloso. Se há algo em que falhe, não permite nada menos que o rigor a seu próprio respeito; se tem riqueza de palavras, não permite inteiramente que esta se difunda; as palavras respondem às obras; as obras respondem às palavras; como poderia assim o homem tão perfeito não ser firme e seguro?
O homem perfeito age como convém à lógica de sua condição; nem deseja coisa alguma alheia a ela. Se lhe acontece de ser rico e honrado, ela age como um homem rico e honrado; se é pobre e humilde, age como um homem pobre e humilde; se é estrangeiro, comporta-se como um estrangeiro; se enfrenta uma atribulação, age como convém em uma situação de atribulação. O homem perfeito nunca se coloca em uma situação em que não esteja conforme com a própria sorte.
Todos aqueles que governam os Reinos do Universo têm essas nove regras, ou seja, melhorar a si mesmos; honrar os sábios; amar os pais e os parentes; respeitar os mais elevados dignitários; estar de acordo com os outros dignitários; amar o povo como um filho; incentivar os vários artesãos; acolher com benevolência aqueles que vêm de longe; e, finalmente, honrar os Princípios.
Ser continente e puro, vestir-se com solene propriedade, não fazer nada de não ritual; eis aquilo com que a personalidade do soberano se desenvolve. Afastar os invejosos, manter-se longe de prazeres carnais, desprezar as riquezas, e dar grande importância às virtudes; eis aquilo com que se incentivam os sábios. Ter grande respeito pela dignidade dos próprios parentes, aumentar as suas riquezas junto a eles amar e odiar; eis aquilo com que se induzem todos a amar os próprios pais.
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Cristãos em busca de Confúcio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU