01 Agosto 2017
"Precisaríamos de vozes corajosas e proféticas que nos ensinassem como cada um pecou contra o seu próprio vizinho. Mas os nossos líderes só insistem sobre o fato que o meu vizinho pecou contra mim". Há diversos dias Jerusalém está fervendo. E, se nesse momento, os palestinos celebram o fim do boicote da Esplanada das Mesquitas, após a remoção de todas as novas medidas de segurança implementadas por Israel depois do ataque de 14 de julho, as tensões e os ressentimentos alimentados por essas duas semanas de confrontos estão longe de serem realmente superados. Por isso vale à pena tentar olhar um pouco mais profundamente dentro da nova onda de conflitos que agita um dos lugares mais sagrados na Cidade Santa, contando com a pequena ajuda de quem - por sua própria história – conhece bem quem está de um lado e quem está do outro da barricada.
A reportagem é de Giorgio Bernardelli, publicada por Vatican Insider, 28-07-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
O padre jesuíta David Neuhaus, 55 anos, tornou-se sacerdote em 2000, o ano do início da segunda intifada. Ele, filho de uma família de judeus alemães que emigraram para a África do Sul em 1937, foi ordenado sacerdote pelo Patriarca Michel Sabbah, o primeiro palestino a liderar a Igreja latina de Jerusalém. Biblista, com o respaldo de um doutorado na Universidade Hebraica, homem de profundas amizades tanto entre os judeus ortodoxos como na comunidade árabe, padre Neuhaus desde 2009 lidera o Vicariato para os católicos de língua hebraica, uma pequena e vibrante comunidade que une as pessoas que, como ele, chegaram ao cristianismo vindas de um contexto judaico.
Mas hoje é também um ponto de referência para muitos trabalhadores cristãos vindos para Israel da Ásia e da África e para os seus filhos, que agora falam o hebraico como língua materna.
Somos uma comunidade de oração, intercedendo por Jerusalém e todos os seus habitantes – conta padre Neuhaus. Nós não somos políticos, diplomatas ou líderes, mas uma comunidade de pessoas simples que sabem que na vida cotidiana é possível testemunhar o amor para todos aqueles que nos rodeiam. Amor por aqueles que nos amam e mesmo para aqueles que não nos amam. Porém, também somos testemunhas de uma realidade histórica, o fato de que a Igreja e o povo judeu, hoje, vivem uma profunda reconciliação após séculos de desconfiança, preconceitos recíprocos e grandes sofrimentos, na maioria das vezes impostos pelos cristãos aos judeus. Essa transformação é uma grande revolução que beira o milagre. E podemos, portanto, orar para que - o mais rápido possível – inclusive os israelenses e os palestinos passem por alguma transformação similar, reconhecendo a humanidade do outro, por muito tempo considerado um inimigo.
O Papa - no Angelus de domingo – lançou um apelo "à moderação e ao diálogo" para Jerusalém. Quais são os passos concretos para implementar isso?
Queremos celebrar os passos diplomáticos necessários para a moderação e o diálogo. E apreciamos especialmente o trabalho de todos aqueles que estão empenhados para ajudar a compreensão recíproca nesse momento, e posso citar expressamente o rei da Jordânia. No entanto, para além do nível político e diplomático, também precisamos encontrar maneiras de promover uma verdadeira escuta dos outros. Muitos israelenses hoje se recusaram a ouvir o grito dos palestinos, que há tanto tempo vivem sob ocupação e experimentam discriminações. E muitos palestinos se recusam a perceber uma humanidade nos israelenses, considerando-os apenas como ocupantes, segundo a ótica da raiva. Muitos israelenses permitem que o medo anuvie sua própria razão e muitos palestinos permitem que a raiva ofusque o seu olhar.
Esplanada das Mesquitas, Monte do Templo, Nobre Santuário... O que é para o senhor, padre David, este lugar disputado que hoje se tornou o centro do conflito?
Para mim, Haram al Sharif é principalmente do local santo de meus irmãos e irmãs muçulmanos, um lugar no centro da vida islâmica na Palestina há 1400 anos. Eu tive a oportunidade de experimentar sua forte ligação com esse Nobre santuário acompanhando para lá os meus amigos muçulmanos por ocasião do Laylat al-Qadr (uma das últimas noites do Ramadã, que comemora a revelação do Alcorão) ou em outras festividades islâmicas importantes. Paralelamente a isso, certamente reconheço que os judeus olham para a Esplanada como restos sagrados do Templo que antigamente ficava aqui. Também não posso esquecer que o próprio Jesus, como israelita convicto, frequentava aquele Templo: foi levado para lá quando tinha apenas 40 dias, foi encontrado lá na idade de doze anos e passou muito tempo naquele lugar ensinando, até o final de sua vida terrena. Mas o presente - um presente moldado por mais de 1400 anos de história - é uma prioridade.
E quando via nesses momentos os muçulmanos rezarem nas ruas em torno deste lugar santo, o senhor rezava para que?
Eu rezo para os meus irmãos e irmãs muçulmanos: rezo para que, no Nobre santuário, possam encontrar o caminho para superar a dor e raiva, o seu sentimento de humilhação e desconfiança. Que a sua oração possa abri-los a todos aqueles que vivem em Jerusalém. E - junto - rezo por meus irmãos e irmãs judeus: peço que, quando do Muro das Lamentações olham para cima, para o lugar que já foi seu Templo, possam ver os irmãos e irmãs muçulmanos que estão lá orando. Que possam sentir um sentimento de humanidade compartilhada e de respeito por sua busca por Deus. Cientes do que ensinava um dos nossos maiores rabinos, Yohannan ben Zakkai. Para um de seus discípulos angustiados frente ao templo em ruína que lhe dizia "Pobre de nós agora que o lugar onde espiávamos nossos pecados foi destruído", ele respondia: "Você não sabe que temos um meio para esta expiação, os gestos de amor?". Já o dizia o profeta Oséias: "Misericórdia quero, e não sacrifício".
Nas próximas horas, os judeus irão celebrar o Tisha b'Av, o jejum que relembra a destruição do Templo. O que destrói hoje os Lugares Sacros em Jerusalém?
Eu acredito que muitos dos meus amigos judeus iriam responder sinat heynam, o ódio gratuito. Como alguém pode acreditar que Deus olhe com carinho quem odeia alguém?
Durante a sua viagem de 2014, justamente na Esplanada, o Papa Francisco disse que "não podemos nos considerar autossuficientes, donos de nossas vidas; não podemos nos limitar a ficar fechados, seguros em nossas convicções. Frente ao mistério de Deus somos todos pobres". Como viver esta mensagem na Jerusalém de hoje?
Sim, nós realmente precisamos reconhecer, antes de tudo, a nossa pobreza. Os livros históricos da Bíblia nos ensinam como confessar os pecados e quando o fazemos, descobrimos nossa pobreza e nossa grande necessidade de sermos perdoados. Na Jerusalém de hoje, onde dominam a ocupação, a discriminação, a violência, o ódio e a raiva, devemos aprender a confessar os pecados. Precisaríamos de vozes corajosas e proféticas que nos ensinassem como cada um pecou contra o seu próprio vizinho. Mas os nossos líderes só insistem sobre o fato que o meu vizinho pecou contra mim Apenas levantando os olhos para o Pai nos céus que vê cada um de nós como um filho ou uma filha amados podemos descobrir o quanto estamos pecando perpetrando atos de violência contra cada um de Seus filhos.
Mas muitos no mundo de hoje dizem: "A paz entre judeus e muçulmanos em Jerusalém é impossível, só funciona a força". Qual é a sua resposta?
Eu respondo que, durante séculos judeus e muçulmanos viveram juntos, houve também uma civilização islâmico-judaíca muito rica. Em vez disso, por muitos séculos, tem havido muito desprezo e ódio entre judeus e cristãos; contudo hoje somos testemunhas felizes da revolução que ocorreu nesse sentido. A mesma revolução pode acontecer entre judeus e muçulmanos se apenas eles se lembrassem do quanto têm em comum.
Para aqueles que no mundo querem fazer algo para promover a paz em Jerusalém, o que o senhor pediria?
Um encorajamento para que nos abríssemos uns aos outros. Que sempre nos lembrem que Jerusalém é uma cidade abençoada pela diversidade de seus habitantes. E que cada comunidade traz uma medida a mais de beleza para que Jerusalém venha a ser: a cidade do Shalom, Salaam, Paz, conforme o significado de seu nome em hebraico, e al Quds, a cidade da santidade viva, conforme o significado de seu nome em árabe".
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"Jerusalém, o Monte do Templo e a dificuldade para pedir perdão". Entrevista com David Neuhaus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU